terça-feira, 16 de setembro de 2025

Charlie Kirk vive. Por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Influenciador tinha muitas opiniões detestáveis, mas sua única arma era a palavra

É de se imaginar que, dentre aqueles que se creem defensores da democracia, seria consenso que assassinar adversários políticos é um ato reprovável. Aparentemente, não é. E isso ficou claro com as reações ao assassinato do ativista americano de direita Charlie Kirk.

Não foram poucas as celebrações e mesmo as defesas do atirador. As posições de Kirk eram tão horríveis, e sua veiculação tão violenta contra diversos grupos, que a bala que o matou era quase uma legítima defesa das minorias oprimidas.

Em um ponto concordo: muitas das opiniões de Kirk eram detestáveis. Tampouco havia nele qualquer heroísmo em nome da liberdade, dado que seu discurso ajudou a eleger o governo Trump, que tanto faz para degradar a democracia e as liberdades individuais americanas. Dito isso, a única arma de Kirk era justamente aquela que a democracia não só permite como deixaria de ser democrática se proibisse: a palavra.

A palavra, ao contrário da bala, respeita a humanidade do interlocutor, tratando-o como um ser racional. Ela pode sim ofender, influenciar ou mesmo ferir —e a lei está aí para julgar esses casos—, mas nunca o faz sozinha. Ela requer a disposição e a participação de quem a ouve para ter seu efeito. Um pescoço perfurado, não.

Ela não retira a possibilidade da resposta, do contraponto e, portanto, da persuasão em direção contrária. A democracia resiste apenas na medida em que apostamos na possibilidade da palavra para persuadir e, assim, resolver conflitos que, caso contrário, nos levariam às balas. A violência política, além da violação do direito básico à vida, corrói também as bases do nosso sistema político.

Nenhum lado escala sua retórica sozinho. Na direita, aumenta a demonização a toda a esquerda, o que também contribui para o clima de violência. Mais preocupante ainda é o uso que o governo Trump pode dar ao caso para aumentar ainda mais o uso político de sua polícia imigratória, que já ganha ares de força paramilitar. Essa perspectiva, por sua vez, fortalece as vozes de esquerda que justificam a violência contra a direita que as ameaça, num ciclo vicioso.

O culto à violência justiceira por parte de nossa esquerda não é apenas um desvio ético. É também um profundo erro estratégico. Kirk incomodava não apenas por suas crenças. Incomodava porque era um comunicador eficaz, seja em propagar essas crenças ou em mobilizar aqueles que já eram conservadores. Graças ao trabalho dele, milhões de jovens se moveram para a direita, nas universidades e nas redes sociais. E qual o efeito de sua morte? Potencializar ainda mais essa mensagem, agora que Charlie Kirk vive como símbolo e mártir, e suas ideias podem se revestir do manto de perseguidas.

Falta aos progressistas um discurso que faça frente ao avanço conservador. É essa falta que alimenta a tentação da violência. Mas suponha que a sociedade tome o caminho da violência. Agora, em vez de discursos, pegaremos todos em armas para resolver de uma vez por todas a eterna discussão que é a democracia. De que lado ficariam as polícias? O Exército? As igrejas? A maioria da população? Os devaneios revolucionários da esquerda só duram enquanto durar a liberdade que Charlie Kirk sabia usar tão bem e que parte dela gostaria de suprimir na bala.

 

 

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