Folha de S. Paulo
Influenciador tinha muitas opiniões
detestáveis, mas sua única arma era a palavra
É de se imaginar que, dentre aqueles que se
creem defensores da democracia, seria consenso que assassinar adversários
políticos é um ato reprovável. Aparentemente, não é. E isso ficou claro com as
reações ao
assassinato do ativista americano de direita Charlie Kirk.
Não foram poucas as
celebrações e mesmo as defesas do atirador. As posições de Kirk
eram tão horríveis, e sua veiculação tão violenta contra diversos grupos, que a
bala que o matou era quase uma legítima defesa das minorias oprimidas.
Em um ponto concordo: muitas das opiniões de
Kirk eram detestáveis. Tampouco havia nele qualquer heroísmo em nome da
liberdade, dado que seu discurso ajudou a eleger o governo Trump, que tanto faz
para degradar a democracia e as liberdades individuais americanas. Dito isso, a
única arma de Kirk era justamente aquela que a democracia não só permite como
deixaria de ser democrática se proibisse: a palavra.
A palavra, ao contrário da bala, respeita a humanidade do interlocutor,
tratando-o como um ser racional. Ela pode sim ofender, influenciar ou mesmo
ferir —e a lei está aí para julgar esses casos—, mas nunca o faz sozinha. Ela
requer a disposição e a participação de quem a ouve para ter seu efeito. Um
pescoço perfurado, não.
Ela não retira a possibilidade da resposta, do contraponto e, portanto, da
persuasão em direção contrária. A democracia resiste apenas na medida em que
apostamos na possibilidade da palavra para persuadir e, assim, resolver
conflitos que, caso contrário, nos levariam às balas. A violência política,
além da violação do direito básico à vida, corrói também as bases do nosso
sistema político.
Nenhum lado escala sua retórica sozinho. Na direita, aumenta a
demonização a toda a esquerda, o que também contribui para o
clima de violência. Mais preocupante ainda é o uso que o governo Trump pode dar
ao caso para aumentar ainda mais o uso político de sua polícia imigratória, que
já ganha ares de força paramilitar. Essa perspectiva, por sua vez, fortalece as
vozes de esquerda que justificam a violência contra a direita que as ameaça,
num ciclo vicioso.
O culto à violência justiceira por parte de
nossa esquerda não é apenas um desvio ético. É também um profundo erro
estratégico. Kirk incomodava não apenas por suas crenças. Incomodava porque era
um comunicador eficaz, seja em propagar essas crenças ou em mobilizar aqueles
que já eram conservadores. Graças ao trabalho dele, milhões de jovens se
moveram para a direita, nas universidades e nas redes sociais. E qual o efeito
de sua morte? Potencializar ainda mais essa mensagem, agora que Charlie Kirk
vive como símbolo e mártir, e suas ideias podem se revestir do manto de
perseguidas.
Falta aos progressistas um discurso que faça frente ao avanço conservador. É
essa falta que alimenta a tentação da violência. Mas suponha que a sociedade
tome o caminho da violência. Agora, em vez de discursos, pegaremos todos em
armas para resolver de uma vez por todas a eterna discussão que é a democracia.
De que lado ficariam as polícias? O Exército? As igrejas? A maioria da
população? Os devaneios revolucionários da esquerda só duram enquanto durar a
liberdade que Charlie Kirk sabia usar tão bem e que parte dela gostaria de
suprimir na bala.

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