quinta-feira, 11 de setembro de 2025

COP-30, E30: o futuro já começou. Por José Serra

O Estado de S. Paulo

Ao adotar o E30, o País reconfigura o debate energético e transforma o combustível do carro em vetor de política pública, inovação, saúde, comércio exterior e soberania energética

A realização da COP30 em Belém será mais do que um marco ambiental para o Brasil. Trata-se de uma rara oportunidade geopolítica: apresentar ao mundo uma matriz de transporte já amplamente descarbonizada e com potencial para liderar a transição energética. Hora de estufar o peito frente a diversos que falam demais e fazem de menos.

Num país onde a descontinuidade das políticas é a marca mais geral, a adoção do E30, nova mistura com 30% de etanol na gasolina, é um salto que reforça o protagonismo brasileiro na transição energética, mas vem na esteira de uma série de ações. A base agroindustrial consolidada em torno da cana-de-açúcar, com capacidade de liderar a próxima fase da economia verde, foi construída por décadas de políticas públicas consistentes, como o Proálcool, os incentivos aos carros flex e o RenovaBio. Criado em 2017, o programa estabeleceu metas anuais de descarbonização e criou os Créditos de Descarbonização (CBios), que remuneram produtores conforme sua eficiência ambiental.

O lançamento do Proálcool proporcionou o uso crescente desse biocombustível, reduzindo a dependência externa e gerando uma economia de US$ 213 bilhões na balança energética. Os efeitos ambientais foram fantásticos. Apenas nos últimos cinco anos, evitou-se a emissão de 453 milhões de toneladas de CO2 equivalente, segundo a EPE, reforçando o papel estratégico do etanol frente às mudanças climáticas.

A decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), com respaldo técnico e apoio da indústria, terá efeito prático imediato nas bombas de combustível. O aumento de 3 pontos porcentuais na mistura evita, por dia, a emissão de poluentes que equivalem à retirada de cerca de 720 mil carros movidos a gasolina das ruas. Esse efeito é especialmente relevante nas grandes cidades, onde os impactos sobre a saúde pública são imediatos. Nunca é demais lembrar que políticas energéticas também salvam vidas e reduzem desigualdades.

O custo das doenças respiratórias associadas à poluição veicular é altíssimo para o Sistema Único de Saúde (SUS) e para as famílias mais vulneráveis. Estudos da USP e da Fiocruz já mostraram que a substituição da gasolina por etanol reduz significativamente a concentração de material particulado e poluentes cancerígenos nas grandes cidades. Pesquisas indicam que essa troca pode diminuir em até 30% as internações por doenças respiratórias, especialmente entre crianças, idosos e populações mais expostas à má qualidade do ar. Etanol é também política de saúde pública.

Além dos benefícios ambientais e de saúde, o E30 já mostra efeitos econômicos concretos. O aumento da mistura tem impacto direto na inflação: em julho, por exemplo, a gasolina caiu 1,13%, puxando para baixo o IPCA. A produção nacional de etanol reduz custos, mitiga choques externos e ajuda a manter a estabilidade de preços – sobretudo em tempos de volatilidade internacional.

Há um ganho estratégico adicional: o E30 poderá eliminar totalmente a necessidade de importação de gasolina. A substituição de derivados fósseis importados por etanol nacional fortalece nossa balança comercial, reduz a vulnerabilidade externa e protege as reservas cambiais. Em outras palavras, trocamos gasolina importada por biocombustível tropical, gerando empregos, distribuindo renda e ancorando a economia em cadeias produtivas locais.

No cenário internacional, enquanto a Europa e os EUA ainda enfrentam desafios para massificar o carro elétrico, o Brasil apresenta uma solução tropical, já em escala, baseada em biocombustíveis líquidos de alta octanagem e baixo carbono. O País poderá ser, como alguns analistas sugerem, a “Arábia Saudita dos combustíveis renováveis”.

Esse avanço só será sustentável com instrumentos financeiros adequados para viabilizar investimentos. Nesse sentido, o apoio de mecanismos como o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND) e o Fundo de Aval para Descarbonização (FAD) será decisivo para estruturar projetos de infraestrutura verde, inclusive para expandir a capacidade produtiva do etanol e adaptar a frota automotiva ao novo padrão.

A ampliação do uso de etanol fortalece a soberania energética do Brasil. Ao reduzir a dependência externa e estimular a produção nacional, baseada em fontes renováveis, o País aumenta sua resiliência diante de choques geopolíticos e disfunções do mercado internacional de petróleo. Combustíveis limpos e acessíveis, produzidos com tecnologia tropical, ajudam a preservar a autonomia nacional e colocam o Brasil em posição privilegiada no novo mapa energético global.

A COP-30 será o palco ideal para apresentar esse modelo ao mundo: acessível, viável e tropical. Ao adotar o E30, o País reconfigura o debate energético e transforma o combustível do carro em vetor de política pública, inovação, saúde, comércio exterior e soberania energética.

Construir um país é dar consequência de longo prazo às políticas públicas. É buscar a liderança pelas ideias e ações. Certamente é bem diferente da submissão de estender uma bandeira americana na Avenida Paulista.

 

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