Valor Econômico
Ao examinar o mérito, ministro aderiu a todas
as teses da defesa de Jair Bolsonaro
Mesmo bolsonaristas se surpreenderam com
a amplitude
da divergência entre o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux e o relator do
processo por tentativa de golpe, Alexandre
de Moraes. Havia uma corrente, minoritária, que apostava em um
pedido de vistas que adiasse a conclusão do julgamento e outra, majoritária,
que via Fux trabalhando por um atenuamento das penas, sobretudo em relação ao
ex-presidente Jair Bolsonaro.
O voto pela nulidade do processo por incompetência de foro não era uma aposta, já que Fux concordara com o acatamento da denúncia e votara a favor da condenação de diversos réus por imputações menos graves.
Basta lembrar do que aconteceu em relação ao atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja condenação em Curitiba em 2018 terminou anulada pela polêmica de foro, para entender o tamanho da brecha aberta por Fux para que o julgamento de Bolsonaro seja anulado algum dia, caso a composição da corte mude.
Mas a surpresa do bolsonarismo não ficou só
nisso. Fux também acatou a preliminar que alegou cerceamento de direito de
defesa. É um fortalecimento da narrativa de perseguição que está na coluna
cervical da argumentação usada pelo presidente americano Donald Trump para
sancionar o Brasil. Justifica até o uso da Lei Magnitsky contra Moraes.
Ao examinar o mérito, Fux foi aderindo uma a
uma a todas as teses da defesa de Bolsonaro, em todos os pontos da acusação,
mas fixou um entendimento teórico de enorme alcance: desqualificou o enquadramento
de tentativa de um autogolpe como tentativa de golpe de Estado, afirmando que
isso abriria um “precedente gravíssimo” para a responsabilização de agentes
políticos.
Para desqualificar a imputação de tentativa
de abolição do Estado Democrático de Direito, Fux alegou inconsistências nos
testemunhos do coronel Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro) e do
brigadeiro Baptista Júnior (ex-comandante da Aeronáutica).
Também avançou bastante em desqualificar as
evidências. De fato é difícil justificar a existência da “Operação Luneta”, o
documento que falava em “neutralizar Alexandre Moraes”, se tudo que existir em
relação a esta trama for o arquivo encontrado em pen drive gerado mais de um
mês depois da conspiração ser abortada, como mencionou Fux.
Quando Fux não teve
como fazer desconstrução de prova, como foi o caso da “Punhal Verde Amarelo”,
inequivocamente impresso pelo general Mário Fernandes no Palácio do Planalto no
dia 6 de dezembro, o ministro não se deu por achado: afirmou de que é uma ilação
pensar que Bolsonaro tenha visto o documento.
Um voto com a extensão da adotada por Fux,
mais do dobro do longo voto de cinco horas de Moraes, começou a gerar
consequências antes mesmo do seu final. Um de seus possíveis subprodutos pode
ser a mudança de estratégia da oposição em relação ao tema da anistia. Afinal,
se a arguição da nulidade do processo se tornar uma alternativa para Bolsonaro,
inclusive abrindo espaço para embargos judiciais, um dos argumentos que
impulsiona o projeto no Congresso fica enfraquecido.
A outra consequência pode ser o estímulo para
a Casa Branca renovar a pressão sobre o Supremo Tribunal Federal, com novas
sanções de diversa ordem tanto a Moraes quanto a ministros que o acompanhem no
voto condenatório, como Flávio Dino. O voto de Fux legitima uma visão de que
magistrados no Brasil infringem normas internacionais de direitos humanos.
Em 1990, ao apresentar o seu plano econômico,
o então presidente Fernando Collor divertiu-se, ao dizer que ele havia deixado
a direita indignada e a esquerda perplexa, pelo grau de intervencionismo no
setor privado. Desta vez Fux consegue o oposto em relação a Bolsonaro, pela
quebra da coesão em um momento de ataque ao Judiciário.
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