terça-feira, 16 de setembro de 2025

Creem os militantes em seus mitos? Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Caso do Pizzagate mostrou que a maioria dos que diziam acreditar numa narrativa ideológica não agiram de acordo com a crença

Militantes políticos acreditam de verdade nas narrativas que seus grupos impulsionam? Um experimento natural mostra que não ou, pelo menos, não cegamente.

Em 2016, durante a campanha presidencial americana, ganhou corpo a teoria conspiratória do Pizzagate, segundo a qual membros do Partido Democrata, incluindo Hillary Clinton, faziam parte de uma quadrilha que aprisionava crianças no porão de uma pizzaria em Washington, a Comet Ping Pong, para utilizá-las como escravas sexuais. Pelas pesquisas, milhões de americanos "acreditavam" no Pizzagate, mas um único indivíduo, Edgar Welch, tomou a atitude compatível com sua crença e tentou libertar as crianças. Armado, ele invadiu a Comet. Após cerco policial, foi preso.

Registraram-se também algumas ameaças contra os donos e funcionários da pizzaria, mas a esmagadora maioria daqueles que diziam crer na história se limitou a fazer avaliações negativas da Comet.

Convenhamos que criticar a excelência culinária da pizzaria não é uma resposta muito razoável para quem realmente acha que ela esconde crianças escravizadas no porão.

O paradoxo se dissolve se assumirmos como verdadeira a hipótese de Dan Sperber e Hugo Mercier à qual sempre aludo aqui. Segundo a dupla de pesquisadores, a razão não evoluiu para nos fazer encontrar a verdade, mas apenas para nos fazer vencer discussões e, com isso, aparecer bem diante do grupo ao qual pertencemos.

Ao falar mal das pizzas da Comet, eu já demonstro minha lealdade à turma que rejeita o Partido Democrata, sem necessidade de enfrentar a polícia ou correr outros riscos. É apenas sob circunstâncias muito especiais que ferramentas da racionalidade, como a lógica formal e o cálculo probabilístico, nos levam, talvez não à verdade, mas a tentativas honestas de encontrá-la. É o que ocorre, por exemplo, na ciência.

Quando aplicadas fora dos rigores de uma metodologia, essas ferramentas funcionam como armas retóricas, que tornam as narrativas ideológicas mais convincentes e fazem brilhar mais quem as utiliza com maestria.

 

 

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