O Globo
Ressalvas feitas pela defesa de Bolsonaro e
apoiadas por Fux não invalidam o julgamento. Houve tentativa de golpe
O ministro Luiz Fux não pode ser considerado
ingênuo, mas viu nos acontecimentos que culminaram na tentativa de insurreição
de janeiro de 2023 um amontoado de fatos isolados. Para ele, todos os atos que
compõem a narrativa da tentativa de golpe feita pelo procurador-geral da
República, Paulo Gonet, e acatada pelo relator, ministro Alexandre de Moraes,
foram isolados, não compondo o encadeamento golpista.
Embora esteja certo em muitas ressalvas que apontou no começo de seu voto no julgamento, há um problema inicial, já que ele julgou vários envolvidos na intentona de janeiro de 2023 e não levantou nenhuma das preliminares que veio a acatar ontem. Não considerou que os réus não deveriam ser julgados no Supremo Tribunal Federal (STF), nem que era nulo o julgamento. Julgou e condenou.
Ele está certo quando diz que o julgamento
não deveria estar no STF, muito menos na Primeira Turma; no máximo, no
plenário. Os acusados tinham de ser julgados a partir da primeira instância,
como Lula foi. Talvez tenha razão sobre organização criminosa, mas, como nos
demais crimes imputados aos réus, foi muito literal, muito apegado à
literalidade da lei, sem querer ver seu espírito. Fux inovou: o ajudante de
ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, foi condenado pelo golpe, que
Bolsonaro ignorava. Era o ajudante de ordens quem dava as ordens.
Fux fez esse voto não para ganhar — sabe que
é minoritário. Talvez espelhado noutro juiz — Cristiano Zanin, que conseguiu
ganhar depois de muita insistência o processo de Lula com a tese de que a
jurisdição correta era Brasília, e não Curitiba. Fez para marcar posição diante
da História e tudo o que disse era previsto. Houve abusos do ministro Alexandre
de Moraes — embora ele tenha razão no mérito, várias vezes saiu da linha mestra
na conduta do processo.
Daqui a alguns anos, tudo isso corre o risco
de ser anulado, pelas razões que o Fux deu. No Brasil, é assim: os juízes mudam
de opinião sobre o mesmo assunto em anos diferentes. A interpretação da lei tem
sido nos últimos anos dependente do momento político, da reação emocional dos
ministros. Tanto nesse caso como no de Lula, a solução não é o julgamento ser
anulado. Os crimes aconteceram, as confissões foram feitas, o dinheiro foi
devolvido, não há dúvida do que aconteceu. O próprio Lula já disse que não
podia negar que houve corrupção.
O STF não poderia ter anulado todos os
processos da Lava-Jato. O que foi feito de errado pelo então juiz Sergio Moro e
pelos procuradores deveria ter sido anulado pontualmente. Erros técnicos não
invalidam provas. Assim como as ressalvas feitas pela defesa de Bolsonaro e
apoiadas por Fux não invalidam o julgamento. Houve tentativa de golpe, há
documentos e provas. Mas no Brasil é assim: todos os grandes processos
envolvendo grandes bancos ou grandes políticos são anulados, uma hora ou outra.
Fux não votou acreditando em absolver o
ex-presidente Bolsonaro e seus associados, mas com o objetivo de garantir que,
um dia no futuro, o julgamento venha a ser anulado. Pela lógica, ele deveria
absolver todos os acusados, pois levantou a nulidade absoluta. Rompeu a unidade
da Primeira Turma, desejável para o relator Alexandre de Moraes. Não foi à toa
que citou indiretamente o caso do petrolão, que terminou anos depois com a
aceitação pelo STF da tese do então advogado Zanin de que a jurisdição correta
para julgamento de Lula não era Curitiba, que Moro presidia.
Zanin hoje preside a turma que julga
Bolsonaro, demonstração de como mudam os ventos políticos. Segundo dizem, o que
não está nos autos não está na vida. Fux está na vida, mas não está nos autos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.