quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Quem será o modelo da democracia agora? Por Dani Rodrik

Valor Econômico

Os EUA deram uma guinada autoritária, enquanto a Europa enfraquecida não consegue projetar nem força e influência

Quando eu era adolescente e morava em Istambul, tive a sorte de fazer parte de uma geração que tinha modelos democráticos por perto. Países europeus como Reino Unido, França, Alemanha e Suécia alimentavam nossas aspirações de prosperidade e democracia, dando-nos esperança para o futuro de nosso próprio sistema político imperfeito. As experiências desses países nos mostraram que crescimento econômico, justiça social e liberdade política não só eram compatíveis, como também se reforçavam mutuamente.

Onde os jovens de hoje buscarão uma mensagem igualmente esperançosa? A democracia liberal parecia destinada a ser a onda do futuro. Agora, porém, o retrocesso democrático é um fenômeno global, com os EUA de Donald Trump sendo apenas o exemplo mais visível e dramático. Desde o início da década de 2010, as “autocracias eleitorais” - regimes que realizam eleições periódicas, mas sob condições de repressão generalizada - se tornaram a forma dominante de governo em todo o mundo. Hoje, quase 220 milhões de pessoas a menos vivem sob uma democracia liberal do que em 2012.

Além disso, as “democracias eleitorais” - forma de regime que pode abrir caminho para a democracia liberal - também perderam terreno, governando hoje 1,2 bilhão de pessoas a menos do que em 2012. Esses regimes foram substituídos por autocracias eleitorais ou absolutas, que agora governam 5,8 bilhões de pessoas (2,4 bilhões das quais foram adicionadas desde 2012).

Como um farol da democracia, a Europa não brilha mais com tanta intensidade. A União Europeia (UE) desempenhou um papel importante na consolidação da democracia durante a transição da Europa Oriental do socialismo, com a República Tcheca e a Estônia se tornando algumas das democracias liberais mais bem classificadas do mundo. Mas muitos outros - notadamente Polônia, Hungria e Eslováquia - regrediram de modo significativo, e a UE tem sido impotente para fazer algo a respeito. O premiê da Eslováquia, Robert Fico, recentemente se juntou ao presidente russo Vladimir Putin, ao ditador norte-coreano Kim Jong-un e a duas dúzias de outros líderes autoritários em Pequim para assistir o presidente Xi Jinping a celebrar o poderio militar chinês.

Os principais países europeus podem afirmar, com razão, que suas democracias não sofreram um golpe tão grande quanto os EUA. Mas a Europa hoje não projeta nem força econômica nem coesão política. Sua autoconfiança parece ter atingido o fundo do poço, como exemplificado pela forma como a UE cedeu às ameaças tarifárias de Trump.

Os líderes europeus esperaram durante muito tempo que a integração aumentasse o poder e a influência da região na cena global. Em vez disso, a UE dá a impressão de ter virado uma espécie de centro de reabilitação permanente que promove a paralisia. Suas instituições e processos desencorajam os países a agir de forma ousada por conta própria, mas não têm capacidade para formular e perseguir uma visão comum.

Enquanto a Europa democrática não consegue projetar influência além de suas fronteiras, aqueles que exercem poder no cenário global não são mais modelos a serem seguidos. Poucos esperavam que os EUA dessem uma guinada autoritária, ainda assim, Trump transformou o país num ator sem escrúpulos quase da noite para o dia. Ele também facilitou para a China se apresentar como o adulto na sala, e Xi assumiu de bom grado o manto da “igualdade soberana”, do “Estado de direito internacional” e do “multilateralismo”.

Mas ninguém deve se enganar sobre a natureza do regime chinês. Suas conquistas econômicas não são motivo para imitar sua política. A China continua sendo um país autoritário, onde minorias são reprimidas e a oposição política é estritamente proibida.

Para encontrar pontos positivos democráticos, precisamos procurar em lugares inesperados. Brasil e África do Sul, dois países de renda média, compartilham a rara distinção de terem chegado recentemente à beira do colapso autoritário e, em seguida, terem recuado

Para encontrar pontos positivos democráticos, precisamos procurar em lugares inesperados. Por exemplo, Brasil e África do Sul, dois países de renda média, compartilham a rara distinção de terem chegado recentemente à beira do colapso autoritário e, em seguida, terem recuado.

O mandato de Jacob Zuma como presidente da África do Sul (2009-2018) foi caracterizado por populismo autoritário e corrupção generalizada, e o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro se recusou a aceitar a derrota eleitoral e planejou um golpe militar (bem como o assassinato de seu oponente) em 2022. Mas ambos foram sucedidos por líderes com sólidas credenciais democráticas - Cyril Ramaphosa na África do Sul e Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil.

O que torna esses sucessos extraordinários é que eles ocorreram em circunstâncias que os cientistas políticos consideram particularmente desfavoráveis à democracia. A África do Sul e o Brasil não só têm profundas divisões étnicas, como também estão entre os países mais desiguais do mundo. A ausência de grandes diferenças entre ricos e pobres é uma pré-condição para a sustentabilidade da democracia; mas as experiências brasileira e sul-africana pintam um quadro mais sutil - que é animador para os defensores da democracia.

Há boas notícias também noutros lugares. No fim de 2024, quando o presidente sul-coreano Yoon Suk-yeol declarou lei marcial as forças democráticas e o Parlamento reagiram. Em poucas semanas, Yoon sofreu impeachment e foi destituído do cargo.

Algumas das democracias mais bem-sucedidas fora da Europa são pequenos países que permanecem fora do radar nas discussões sobre o declínio democrático. Taiwan, Uruguai, Costa Rica, Ilhas Maurício e Botsuana recebem notas altas no ranking de democracia da Economist Intelligence Unit (os dois últimos são particularmente notáveis como exemplos de democracias duradouras na África).

Talvez nossas esperanças de alimentar as chamas da democracia repousem sobre esses casos improváveis. Como tudo na vida, a democracia precisa de modelos a seguir. Embora os estudos de caso de costume já não sejam relevantes, ainda existem lugares onde os defensores da democracia podem achar inspiração. (Tradução de Fabrício Calado Moreira)

*Dani Rodrik, professor de economia política internacional na Harvard Kennedy School, é ex-presidente da Associação Econômica Internacional. Copyright: Project Syndicate, 2025.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.