quinta-feira, 4 de setembro de 2025

É difícil Congresso rejeitar o perdão, por Merval Pereira

O Globo

A anistia não alcança a inelegibilidade porque ela não é uma punição criminal, mas um requisito negativo para concorrer a eleições, fixado pela Constituição e pela Lei Eleitoral

Pela Constituição, anistia é questão do Congresso. Pode-se discordar — e eu discordo — de uma anistia ampla, geral e irrestrita, mas cabe apenas ao Congresso promovê-la — e temo que acabe aprovada. No final do regime militar, o pedido era o mesmo. A anistia começou fechada, não incluindo os que haviam cometido “crime de sangue”, mas terminou ampla. Tratar do assunto no meio do julgamento dos envolvidos no núcleo central da tentativa de golpe é descabido. Já há um movimento para que a apresentação formal da proposta só aconteça no final do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), o que seria menos chocante. Mas não menos irresponsável com a História do país.

Conseguir que Bolsonaro dispute a eleição de 2026 será outra batalha. Essa, sim, provavelmente perdida, pois a anistia não atinge decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Então haverá outra luta para tentar reverter a decisão do TSE e disputar no STF. Agora que a direita já havia se organizado em torno de Tarcísio de Freitas, uma anistia a Bolsonaro pode levar tudo de volta ao início. Ele se dirá candidato, e a disputa com o TSE fará parte da campanha presidencial. A não ser que o acordo seja livrá-lo com a anistia, mas ele apontar Tarcísio como seu candidato. Nesse caso, será confiável?

É difícil a anistia não passar no Congresso, depois que o Centrão aderiu à campanha. Certamente a visita do deputado Arthur Lira a Bolsonaro há dias foi um recado e, claro, incluiu a anistia. Com o ambiente conturbado no Congresso, incluindo a aprovação de projetos descabidos e a tramitação de propostas abusadas, como a permissão de o Parlamento demitir diretores do Banco Central, será quase impossível aprovar a alternativa do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, sem que favoreça Bolsonaro, pois ninguém está preocupado com a mulher do batom ou os outros condenados do 8 de Janeiro.

Alcolumbre quer apresentar um projeto reduzindo as penas dos envolvidos na intentona de janeiro de 2023. A anistia, em termos jurídicos, serve para “perdoar” certos tipos de sanções, normalmente criminais ou administrativas, ligadas a fatos já ocorridos. Mas a inelegibilidade de Bolsonaro decretada pelo TSE não é pena criminal. O que o TSE fez foi aplicar uma sanção eleitoral de natureza constitucional. A Constituição manda que a lei estabeleça hipóteses de inelegibilidade “para proteger a probidade administrativa, a moralidade e a normalidade das eleições”. A Lei da Ficha Limpa regulamenta isso. Ela diz que quem comete abuso de poder político, econômico ou uso indevido dos meios de comunicação fica inelegível por oito anos.

O Congresso já tratou de amenizar a lei, aprovando uma alteração que reduz a pena. Antes, a inelegibilidade só começava depois de cumprida a sentença. Agora, conta a partir da condenação. Para que Bolsonaro volte a ser elegível, não bastaria a anistia. Judicialmente, ele teria de reverter a decisão no próprio TSE ou no STF. Politicamente, só o Congresso poderia aprovar uma mudança constitucional ou alterar a Lei da Ficha Limpa para afastar sua inelegibilidade (algo que poderia ser contestado no STF se violasse a moralidade e a isonomia).

A anistia não alcança a inelegibilidade porque ela não é uma punição criminal, mas um requisito negativo para concorrer a eleições, fixado pela Constituição e pela Lei Eleitoral. Não pode ser simplesmente apagado por um perdão geral. Informalmente, ministros do STF alegam que uma anistia poderia ser considerada inconstitucional e citam o exemplo do ex-deputado Daniel Silveira, que recebeu indulto do então presidente Bolsonaro, anulado pelo Supremo. O indulto não pode ser dado a um indivíduo específico, e por isso foi considerado ilegal. Não seria esse o caso da anistia. No entanto a anistia pode ser considerada ilegal para condenados por atentado ao Estado de Direito. E é o caso.

 

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