quinta-feira, 4 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Anistia é afronta irresponsável à Constituição

O Globo

Motta deve enterrar a proposta de livrar Bolsonaro e os demais réus depois do julgamento no Supremo

É responsabilidade do presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), enterrar a articulação em favor do projeto que anistia os culpados pela violência do 8 de Janeiro, cujo objetivo implícito é beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro se condenado no julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF). Pela primeira vez, depois de reunião com líderes partidários, Motta admitiu pôr em pauta a proposta de anistia. “Aumentou o número de líderes pedindo”, disse. Ele deveria ser coerente com suas declarações anteriores, contrárias à ideia descabida. Não é hora de ceder a apelos demagógicos. O momento exige, de alguém que ocupa o cargo de Motta, espinha dorsal republicana e responsabilidade com a História.

A investida pela anistia ganhou corpo a partir de declarações infelizes do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, dizendo que antes do julgamento se tratava de “impossibilidade”, mas depois se tornaria “questão política”. Quem defende livrar Bolsonaro e os demais réus adota um discurso segundo o qual só a anistia traria “pacificação” ao país. Ora, trata-se de um discurso vazio. Anistiar condenados pelo crime de golpe de Estado não leva a pacificação nenhuma, muito pelo contrário. Revigora quem defende a destruição do Estado Democrático de Direito.

Em vez de reforçar os limites da Constituição, a anistia incentiva novas intentonas e semeia confrontos. Se as penas impostas pela tentativa de ruptura institucional são canceladas, se quem comete o crime mais grave contra a democracia sai ileso, por que não tentar outra vez? O projeto de anistia ainda cria o risco de uma crise institucional sem precedentes. Se aprovado no Congresso, é mais que provável o cenário em que o Supremo considera a decisão inconstitucional, e o país mergulha numa disputa entre os dois Poderes.

Entre extrair vantagem política ou vacinar o país contra novos ataques à democracia, os arautos da anistia parecem só pensar no ganho imediato. É o caso do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que passou a atuar de forma mais explícita em favor da anistia, manchando suas credenciais republicanas. Tarcísio chegou a dizer que “não confia na Justiça”. Se a intenção é obter apoio de Bolsonaro para uma candidatura à Presidência, o risco é, ao banalizar a intentona, perder o apoio de quem o vê como representante da direita democrática.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), parece disposto a percorrer caminho alternativo. Prometeu apresentar uma proposta para atualizar a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, sem interferir no julgamento de Bolsonaro. A intenção é estabelecer tipos penais diferentes para distinguir organizadores e financiadores de atos golpistas da “massa de manobra”. Mas é preciso cuidado para evitar que o projeto se transforme em cavalo de Troia para anistiar Bolsonaro e os demais réus. O Senado só deveria apreciá-lo depois do julgamento. Eventuais tentativas de reduzir penas serão casuísticas e inaceitáveis.

O Brasil e o restante do mundo estão atentos ao que acontece no Supremo e no Congresso. Os que ocupam os maiores cargos da República não serão avaliados apenas pela opinião pública ou pelo eleitorado. Serão julgados pela História. Motta precisa ter em mente que seu legado não pode ser uma anistia àqueles que, pela primeira vez em 135 anos de República, são julgados por tramar um golpe de Estado no Brasil.

Proposta legislativa que solapa a autonomia do BC é inadmissível

O Globo

Projeto de Lei ressuscitado na Câmara põe em risco integridade do sistema financeiro e estabilidade monetária

É inadmissível o projeto que tenta solapar a autonomia do Banco Central (BC), garantida pela lei aprovada em 2021, depois referendada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Lideranças na Câmara de PP, MDB, União, PSB, PL e Republicanos já assinaram requerimento para que tramite com urgência uma proposta que procura dar ao Parlamento a prerrogativa de remover integrantes da diretoria do BC em nome do “interesse nacional” — expressão vaga que, na prática, se traduz por “interesse político”. Pela lei, apenas o presidente da República pode tomar a iniciativa de tirá-los do cargo, em casos especiais e mediante justificativa.

É graças aos mandatos fixos, com estabilidade garantida por lei, que os diretores do BC podem tomar decisões sobre juros e temas de natureza regulatória com base técnica, sem estar vulneráveis a pressões políticas ou econômicas. É evidente que, uma vez sujeitos aos humores dos congressistas, esvai-se a confiança necessária para preservar a integridade do sistema financeiro e a estabilidade da moeda. Como resumiu o ex-presidente do BC e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles ao GLOBO: “Se subir juro, vai ter gente achando que é contra o interesse nacional?”. O projeto pavimenta o caminho a maiores expectativas inflacionárias e assegurará juros ainda mais altos.

Também é grave a motivação dos parlamentares. A ideia surgiu como forma de pressão para que a diretoria do BC aprovasse a operação de venda do Banco Master ao estatal Banco de Brasília (BRB). Cercada de dúvidas desde o início, ela foi rejeitada ontem diante de duas dificuldades. Primeira, a capacidade incerta do BRB de absorver os ativos do Master sem prejuízo ao acionista (o controle é do governo do Distrito Federal). Segunda, o Master estava à beira da bancarrota em virtude de operações temerárias e, por mais que a autoridade monetária tenha de zelar pela saúde do sistema financeiro, era essencial assegurar que a venda não incentivasse outros bancos a adotar o mesmo comportamento irresponsável — ou não criasse, no jargão das finanças, “risco moral”. Por isso a decisão do BC foi oportuna. Agora a liquidação do Master se tornou o caminho mais provável. É uma saída que não agrada a seus controladores, cujas conexões políticas são conhecidas.

A tentativa de enfraquecer a autonomia do BC brasileiro coincide com o ataque de Donald Trump à independência do homólogo Federal Reserve (Fed) nos Estados Unidos. Trump anunciou a demissão de uma diretora do Fed, que recorreu à Justiça. Em caso anterior, a Suprema Corte reiterou o poder do presidente de demitir ocupantes de altos cargos em agências reguladoras, mas fez uma ressalva específica ao caso do Fed. Aqui no Brasil, o STF já assegurou por ampla maioria a constitucionalidade da lei que instaurou a autonomia do BC. Tentar mexer nas regras para agradar a alguém que se sentia prejudicado por uma decisão que nem havia tomada é um escândalo. Nas palavras do ex-presidente do BC Arminio Fraga, “é insanidade, é coisa de republiqueta, é grave”.

Interferência na autonomia do BC ameaça interesse nacional

Valor Econômico

O projeto do Centrão traz um retrocesso monumental e é isca apropriada para todo tipo de interferência na gestão do Banco Central

Como um relâmpago em céu azul, líderes do Centrão (PP, União Brasil, hoje coligados na União Progressista, PL, MDB) e do PSB assinaram um requerimento de urgência para mudar a Lei Complementar 179, de 2021, que concedeu autonomia ao Banco Central. Com bancada de 300 deputados, as legendas querem dar ao Congresso a prerrogativa de demitir diretores do BC quando sua atividade for considerada “incompatível com os interesses nacionais”. Apenas três linhas do PLC 39 de 2021, de autoria do deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP), ressuscitado agora pelo deputado Claudio Cajado (PP-BA), fulminam a autonomia do BC, aprovada após 30 anos de discussões.

Sob todos os aspectos, a iniciativa é inoportuna e nociva. A lei que deu independência ao BC já prevê as circunstâncias em que membros da diretoria colegiada da instituição podem ser afastados. Além do pedido de exoneração e doença incapacitante dos diretores, a lei admite a dispensa por condenação definitiva por ato de improbidade administrativa ou crime que vede o exercício de cargos públicos, ou ainda “comprovado e recorrente desempenho insuficiente”. No caso de desempenho insuficiente, o Conselho Monetário Nacional tem de apresentar o pedido ao presidente da República, que, caso o aprove, terá de ser referendado também pelo Senado, por maioria absoluta. Mas compete exclusivamente ao presidente da República tomar a iniciativa da exoneração. Pelo projeto do Centrão, ela terá também de ser aprovada pela maioria absoluta das duas Casas do Congresso.

O PL, que dá margens a extremos de interpretação ao mencionar “interesses nacionais”, foi justificado em 2021 por Capiberibe por dois motivos. O primeiro, porque o projeto não indicava quem era responsável pela fiscalização do desempenho dos integrantes do BC. O segundo, que a exoneração estava concentrada em apenas uma pessoa, o presidente. Nesse ponto, a ofensiva retomada pelo Centrão faz parte da disputa para tomar ou dividir prerrogativas do Executivo, bem-sucedida no caso das emendas parlamentares impositivas.

Mas a aparição do requerimento de urgência para submeter o Banco Central aos humores políticos e outras inclinações do Congresso, da noite para o dia, faz supor outros motivos. Em março, o BC começou a analisar um caso complexo e cheio de arestas obscuras envolvendo a proposta de compra, pelo Banco de Brasília (BRB), pertencente ao governo do Distrito Federal, de ativos do Banco Master. A decisão era da diretoria do BC, mas o parecer principal ficava com a área responsável por esses tipos de transações, sob comando de Renato de Brito Gomes, diretor de Organização do Sistema Financeiro. Gomes disse que não havia prazo para uma decisão sobre o assunto (Valor, 28 de agosto). O diretor teria entrado então na mira dos partidos do Centrão por estar impedindo o negócio e, por razões não inteiramente conhecidas, desagradou a quem gostaria que o caso tivesse um desfecho logo.

O Banco Master é controlado por Daniel Vorcaro, um banqueiro com trânsito entre parlamentares, líderes do PP e no governo, onde chegou a ser apresentado ao presidente Lula pelo ex-ministro Guido Mantega (“O Globo”, 30 de março). Desde que foi anunciado, o negócio atraiu atenções. Uma delas foi a do Ministério Público do Distrito Federal, que exigiu que o negócio tivesse anuência do Legislativo, decisão contestada pela direção do BRB, depois acatada. A Câmara Legislativa do DF deu autorização à operação de compra, assim como o governador Ibaneis Rocha (MDB).

A atuação do Master, por seu lado, motivou algumas ações do BC. O banco cresceu bastante com captações asseguradas pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC), dinheiro em grande parte aplicado em ativos arriscados e de baixa liquidez. A venda para um banco estatal seria bom negócio para Vorcaro. No formato inicial, mesmo após a venda de 58% do capital do Master ele continuaria fazendo parte do bloco de controle.

À medida que as operações foram sendo depuradas, diminuíram de tamanho. O BC mudou as regras do FGC para evitar assunção de riscos por bancos menores cujas perdas seriam socializadas por todo o sistema financeiro. Os R$ 75 bilhões originais do negócio minguaram para R$ 23,9 bilhões. Ficariam fora, por exemplo, R$ 33 bilhões de CDBs emitidos com taxa extravagante de 120% do CDI. E finalmente na noite de ontem, um dia após a ofensiva do Centrão sobre o BC e cinco meses após o anúncio da operação, o regulador rejeitou a compra do Master pelo BRB. Os próximos passos ainda serão conhecidos - se haverá espaço para o BRB recorrer ou se o negócio caminhará para uma liquidação.

Independentemente das intenções do Centrão e do desfecho do episódio do Master, o projeto traz um retrocesso monumental e é isca apropriada para todo tipo de interferência na gestão do BC que a vagueza da formulação legal permite. O mutante jogo dos interesses políticos no Congresso tornaria a gestão da autoridade monetária muito mais difícil do que já é. A ameaça à autonomia iniciada pelo Centrão não pode prosperar pois, para usar seus próprios termos, ela claramente é “incompatível com os interesses nacionais”.

Centrão e Tarcísio propagam a anistia indefensável

Folha de S. Paulo

Saída de União e PP do governo espelha aproximação com candidatura presidencial do governador de SP

Tarcísio fomenta anistia a Bolsonaro como mostra de fidelidade; defesa de perdão antes mesmo da condenação por ato gravíssimo é nefasta

União Brasil e PP, que agora formam a federação partidária União Progressista, anunciaram que estão desembarcando do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), num movimento que espelha a crescente aproximação entre o centrão e uma candidatura presidencial do governador de São PauloTarcísio de Freitas (Republicanos).

Para além de oportunidade política e afinidade ideológica, as tratativas passam por uma afronta institucional —a defesa de anistia para Jair Bolsonaro (PL), perto de ser condenado por tentativa de golpe de Estado, e seus asseclas de variadas hierarquias.

União e PP nunca estiveram no centro nervoso da coalizão governista nem ofereceram apoio consistente ao Planalto, embora mantenham ministérios e outros postos relevantes na administração federal. Com as eleições no horizonte, não é surpresa que queiram se reposicionar.

As siglas deram prazo até o final deste setembro para que "detentores de mandato" deixem seus cargos, sob pena de expulsão. Os principais afetados são os ministros André Fufuca (Esporte) e Celso Sabino (Turismo), deputados licenciados pelo PP e pelo União Brasil, respectivamente.

É um desembarque bem à moda do centrão, já que não detentores de mandato e não filiados escapam à decisão —e aí estão indicações relevantes do presidente do SenadoDavi Alcolumbre (União Brasil-AP), que não participa do movimento de ruptura e continua aliado a Lula.

Em paralelo, Tarcísio arregimenta as legendas para a defesa da anistia, num gesto de fidelidade ao bolsonarismo —de cujo apoio precisa para consolidar-se como principal postulante ao Planalto pelo campo da direita.

Numa costura rocambolesca, o governador passou a estimular congressistas a apoiar o que vai se desenhando como um perdão amplo o suficiente para abarcar Bolsonaro, não apenas sua infantaria, mas que mantenha a inelegibilidade do ex-presidente e seu nome fora da urna em 2026.

Com o avanço da tese à boca pequena em Brasília, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), já deu sinais de que poderá pautar um projeto de lei a respeito do tema. Há empecilhos consideráveis à empreitada, todavia.

No Senado, Alcolumbre declarou ser contrário a uma anistia ampla e que vai privilegiar um texto alternativo. Haveria pela frente também o Supremo Tribunal Federal (STF), que já firmou entendimento considerando inconstitucional o perdão a crimes cometidos contra a democracia.

Decerto há muito de teatro interesseiro em todos esses movimentos, o que não torna menos nefasta, porém, a defesa pública de perdão antes mesmo da condenação por um ato gravíssimo.

Propagar o descrédito na lei e nas instituições é um desserviço à democracia não justificável por pragmatismo político de qualquer espécie. Os acusados de golpismo precisam se entender com a Justiça, não com partidos.

Honorários bilionários na AGU

Folha de S. Paulo

É preciso acabar com o repasse de pagamentos feitos por partes vencidas em processos a advogados públicos

Riscos justificam honorários de sucumbência no setor privado; no público, o Estado já financia o trabalho e servidores têm estabilidade

Num país com renda média do trabalho na casa dos R$ 3.400 mensais e teto do funcionalismo de R$ exatos R$ 46.366, é inconcebível que carreiras do sistema de Justiça usem manobras legais para obter remunerações que, por vezes, chegam aos seis dígitos.

O exemplo escandaloso mais recente se dá na Advocacia-Geral da União (AGU). Em janeiro deste ano, pouco mais de 12 mil membros do órgão receberam R$ 1,7 bilhão referente a honorários de sucumbência. Em julho, foram mais R$ 2,3 bilhões. Somando-se os demais meses, esses advogados públicos receberam um total de R$ 5 bilhões no período.

A média dos repasses em julho ficou em R$ 192 mil por servidor beneficiado, sendo que quase metade do grupo ganhou valores próximos a R$ 310 mil —caso do ministro Jorge Messias, chefe da AGU, com R$ 307,9 mil.

Honorários de sucumbência, valores pagos pela parte perdedora num processo à parte vencedora, fazem sentido no setor privado, dados os riscos assumidos por advogados e escritórios.

No setor público, constituem uma insensatez que atenta contra a moralidade administrativa, pois o Estado já financia toda a estrutura necessária ao trabalho, sem contar a estabilidade e os benefícios do funcionalismo.

Honorários de sucumbência para advogados da AGU e procuradores da Procuradoria-Geral Federal, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e do Banco Central foram instituídos por uma lei de 2016, que foi validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Isso não torna a prática aceitável nem torna o dinheiro público bem empregado. As verbas poderiam ser usadas em áreas prioritárias, em vez de turbinar a conta bancária de servidores.

Os pagamentos são realizados pelo Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCAH), uma entidade de natureza privada, cujos conselheiros também são beneficiados pelos recursos. De 2017 a 2014, o CCHA recebeu R$ 15,8 bilhões da União.

Tais honorários de sucumbência podem criar incentivos nefastos, ao fazer com que profissionais do serviço público direcionem atenção a processos que tragam maior retorno financeiro.

A reforma administrativa em gestação na Câmara dos Deputados poderá promover alterações em fundos privados de advogados públicos, entre outras medidas para conter supersalários. Há grande risco, porém, de que lobbies e corporativismo detenham a empreitada.

De todo modo, é imperativo abrir caminho para eliminar essa prática nada republicana que atenta contra o erário.

Acordo por anistia a golpistas é pornográfico

O Estado de S. Paulo

Urdida nos subterrâneos do Congresso, uma eventual impunidade para os acusados de tramar um golpe de Estado ora em julgamento no STF é juridicamente teratológica e moralmente inaceitável

O julgamento da Ação Penal (AP) 2.668 mal havia começado quando, a alguns passos do Supremo Tribunal Federal (STF), caciques partidários e autoridades do Congresso, aos quais se juntou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, já articulavam um pornográfico acordo político para aprovar um projeto de lei de anistia. O contraste é gritante: enquanto o STF exercia seu dever de julgar suspeitos de atentar contra a ordem constitucional democrática, a elite política do País trabalhava para neutralizar a eventual punição dos que vierem a ser condenados por trair o pacto republicano. Anistiá-los não é só uma iniciativa juridicamente teratológica – é moralmente inaceitável.

A monstruosidade desse conchavo salta aos olhos. Admitir a constitucionalidade de uma anistia para réus acusados de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, entre outros crimes, implica admitir que a Constituição conteria um dispositivo de autodestruição. Ademais, cogitar de anistia, a essa altura, é um artifício político para livrar Jair Bolsonaro e seus corréus, civis e militares, das consequências penais de seus atos. Talvez a única centelha de sensatez nessa articulação toda, não que seja aceitável, tenha partido do presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre, que defendeu que uma eventual anistia não pode contemplar o ex-presidente.

Mas antes o problema fosse apenas técnico. É, sobretudo, político e moral. Há evidências em profusão de que Bolsonaro e sua grei tramaram para permanecer no poder à revelia da vontade popular e em flagrante violação da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. O 8 de Janeiro foi a culminação visível de uma conspiração muito mais ampla contra a democracia. Por isso, a sofreguidão pela anistia não visa à proteção dos idiotas úteis que tomaram Brasília à força naquele fatídico dia, mas sim dos mentores do golpe, cujos nomes figuram no topo da política e das Forças Armadas, sabe-se lá por quais interesses. Seja como for, trata-se de um pacto espúrio para manter impunes os que ousaram tentar matar a política como único meio civilizado de concertação dos múltiplos interesses em disputa numa sociedade livre.

Não é a primeira vez que o Brasil se depara com movimento desse jaez. Só no período republicano, cerca de 40 anistias foram aprovadas, quase sempre com o propósito de livrar a cara de militares e políticos envolvidos em insurreições. O resultado foi invariavelmente nefasto para o País. Ao invés de fortalecer a democracia e ensejar a “pacificação da sociedade”, como apregoam os modernos arautos da impunidade, as anistias sistemáticas só serviram de incentivo para novas aventuras golpistas. A História demonstra que cada perdão fomentou a ruptura seguinte. Definitivamente, não é isso o que a Nação deseja, como atestam as pesquisas de opinião.

Até a anistia de 1979, “ampla, geral e irrestrita”, frequentemente invocada pelos bolsonaristas como precedente, ilustra a armadilha. Negociada nos estertores da ditadura militar, a Lei 6.683 serviu como instrumento de transição necessário àquela época, mas ao custo de blindar torturadores, assassinos e contumazes violadores das liberdades individuais. Até hoje o País convive com a impunidade de crimes hediondos cometidos em nome do Estado, mantendo feridas abertas e uma memória histórica inconclusa. O que naquele contexto foi tratado como uma espécie de “mal necessário” se converteu, à luz da experiência, em mal permanente. É esse legado infame que alguns pretendem ressuscitar agora, a pretexto de uma “tradição”.

Se é de tradição que se trata, a cogitação de uma anistia aos golpistas mostra a facilidade com que a elite política condescende com quem mina o império da lei, amesquinha os valores republicanos e faz pouco-caso dos direitos humanos, além de transmitir a mensagem de que, em momentos de crise, sempre haverá brechas para acomodações subterrâneas. Esse tempo precisa passar. Chega. O Brasil que almeja por um futuro mais desenvolvido, justo e próspero para todos tem de encerrar esse ciclo de uma vez por todas.

O julgamento dos golpistas ora em curso no STF é essa inflexão histórica. É a ocasião de afirmar, em termos inequívocos, que a democracia brasileira não admite mais que se passe a mão na cabeça de seus algozes – sejam fardados ou paisanos.

O show do poder chinês

O Estado de S. Paulo

Xi encena poderio militar, diplomático e econômico, mas fissuras internas e rivalidades regionais persistentes expõem os limites de sua ambição de arquitetar uma nova ordem global

A coreografia encenada recentemente pelo Partido Comunista Chinês em Tianjin e Pequim sintetiza sua ambição de reescrever o passado, exibir poder no presente e moldar a ordem futura. Ao acoplar a cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (OCS) à parada militar dos 80 anos da vitória sobre o Japão na 2.ª Guerra Mundial, o ditador chinês, Xi Jinping, condensou três mensagens: autoridade histórica, eficácia bélica e desenho de uma multipolaridade sob medida.

O simbolismo foi reforçado pela presença de mais de 20 líderes – entre eles Vladimir Putin, da Rússia, Narendra Modi, da Índia, Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, e o secretário-geral da ONU, António Guterres. A Índia, até ontem cortejada pelos EUA como contrapeso à China, compareceu debilitada pela ofensiva tarifária do presidente americano Donald Trump, e pelo colapso de sua narrativa como parceiro privilegiado de Washington. A Rússia encontrou palco para atestar que não está isolada. E diversos países do Sul Global aproveitaram para explorar a promessa de infraestrutura e crédito chineses sem amarras explícitas ao Ocidente.

Por trás da pompa, há cálculo. No plano econômico, Pequim anunciou um banco da OCS e novos pacotes de financiamento, ampliando sua rede de dependência financeira. No campo da segurança, o desfile exibiu mísseis hipersônicos, drones e tanques de última geração, projetando o Exército de Libertação Popular como força capaz de testar a credibilidade das alianças americanas no Indo-Pacífico. Na esfera simbólica, Xi sobrevalorizou o papel da China e da União Soviética na rendição japonesa e deturpou declarações da ONU após a guerra na tentativa de cristalizar a narrativa de que Taiwan sempre teria pertencido à China.

As ameaças ao Ocidente não são triviais. A coordenação sino-russa combina energia, defesa e diplomacia multilateral. A convergência tecnológica busca impor padrões alternativos em 5G, semicondutores e inteligência artificial. E o soft power do dinheiro mobiliza crédito, infraestrutura e promessas de estabilidade para corroer a influência americana na Ásia, na África e na América Latina. A retórica multipolar é reforçada pela rejeição coletiva às sanções extraterritoriais e à dependência do dólar.

Mas seria um erro superestimar a coesão dessa frente. A OCS não é a Otan (aliança militar ocidental). Rivalidades históricas entre Índia, China e Paquistão e entre Rússia e China, além de desconfianças várias ante o expansionismo chinês, corroem as possibilidades de uma aliança formal. Mesmo Moscou, ao aprofundar sua dependência de Pequim, perde margem de manobra estratégica. E Nova Délhi, apesar dos gestos em Tianjin, reluta em aderir a iniciativas que a associem a um bloco anti-Ocidente.

As vulnerabilidades intestinas da China são palpáveis. O alto comando militar é desestabilizado por expurgo atrás de expurgo, a integração das Forças Armadas segue incompleta e a experiência de combate é quase nula. A economia desacelera, presa entre gastos estatais hipertrofiados, consumo deprimido e fuga de capitais. O ambiente empresarial é sufocado por controles políticos e incertezas regulatórias. A narrativa de estabilidade esbarra na contradição de se alinhar com párias globais como Coreia do Norte, Bielo-Rússia e Irã.

Para o Ocidente, a lição é dupla. Primeiro, não subestimar o alcance do projeto chinês: Xi está disposto a usar História, economia e poder militar como instrumentos de legitimação global. Segundo, não superestimar sua solidez: fissuras estruturais e rivalidades regionais impedem que o show de Xi se converta em alicerce duradouro de uma nova ordem global. A China oferece narrativa e espetáculo, mas ainda não dispõe da confiança internacional que distingue hegemonias consolidadas.

O Brasil e outros países médios não devem confundir oportunidades de diversificação com adesão acrítica a um eixo autocrático. A autonomia estratégica requer não alinhamento automático – como deseja indisfarçavelmente o ideólogo petista Celso Amorim, enviado por Lula da Silva para representar o País no cortejo de déspotas –, e sim pragmatismo.

O espetáculo chinês quer fazer do passado licença para o futuro, mas o verdadeiro teste virá quando retórica, economia e poder duro precisarem operar fora do palco, em cenários reais de crise, onde slogans não bastam e interesses divergentes voltam a se impor.

O conjunto da obra

O Estado de S. Paulo

Governo Lula tem freio lento da economia, inflação persistente e preços e juros nas alturas

A redução do ritmo de crescimento econômico no segundo trimestre – com avanço de 0,4% do PIB ante o período anterior, depois da alta de 1,3% no primeiro trimestre no mesmo tipo de comparação – atesta a lentidão dos efeitos da política monetária na economia. A despeito de analistas do mercado financeiro estarem reduzindo, há 14 semanas consecutivas, estimativas para a inflação do ano, a taxa continua bem acima do limite máximo da meta de 3% e não há sinal de mudança nesse comportamento.

A desaceleração do PIB, portanto, ainda não parece recomendar um alívio na taxa de juros, que está em salgados 15% ao ano. O consumo das famílias se manteve em alta, o setor de serviços também e o mercado de trabalho aquecido dificulta o esfriamento da demanda para um padrão que a capacidade atual de produção possa suprir sem pressionar os preços.

Desta vez foram escassas as costumeiras manifestações do governo em redes sociais. Coube à ministra do Planejamento, Simone Tebet, uma comemoração discreta, ao dizer que o Brasil segue no caminho certo. Mas, pela avaliação publicada na página oficial do Partido dos Trabalhadores (PT), não é o que parece.

O PT, do presidente Lula da Silva, preferiu destacar o avanço em relação ao primeiro trimestre e a “impressionante alta de 2,2% na comparação com o segundo trimestre de 2024” como o resultado positivo “da estratégia do governo Lula de implementação de políticas de estímulo” que impulsionaram o consumo. Como se pode notar, o lulopetismo persiste na visão equivocada de vincular crescimento econômico a incentivo ao consumo, ignorando as consequências deletérias do endividamento, que volta a bater forte na porta das famílias brasileiras, e da inflação de demanda, que custa a cair para níveis toleráveis.

O recuo vagaroso fez com que o IPCA chegasse a julho, dado mais recente disponível, em 5,23% no acumulado de 12 meses, uma taxa incompatível com juros excessivamente altos. No primeiro período de agosto, o IPCA-15, prévia do índice do mês, caiu para 4,95%, ainda estourando o limite de 1,5 ponto porcentual tolerado para a margem superior da meta. Na mais recente coleta de dados do Banco Central, o mercado reduziu em 0,01 ponto porcentual a estimativa para o fim do ano, passando a considerar a alta de 4,86%.

Nesse ritmo, pensar em alívio dos juros sem a reversão da política de gastos do governo, que se estende ao incentivo ao consumo das famílias, beira a insensatez. O resultado do PIB do segundo trimestre não trouxe surpresas, apenas constatou o que já se sabia: um crescimento ainda insustentável, acompanhado por queda no investimento. O País não precisa de oráculo para prever que a situação tende a piorar em 2026, ano das estripulias eleitorais travestidas em benesses do governo. Conter a inflação, o verdadeiro benefício a ser oferecido à população, especialmente a mais pobre, é tarefa cada dia mais difícil.

Brasil precisa frear o avanço da Chikungunya

Correio Braziliense

De cada 10 casos confirmados de chikungunya no mundo neste ano, dois ocorreram no Brasil. Além do drama interno, é preciso que o país se atente à possibilidade de se tornar um exportador da doença

De cada 10 casos confirmados de chikungunya no mundo neste ano, dois ocorreram no Brasil. A região das Américas soma quase a metade dos registros da doença: 124.942. Considerando apenas essa parte do globo, a situação brasileira desperta ainda mais preocupação — o país responde por 56% dos casos suspeitos, mais que a metade. Não à toa, a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS) emitiu, na semana passada, um novo alerta para a importância de mitigar o risco de surtos na região.

Transmitida pelo Aedes aegypti, a chikungunya acumula uma série de características que dificulta autoridades da saúde a cumprirem a recomendação da agência internacional. O controle do mosquito é uma delas. Falta de saneamento básico, acúmulo de lixo e crescimento urbano desordenado facilitam a vida do inseto e são realidade em boa parte das regiões brasileiras — basta lembrar levantamento recente do IBGE indicando que três de cada 10 residências do país não têm esgoto ligado à rede geral. O aquecimento global impulsiona ainda mais o Aedes, que tem introduzido chikungunya, dengue e zika em áreas inimagináveis, como a Europa.

O manejo dos infectados é outro desafio. Enquanto a recuperação de uma pessoa com dengue demora em média 10 dias, estima-se que mais da metade daquelas com chikungunya sofrerão com a fase crônica da doença, caracterizada por dor intensa e incapacitante que pode persistir por anos. Obviamente, o atendimento demandado por esses pacientes, além de duradouro, é mais complexo, envolvendo diversas especialidades em saúde e até mesmo suporte previdenciário. 

Estudo recente do grupo British Medical Journal calcula que os anos de vida perdidos devido a incapacidade ou morte por chikungunya no mundo totalizaram, de 2011 a 2020, 1,95 milhão. A maior perda foi a do Brasil: 329 mil, contribuindo com 17% da carga total. Os cientistas britânicos também estimam que os gastos com a doença no período foram de aproximadamente US$ 50 bilhões — provavelmente subestimados, enfatizam —, com "o maior ônus de custos principalmente devido ao alto número de casos no Brasil, na República Dominicana e na Colômbia". 

É bem verdade que, hoje, a situação brasileira melhorou — neste ano, há uma redução de cerca de 55% dos casos da doença em comparação ao mesmo período de 2024. Mas não se pode ter tranquilidade com uma ameaça tão traiçoeira. "Os Aedes, principalmente o Aedes aegypti no Brasil, estão chegando a áreas onde não existiam", alertou ao Correio César Omar, doutor em medicina tropical e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB). 

No momento, a região Centro-Oeste concentra a maior quantidade de casos prováveis: 64 mil dos quase 120 mil. Mas não é exagero afirmar que o resto do país também está sob perigo. Como a doença é relativamente nova no Brasil — o primeiro caso de transmissão dentro do território nacional se deu em 2014, no Amapá —, é baixa a exposição da população ao vírus, o que a deixa mais suscetível a infecções e favorece a explosão de casos, como aconteceu com a epidemia histórica de dengue em 2024, quando passaram a circular sorotipos do vírus pouco comuns no país. 

Além do drama interno, é preciso que o país se atente à possibilidade de se tornar um exportador da doença. Há condições para isso: dimensões territoriais, um mosquito fortalecido e o número expressivo de casos confirmados, além da facilidade de deslocamento das pessoas nos tempos atuais. Sem dúvidas, a reconhecida capilaridade do Sistema Único de Saúde (SUS) pode ajudar a reverter esse processo, tornando a preocupação com a chikungunya uma prioridade desde os grandes centros urbanos aos lugares mais remotos do país. Mas tem que começar agora. Especialistas alertam com unanimidade que não se baixa a guarda contra o Aedes em momento algum.

Congresso enfraquece Lei da Ficha Limpa

O Povo (CE)

Enquanto isso, ainda pairam dúvidas sobre a real vontade da maioria dos parlamentares em aprovar a isenção de imposto de renda para salários até R$ 5 mil

No mesmo momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciava o julgamento do "núcleo crucial" da tentativa de golpe de Estado, o Congresso Nacional continuava o seu exercício de trabalhar em pautas do interesse exclusivo dos parlamentares. Após ser aprovado na Câmara dos Deputados, foi a vez do Senado, na terça-feira, confirmar as alterações que enfraquecem a Lei da Ficha Limpa.

É de se lembrar que a Ficha Limpa, iniciativa do ex-juiz Marlon Reis, é uma das poucas leis de iniciativa popular em vigência no País. A sua aprovação aconteceu depois de intensa mobilização da sociedade, representada por um abaixo assinado que somou cerca de 1,5 milhão de adesões.

Desde então, políticos condenados por um colegiado de juízes ficam proibidos de participar de eleições por um mínimo de oito anos, podendo o prazo de inelegibilidade ser ampliado, pois a contagem começa somente após o cumprimento da pena, e também com o acúmulo por outras condenações. Ou seja, não havia um limite de tempo máximo para a inelegibilidade.

Foi esse aspecto da lei o ponto mais importante alterado agora pela votação no Senado. Com a nova redação, o tempo de inelegibilidade fica limitado ao máximo de 12 anos. Mas a mudança não vale para crimes mais graves, como os atribuídos ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que continuará inelegível até 2030.

Segundo apuração da CNN, "reservadamente" os articuladores da proposta reconhecem que os senadores aproveitaram a atenção voltada para o julgamento no Supremo para levar adiante uma pauta "que pode ser interpretada como impopular", e nisso eles têm razão. Reis disse ainda que, caso o presidente Lula sancione a lei, ele recorrerá ao Supremo Tribunal Federal.

A Transparência Internacional Brasil criticou as alterações, como "mais um retrocesso" nos esforços de combate à corrupção, classificando a Lei da Ficha Limpa como "uma das maiores conquistas da sociedade brasileira". Pesquisa da Atlasintel, divulgada em fevereiro, mostra que 83% dos entrevistados são contrários à redução do prazo de inelegibilidade, com apenas 14% apoiando a medida.

A alteração na Lei da Ficha Limpa é mais um exemplo de assunto que colide com as expectativas da população, mas atende perfeitamente aos interesses dos congressistas, por isso entra na pauta do Congresso.

Insere-se nesse rol, a tentativa de aprovar a chamada PEC da Blindagem, para dificultar a investigação de deputados e senadores, que somente poderia ser feita com autorização do Congresso; a proposta de fim do foro privilegiado, para evitar julgamentos no STF, entre outras questões.

Enquanto isso, ainda pairam dúvidas sobre a real vontade da maioria dos parlamentares em aprovar a isenção de imposto de renda para salários até R$ 5 mil.

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.