O Globo
Real valorizou-se porque sanções americanas
não vieram; Bolsa caiu porque sanções ainda podem vir. Especulação fica ao
gosto do freguês
O dólar caiu, e o real se valorizou na última
sexta-feira, primeiro dia útil depois da condenação de Bolsonaro. Foi um
movimento expressivo. O dólar fechou a R$ 5,35, nível mais baixo desde junho de
2024. Na semana do julgamento, a moeda americana acumulou queda de 1,10%, algo
que não se via faz tempo.
Se a cotação do dólar é um indicador do nível de estresse no mercado, então parece que vai tudo bem por aqui. E não apenas no mercado financeiro. Todos costumam olhar a taxa de câmbio por um viés bem definido: dólar caro assusta — e como! —, dólar barato alivia. Isso mesmo que não haja viagem marcada para o exterior.
Sabemos que, em política econômica, a coisa
não é bem assim. A liderança da indústria brasileira também está sempre de olho
no dólar, mas com viés invertido. Para ela, o ruim é justamente o dólar barato,
porque facilita as importações, assim aumenta a competição com o produto
nacional. As agências de turismo internacional, ao contrário, se preocupam quando
o dólar fica caro.
Como dizem os próprios economistas, não é
trivial entender os movimentos da atividade econômica e, especialmente, do
mercado financeiro. Não se pode dizer que a queda da moeda americana na semana
do julgamento foi sinal de calmaria no mercado, na sociedade e na política.
Mesmo porque o dólar caiu em relação às moedas de todos os principais países
emergentes. Sabem onde caiu mais? Na Rússia, metida numa guerra e alvo de
sanções econômicas. O real foi a segunda moeda mais valorizada, atrás apenas do
rublo.
Mas a Bolsa brasileira (B3) caiu na
sexta-feira, interrompendo um movimento consistente de alta. Aqui, analistas
arriscaram uma explicação, digamos, política. Haveria no mercado temor de danos
à economia brasileira por conta de eventuais sanções de Trump. Nessa linha,
ficamos assim: o real valorizou-se porque não vieram as sanções americanas; a
Bolsa caiu porque as sanções ainda podem vir. A especulação fica ao gosto do
freguês.
O que temos de mais concreto ou menos
especulativo? Nesta semana, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano)
deverá iniciar o ciclo de redução da taxa básica de juros. Diretores do Fed
sinalizaram nessa direção. E isso, juros menores lá, enfraquece o dólar.
Investidores internacionais saem à cata de juros mais altos nos países
emergentes, valorizando as moedas locais. Faz sentido. A desvalorização do
dólar é global, e isso favorece as exportações americanas. Mas, para que a
tendência internacional se realize por aqui, é preciso haver um ambiente
favorável ou, pelo menos, neutro.
Como estamos? A inflação está em queda e
também as expectativas. O crescimento se segura na casa dos 2%. Não é bom.
Embora em queda, a inflação corrente roda pouco acima dos 5%. Continua, assim,
superando o teto da meta. O nível de crescimento é inferior à expansão do PIB
do ano passado, de 3,4%. Há clara desaceleração. Piorou, portanto. Mas não
aconteceu o desastre. Lembram-se? O dólar virou o ano a R$ 6,20, em meio a
péssimas expectativas. E a B3 estava 20% abaixo do nível atual. As perdas
provocadas pelo tarifaço têm sido controladas, embora empresas de alguns
setores tenham sofrido prejuízos expressivos. Os exportadores buscam novos
parceiros.
Em resumo, o Brasil vai levando. O problema
econômico mais grave continua no cenário. O governo gasta mais do que arrecada
e precisa tomar dinheiro emprestado para fechar as contas. A dívida segue em
perigosa trajetória de alta. Mas há aqui certo conformismo. A sensação de que o
governo Lula vai levar assim, ficando qualquer expectativa de reformas para a
próxima gestão. Por isso, o medíocre de hoje parece bom. É o que temos.
Na política e na sociedade, o julgamento foi
um feito histórico. Chamou a atenção do mundo todo. Para o presidente Trump,
foi um mau exemplo: quer dizer que golpistas podem ser apanhados? Daí o temor
de que venham novas sanções econômicas. Não estamos livres disso, nem da
polarização interna, que já aparece na disputa em torno da anistia. Vai ver, a
política é mais difícil que a economia.
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