segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Entre a política e a economia. Por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Real valorizou-se porque sanções americanas não vieram; Bolsa caiu porque sanções ainda podem vir. Especulação fica ao gosto do freguês

O dólar caiu, e o real se valorizou na última sexta-feira, primeiro dia útil depois da condenação de Bolsonaro. Foi um movimento expressivo. O dólar fechou a R$ 5,35, nível mais baixo desde junho de 2024. Na semana do julgamento, a moeda americana acumulou queda de 1,10%, algo que não se via faz tempo.

Se a cotação do dólar é um indicador do nível de estresse no mercado, então parece que vai tudo bem por aqui. E não apenas no mercado financeiro. Todos costumam olhar a taxa de câmbio por um viés bem definido: dólar caro assusta — e como! —, dólar barato alivia. Isso mesmo que não haja viagem marcada para o exterior.

Sabemos que, em política econômica, a coisa não é bem assim. A liderança da indústria brasileira também está sempre de olho no dólar, mas com viés invertido. Para ela, o ruim é justamente o dólar barato, porque facilita as importações, assim aumenta a competição com o produto nacional. As agências de turismo internacional, ao contrário, se preocupam quando o dólar fica caro.

Como dizem os próprios economistas, não é trivial entender os movimentos da atividade econômica e, especialmente, do mercado financeiro. Não se pode dizer que a queda da moeda americana na semana do julgamento foi sinal de calmaria no mercado, na sociedade e na política. Mesmo porque o dólar caiu em relação às moedas de todos os principais países emergentes. Sabem onde caiu mais? Na Rússia, metida numa guerra e alvo de sanções econômicas. O real foi a segunda moeda mais valorizada, atrás apenas do rublo.

Mas a Bolsa brasileira (B3) caiu na sexta-feira, interrompendo um movimento consistente de alta. Aqui, analistas arriscaram uma explicação, digamos, política. Haveria no mercado temor de danos à economia brasileira por conta de eventuais sanções de Trump. Nessa linha, ficamos assim: o real valorizou-se porque não vieram as sanções americanas; a Bolsa caiu porque as sanções ainda podem vir. A especulação fica ao gosto do freguês.

O que temos de mais concreto ou menos especulativo? Nesta semana, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) deverá iniciar o ciclo de redução da taxa básica de juros. Diretores do Fed sinalizaram nessa direção. E isso, juros menores lá, enfraquece o dólar. Investidores internacionais saem à cata de juros mais altos nos países emergentes, valorizando as moedas locais. Faz sentido. A desvalorização do dólar é global, e isso favorece as exportações americanas. Mas, para que a tendência internacional se realize por aqui, é preciso haver um ambiente favorável ou, pelo menos, neutro.

Como estamos? A inflação está em queda e também as expectativas. O crescimento se segura na casa dos 2%. Não é bom. Embora em queda, a inflação corrente roda pouco acima dos 5%. Continua, assim, superando o teto da meta. O nível de crescimento é inferior à expansão do PIB do ano passado, de 3,4%. Há clara desaceleração. Piorou, portanto. Mas não aconteceu o desastre. Lembram-se? O dólar virou o ano a R$ 6,20, em meio a péssimas expectativas. E a B3 estava 20% abaixo do nível atual. As perdas provocadas pelo tarifaço têm sido controladas, embora empresas de alguns setores tenham sofrido prejuízos expressivos. Os exportadores buscam novos parceiros.

Em resumo, o Brasil vai levando. O problema econômico mais grave continua no cenário. O governo gasta mais do que arrecada e precisa tomar dinheiro emprestado para fechar as contas. A dívida segue em perigosa trajetória de alta. Mas há aqui certo conformismo. A sensação de que o governo Lula vai levar assim, ficando qualquer expectativa de reformas para a próxima gestão. Por isso, o medíocre de hoje parece bom. É o que temos.

Na política e na sociedade, o julgamento foi um feito histórico. Chamou a atenção do mundo todo. Para o presidente Trump, foi um mau exemplo: quer dizer que golpistas podem ser apanhados? Daí o temor de que venham novas sanções econômicas. Não estamos livres disso, nem da polarização interna, que já aparece na disputa em torno da anistia. Vai ver, a política é mais difícil que a economia.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.