O Estado de S. Paulo
O dissenso no STF legitima suas decisões e reduz o ímpeto de ofensivas de court-curbing
É difícil saber os reais determinantes do
voto minoritário do ministro Luiz Fux no julgamento do “núcleo 1” – considerado
crucial – dos envolvidos na trama golpista de Bolsonaro. O fato é que sua
posição destoou não apenas da maioria da Corte, mas também de sua própria
postura anterior, quando proferiu votos duros nas condenações de réus do 8 de
Janeiro.
Apesar de inconsistente, o voto de Fux pode ter efeitos institucionais relevantes. Ao romper a unanimidade, reduziu a força do argumento de Bolsonaro e de seus seguidores radicais de que o Supremo estaria agindo de forma parcial, em um julgamento de cartas marcadas. Em contextos de alta polarização política, o dissenso interno reforça a legitimidade externa da Corte.
Não se está aqui querendo argumentar que uma
decisão unânime de condenação do STF seria menos legítima. Mas a divergência,
em ambientes políticos polarizados, traz a percepção de que um dos lados não
foi simplesmente alienado. Além do mais, como observa Diego W. Arguelhes no
livro “O Supremo: entre o direito e a política”, decisões majoritárias de um
tribunal tendem a ser percebidas, inclusive pelo lado derrotado, como mais
imparciais e legítimas.
Não se trata de sugerir que Fux tenha
assumido deliberadamente o papel de “boi de piranha” em nome da reputação do STF.
Mas, ao introduzir conflito e pluralidade no julgamento, sua dissidência ajuda
a blindar a Corte de ataques políticos e a esvaziar iniciativas de contenção
judicial – o chamado court-curbing.
Como argumentam Daniel Bogéa e Luciano Da Ros
no artigo Contenção judicial: mapa conceitual e pedidos de impeachment de
Ministros do STF, ações de contenção do STF tendem a prosperar quando ganham
densidade política e encontram um clima de deslegitimação pública da Corte. O
voto de Fux atua justamente no sentido inverso: ao sinalizar que não há
unanimidade artificial, aumenta a percepção de justiça processual.
Esse efeito, porém, não é homogêneo. Ele
tende a ser mais significativo entre a direita não bolsonarista – o maior grupo
do campo conservador –, que não se identifica com Lula, mas tampouco adere ao
bolsonarismo radical. Para esses eleitores, o dissenso interno funciona como um
beyond reasonable doubt (acima de qualquer dúvida razoável), capaz de legitimar
a condenação.
Ao fim, mesmo um voto minoritário e
contraditório pode produzir efeitos virtuosos. O Supremo sai mais protegido
contra o discurso de parcialidade e contra ofensivas legislativas de contenção.
No cálculo político, a divergência de Fux fortalece, paradoxalmente, a
autoridade da Corte.

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