Por Zeca Ferreira / O Estado de S. Paulo
Em entrevista ao Estadão, sociólogo e
cientista político fala de entraves ao crescimento do País e critica Lula e
Bolsonaro
A condenação
do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de oficiais-generais por
tentativa de golpe de Estado marca um divisor de águas na história do País,
avalia o sociólogo e cientista político Bolívar Lamounier. Para ele, o
julgamento da Ação Penal 2668 pela Primeira Turma do Supremo
Tribunal Federal (STF) deixa claro que crimes contra a ordem
democrática não serão mais tolerados.
“É óbvio que houve uma tentativa de golpe de
Estado. Portanto, a pena é prisão, não há conversa”, afirma o sócio-diretor da
Augurium Consultoria, que considera obscena a articulação em curso na Câmara
para aprovar um projeto de lei que conceda anistia aos condenados pela trama
golpista. “Este Congresso é uma decepção completa.”
Doutor em Ciência Política pela Universidade
da Califórnia (EUA), Lamounier prepara um curso em que revisita clássicos da
área para discutir os desafios da política global. Segundo ele, não será um
debate conjuntural, mas uma investigação sobre novos arranjos políticos num
momento em que até mesmo o sistema político dos Estados Unidos é posto à prova.
Já foram gravadas cerca de 15 aulas, e a previsão é dobrar esse número.
Em sua avaliação, o País atravessa uma
entressafra política, marcada por uma geração de baixa qualidade. A aprovação
da PEC
da Blindagem, que busca dificultar a abertura de processos judiciais contra
políticos, só reforça o diagnóstico. Para Lamounier, a proposta é
inconstitucional e acrescenta um novo capítulo ao conflito entre os Poderes.
Ele acredita, no entanto, que as eleições do
próximo ano abrirão a possibilidade de renovação do Congresso, com a escolha de
uma nova safra de bons políticos. “Por sorte, tudo indica que Bolsonaro já está
fora do jogo, nunca deveria ter entrado, mas já está fora. Lula, acho que
também sairá”, afirma, sustentando que a saída dos dois abrirá caminho para uma
nova fase.
O cientista político recebeu a reportagem
do Estadão nesta
sexta-feira, 19, em seu apartamento, em São Paulo. A entrevista durou pouco
mais de uma hora.
Confira os principais trechos a seguir:
Como o sr. avalia a condenação do
ex-presidente Jair Bolsonaro e também de oficiais-generais pelo Supremo
Tribunal Federal?
É óbvio que houve uma tentativa de golpe de
Estado. Portanto, a pena é prisão, não há conversa. As pessoas dizem: “não, mas
não pode, cabe anistia”. Como é que cabe anistia? Um país tem uma Constituição.
A Constituição representa o Estado. Se as pessoas entram violentamente no
Palácio Presidencial, chegam a chutar a porta do gabinete do presidente... Se
isso não é golpe de Estado, não sei o que é golpe de Estado.
O que muda no Brasil após esse julgamento?
É um divisor de águas. É um marco novo. Creio
que não haverá outra situação como essa de militares cometerem um crime
evidente, uma tentativa de golpe violento. No dia 8 (de janeiro) não houve um
passeio na Esplanada dos Ministérios, houve um quebra-quebra. Entraram no
Palácio, chutaram portas e quebraram obras de arte, inclusive. Se isso ocorrer
outra vez, eles serão novamente presos, julgados e provavelmente condenados.
Algumas pessoas dizem que estamos vivendo uma
situação anômala. Os Três Poderes não se entendem e se xingam mutuamente. Vamos
raciocinar. Um país que precisaria crescer 4% ao ano não consegue ultrapassar
2,5%. Com o PIB per capita crescendo 2,5%, levaremos 28 anos para dobrar um PIB
que já é medíocre. Ou seja, é claro que o País está tenso, irritado,
agonizando. Eu diria até apavorado, vendo a pobreza crescer rapidamente. Não há
como resolver essa situação porque se inventou uma teoria econômica segundo a
qual o crescimento depende do Estado monopolizar setores vitais. Ontem mesmo
(18 de setembro), o Lula falou que país nenhum pode abrir mão do petróleo, que
é preciso monopolizar o petróleo. Mas (defendo que) se pode perfeitamente
privatizar a Petrobras. Por que não?
Quais fatores impedem o crescimento do País?
Desde o início do ano discutimos apenas como
fechar a arrecadação com o gasto, como empatar um lado com o outro, mas não
como crescer. Não estamos discutindo crescimento, apenas equilíbrio
orçamentário. E mesmo assim não equilibramos: entramos com déficit para o ano
que vem. Ou seja, o primeiro elemento é econômico.
O segundo elemento, e aqui concordo com os
críticos, é que o elenco está muito abaixo do enredo. Temos uma crise grave, um
problema sério a resolver, mas, infelizmente, alguns ministros do Supremo e a
quase totalidade do Congresso Nacional deixam a desejar.
Durante a Constituinte, era fácil nomear 20
de alta qualidade, de A a Z, no espectro ideológico. De Roberto Campos a Mário
Covas, tínhamos gente de peso, com carreira política. Hoje é difícil indicar
cinco. Não temos. Por várias razões que não posso explorar, estamos numa
entressafra política, uma geração de má qualidade. Isso não há dúvida.
Como resolver isso? As eleições de 2026 são
um caminho?
A eleição do ano que vem é absolutamente
crucial para o Brasil. Por sorte, tudo indica que Bolsonaro já está fora do
jogo, nunca deveria ter entrado, mas já está fora. Lula, acho que também sairá.
Mesmo quando (Donald) Trump levantou a bola para ele posar de estadista, Lula
não conquistou prestígio popular como tentou. Continuou na mesma: quarenta e
tantos por cento de apoio, alta desaprovação e já com 79 anos. Não é mais
aquele Lula esperto que um dia ia à Fiesp e no outro falava para operários na
carroceria de um caminhão. Ele não é mais aquele Lula. Se for reeleito, será outro
desastre, pois teremos um governo inerte, inepto, incapaz de realizar qualquer
coisa.
Essa eleição histórica deve ser usada para
renovar profundamente o Congresso. Precisamos escolher um presidente
competente, um pouco mais à esquerda ou à direita, mas que seja capaz, que
entenda o que é o Estado – que o Estado não é propriedade privada.
O sr. vê bons nomes para disputar a
Presidência em 2026?
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, eu
conheci superficialmente e tive muito boa impressão. Antigamente ele era muito
violento, mas precisamos lembrar que, naquela época, o MST estava invadindo
fazendas. Então havia um embate, e o Caiado liderava o lado dos produtores
rurais contra o MST. Quando aquilo acabou, quem é o novo Caiado? Ele foi um bom
deputado, presidiu a Comissão de Saúde. Há ainda o Romeu Zema, de Minas. Mas
ainda temos um ano pela frente.
Outros governadores aparecem bem posicionados
nas pesquisas, como Tarcísio de Freitas, de São Paulo, e Ratinho Júnior, do
Paraná. O que o sr. acha deles?
Não os conheço muito, vou ser franco. Sei um
pouco sobre a biografia política deles e que têm um prestígio considerável. O
do Rio Grande do Sul (Eduardo Leite) também.
Como o sr. avalia o PL da Anistia que está sendo discutido no Congresso?
Deste Congresso, do Centrão, dos
bolsonaristas, não há como esperar outra coisa. A palavra cabível é
obscenidade. Ele (Bolsonaro) acabou de ser condenado à prisão e está preso, por
enquanto, domiciliarmente. Eventualmente será preso e deve ser preso porque
comandou uma tentativa de golpe de Estado. Isso já foi julgado. Ou seja, este
Congresso é uma decepção completa. Isso é apenas mais um exemplo. Sempre ouvi
dizer que a democracia precisa de partidos políticos confiáveis, responsáveis,
organizados. O Centrão é o quê? Um partido? Não. É algo amorfo, um bando de
gente espalhada, tentando arranjar emprego para parentes ou tirar proveito do
erário. É isso que temos hoje. Precisamos urgentemente renovar este Congresso.
Nesta semana, a Câmara aprovou a PEC da
Blindagem. Qual recado essa decisão passa à população?
Desde logo, é inconstitucional. Onde já se
viu? O deputado ou senador é eleito com o voto do povo e permanece enquanto
cumprir sua função parlamentar. A ideia de blindar significa permanecer lá em
qualquer hipótese. Torna-se o quê? Um senhor feudal? Dono do cargo? Comprar
cargos públicos era comum na Europa até o século 18. Com a democracia
constitucional, ficou entendido que o sujeito é eleito, exerce quatro ou seis
anos de mandato e, se se reeleger, tudo bem; se não, volta para casa, cria
galinha, faz qualquer outra coisa. Mas não tem direito de ficar lá a vida
inteira. A PEC da Blindagem é um contrassenso, uma contradição em termos. Para
mim, não faz sentido algum.
O sr. vê a Câmara tentando dar uma resposta
ao Supremo diante de investigações contra deputados?
É claro. Isso é mais um capítulo da briga
entre os Poderes. E essa disputa é fruto de um país aflito, temeroso, tenso,
com raiva do que é público. E como chegamos aqui? Porque o crescimento
econômico parou, desmoralizou o Congresso e entramos num círculo vicioso.
Quanto mais desmoralizado o Congresso, menos pessoas qualificadas querem ir
para lá. Isso é evidente. Há séculos, eu mesmo me candidatei a deputado federal.
É a primeira vez que conto isso em público, porque tenho vergonha. Quando disse
a amigos que seria candidato, o primeiro respondeu: “Você também vai entrar
naquilo?”.
Quando o sr. falou do Centrão, comentou sobre
a importância dos partidos políticos para um país. Qual é o papel deles nessa
crise? Há solução para a questão partidária?
O Brasil, acho eu, nunca teve partidos dignos
do nome. Não temos. E não sei se teremos. Talvez já tenhamos passado do ponto.
Os partidos que existem são oligárquicos. Quem quiser se candidatar precisa
“beijar a mão” do chefe, seja ele quem for.
Considerando que ainda estamos em ambiente de
polarização, o sr. enxerga algum caminho para superar essa disputa entre
Bolsonaro e Lula?
Para mim, o caminho já está dado. Bolsonaro politicamente acabou. Seu futuro, se nossas instituições tiverem o mínimo de seriedade, será cumprir pena de prisão – não sei por quantos anos. Do outro lado, Lula, como já disse, também não tem mais condições de se eleger. Com a saída dos dois, algo que considero quase certo, pequena dúvida apenas sobre Lula, o caminho estará aberto. Esses nomes já mencionados, como Caiado e Zema, entre outros, formam um centro diversificado, mas honesto, competente, com visão racional do futuro do país e das reformas indispensáveis que precisamos realizar.
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