Folha de S. Paulo
Proposta de emenda acaba com controles
jurídicos sobre os parlamentares
Casta parlamentar pode ficar definitivamente
fora da supervisão dos cidadãos
O termo privilégio está associado à
existência de uma regra que beneficia apenas uma pessoa ou grupo de pessoas em
detrimento das demais. A PEC da Blindagem, aprovada pela Câmara dos
Deputados nesta semana, tem por objetivo consolidar um perverso
e extenso regime de privilégios que os parlamentares vêm construindo com o
objetivo de torná-los cada vez mais imunes a responsabilidades políticas e jurídicas.
O esquema está fundado em três pilares. Abundantes recursos para campanha, assegurados pelos fundos eleitorais. Crescente controle sobre o Orçamento, por meio de emendas parlamentares. E, agora, a ampliação das imunidades jurídicas, para se protegerem do controle judicial.
Essa empreitada foi colocada em marcha após a
proibição pelo STF,
em 2015, das doações privadas para campanhas políticas. A reação do Congresso
Nacional foi elevar substantivamente os recursos do Fundo
Partidário e do Fundo Especial de Campanha.
Nas eleições de 2022, esses fundos foram
responsáveis por transferir aos partidos políticos cerca de R$ 6 bilhões. Isso
conferiu aos dirigentes partidários uma enorme autonomia para distribuir
recursos para seus aliados, tornando-os extremamente poderosos e independentes.
Aproveitando a fragilidade política do
governo Dilma, os líderes do centrão vislumbraram uma nova oportunidade de ampliar
seu poder sobre recursos públicos, por meio das emendas ao Orçamento.
O esquema que tornou obrigatórias, mas pouco
transparentes, as despesas decorrentes das emendas parlamentares tem uma enorme
vantagem em relação às outras formas de apropriação de dinheiro público, na
medida em que o cobre com um tênue manto de legalidade. Mais do que isso, o
arranjo reivindica ser mais democrático, pois transfere aos representantes
parlamentares o controle direto sobre a aplicação do dinheiro público.
O fato, porém, é que a conjugação desses dois
mecanismos, na forma como são implementados, reduziu sensivelmente os controles
da sociedade sobre o Parlamento, alterando ainda o padrão de relacionamento
entre o Executivo e o Legislativo.
O pêndulo do presidencialismo de coalizão, em
que o Executivo tinha um papel dominante, voltou-se para o Legislativo, que
passou a dar as cartas. Isso não seria um problema para a democracia se fosse
acompanhado de mecanismos simétricos de responsabilização política e jurídica
do Parlamento. O que não ocorre!
Da perspectiva política, o sistema
proporcional pulveriza a responsabilidade dos parlamentares pelas escolhas que
fazem. Não precisam mais que o governo dê certo para se beneficiarem. São
premiados pelas obras realizadas pelas "suas" emendas, mas não são
responsabilizados pelo subfinanciamento das políticas públicas. Da mesma forma,
são premiados pela lealdade a seus líderes partidários, não pela racionalidade
das políticas que promovam.
Para que esse esquema de perpetuação da casta
política funcione, no entanto, é necessário afastar os controles jurídicos
sobre os parlamentares. Aqui é que entra a PEC da Blindagem.
Entre 1988 e 2001, os parlamentares só
poderiam ser processados se houvesse prévia autorização das respectivas casas
do Congresso. Esse modelo contribuiu para a mais absoluta impunidade de
centenas de parlamentares, acusados dos mais variados crimes. Ao STF não foi
concedida autorização sequer para processar um deputado federal acusado de
matar e retalhar suas vítimas com uma motosserra.
Se a PEC da Blindagem, agora turbinada pelo
voto secreto, for aprovada no Senado, a casta parlamentar, em sua torre de
privilégios, ficará definitivamente acima da lei e à margem do controle dos
cidadãos.
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