Cientista política diz que no Congresso a discussão sobre eventual anistia tende a ser colocada em segundo plano
Por Marcos de Moura e Souza / Valor
Econômico
O ex-presidente Jair Bolsonaro e outros
condenados por tentativa de golpe não devem nutrir muitas esperanças de que uma
mobilização de seus aliados no Congresso leve à aprovação de uma anistia que os
beneficie. O caminho mais provável para eventual reversão de suas penas é
outro.
“Eu acho que as chances deles são mais por
uma saída de algo que faça a reversão do processo que os condenou. Algo pela
esfera judicial”, disse em entrevista ao Valor a doutora em ciência política e
professora da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV
EESP), Lara Mesquita, citando a influência do contexto político nas decisões.
“Se o nosso Judiciário fosse menos politizado, seria possível ter mais segurança de que essa decisão não vai ser revertida daqui a alguns anos.”
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Que mensagem a condenação de Bolsonaro passa
para políticos brasileiros?
Lara Mesquita: A mensagem é
que o custo de uma aventura desse tipo é alto. É alto em termos de perda de
liberdade, em termos econômicos e de viabilidade da carreira política. O recado
é claro para os políticos: “Cuidado onde vocês vão se meter, porque isso pode
ter consequências que antes não vinham, mas agora elas virão.”
Valor: E qual é a mensagem para o país?
Mesquita: A primeira
mensagem é sobre uma mudança de paradigma na história política recente
brasileira. Nenhum golpe ou tentativa de golpe, desde Getúlio Vargas, teve
condenação dos seus mentores e da ala militar envolvida. Antes do golpe militar
de 1964, teve um monte de golpe, contragolpe, ameaças de golpe. De Vargas até
hoje nunca houve uma condenação, e a resolução da ditadura militar do Brasil
também não incluiu nenhum tipo de punição, nem para os militares, nem para a
ala civil envolvida, para os políticos, não teve inelegibilidade, nada disso.
Então, após 40 anos de democracia, a gente não está mais negligenciando as
ameaças democráticas e isso está se refletindo em punição severa, tanto para
atores civis quanto para atores militares, o que é algo inédito. A gente tem
ex-presidentes condenados por corrupção no Brasil, mas não por ameaça à
democracia. Então aqui tem um marco importante para a história democrática
brasileira. Em relação aos aliados mais fiéis de Bolsonaro, não sei se a
condenação muda a percepção deles porque eu acho que eles não acreditam na
Justiça, no Supremo, acham que está todo mundo comprado. Para esses eleitores,
o sistema todo está corrompido e eles são o bastião da democracia.
Nos próximos dias, haverá discursos mais
coléricos contra o STF. Mas depois a fervura vai baixar”
Valor: Quais deverão ser os primeiros efeitos em
termos de mobilização política que as condenações produzirão?
Mesquita: Acho que a
primeira tendência da mobilização política vai ser mais extrema. O que deve
acontecer no Congresso nos próximos dias são discursos mais calorosos, mais
coléricos, contra o Supremo e demandas para que o Congresso responda à altura.
Mas essa fervura depois vai baixar.
Valor: E o momento da fervura será suficiente para
levar à aprovação de uma anistia a Bolsonaro?
Mesquita: Não tenho
acesso a bastidores, não sei o que os cabeças do Congresso estão pensando.
Claro que tem alguns que realmente acreditam e que gostariam que a anistia viesse.
Mas pensando nos pragmáticos, eu acho que o discurso da defesa da anistia é um
discurso conveniente em busca de outras coisas que são mais interessantes para
eles.
Valor: O quê, por exemplo?
Mesquita: Uma das coisas
é o receio de processos contra deputados e senadores no Supremo. Então poderá
haver uma tentativa de renegociar padrões de condenação, de penas. Além disso,
poderá haver uma tentativa de se retomar o debate sobre o controle do
Orçamento. A execução das emendas orçamentárias estava muito livre e no ano
passado o ministro do STF Flávio Dino mudou as regras. Para os parlamentares, a
execução orçamentária ficou mais engessada. E acho que eles estão se vendo mais
amarrados por conta de decisões do Supremo.
Valor: Como a discussão sobre anistia se relaciona com
essas outras questões?
Mesquita: O que eu estou
querendo dizer é que setores desses congressistas aliados de Bolsonaro, que são
mais pragmáticos, não estão levantando a bandeira da anistia porque têm 100% de
interesse em anistia. A bandeira da anistia vai ganhar uma visibilidade. O bode
estará na sala. E pode se tornar uma moeda de troca. E em algum momento, esses
políticos poderão dizer “tá bem, a gente recua da anistia, mas vamos dar uma
moderada aqui nesses processos contra deputados e senadores que estão correndo
no Supremo”.
Valor: Qual sua leitura hoje? Bolsonaro cumprirá a
pena determinada pelo Supremo ou é de se esperar que uma anistia ou alguma
outra medida reverta a condenação?
Mesquita: Não dá para
negar que o nosso Judiciário é muito politizado e o fato de ele ser muito
politizado diz que o equilíbrio político do outro lado da Praça dos Três
Poderes pode interferir em como o Judiciário vai interpretar essa decisão daqui
a alguns anos. Se o nosso Judiciário fosse menos politizado, seria possível ter
mais segurança de que essa decisão não vai ser revertida. As chances de
Bolsonaro e dos outros condenados não cumprirem suas penas não são tanto pela
política, no sentido de aprovação de alguma lei pelo Congresso. Eu acho que as
chances deles são mais por uma saída de algo que faça a reversão do processo
que os condenou. Algo pela esfera judicial, como na Lava-Jato. Claro que,
influenciado pelo contexto político, que pode ser tanto pela indicação de novos
ministros do STF, pode ser pelo peso de um novo governo [do campo
bolsonarista], mas me parece que a saída para eles teria que acontecer via STF.
Após 40 anos, o país não negligencia mais
ameaças democráticas e isso se reflete em punições severas”
Valor: Por que essa visão de que o STF é muito
politizado?
Mesquita: Em diversos
momentos a Corte deixa de atuar apenas como guardiã técnica da Constituição e
passa a moldar suas decisões em busca de reconhecimento político e social. Isso
se evidencia no fato de que, mesmo sem alterações significativas em sua
composição, a corte muda seu entendimento sobre um mesmo tema. Não raro vemos
os ministros mudarem seus votos sobre um mesmo tema, sua interpretação da
constituição, conforme o contexto político. Um mesmo juiz vai de algoz/vilão a
herói em poucos anos, isso para um mesmo grupo social. Não estou dizendo que
tomam decisões orientados por preferências partidárias, mas que o contexto
político mais amplo parece ter influência sobre as decisões.
Valor: No Congresso, um projeto para livrar Bolsonaro
e os demais seria muito mais difícil de avançar?
Mesquita: Demandaria uma
mobilização muito grande. E se esse fosse o caminho, precisaria ser feito logo.
Porque no ano que vem, ano eleitoral, eu não sei se deputados e senadores vão
querer estar nessa agenda. Tem que ter um termômetro dizendo que isso vai ser
um tema que vai mobilizar muitos eleitores para os deputados e senadores da
direita toparem bancar essa agenda em ano eleitoral. Se não tiver uma indicação
de que isso será crucial para os eleitores, para a definição do voto, eu acho
que a direita não vai querer resolver isso no ano que vem. Então, teria que resolver
este ano. Mas estamos em setembro e temos uns 20 dias para aprovação de
qualquer legislação que interfira na eleição de 2026. O novo Código Eleitoral,
derrubar ou não o veto do Lula para o aumento de cadeiras na Câmara dos
Deputados, que jogo interno em alguns Estados vai mudar. Tem temas mais
candentes [do que anistia a Bolsonaro]. Tem a votação do [projeto que aumenta a
isenção do] Imposto de Renda, que é algo que todo mundo sabe que vai ser
importante para a eleição do ano que vem. Tem essas disputas em torno da
execução orçamentária. Tem outros temas que também mobilizam o Congresso. Não é
que eles vão querer ficar só nisso [pautar ou não uma anistia].
Valor: Lula é o principal beneficiário das condenações
do STF?
Mesquita: Não sei se ele
é o principal beneficiário. Acho que os governadores que querem ser candidatos
são os principais beneficiários, assim como a direita pragmática que consegue
“se livrar” de uma candidatura que não é a que eles buscam, mas que, para eles,
seria muito difícil de rechaçar. Algumas pessoas dizem que a reeleição seria
mais fácil para o Lula se fosse uma disputa contra o Bolsonaro.
Valor: A prisão fará Bolsonaro perder sua influência
na política?
Mesquita: Continua
havendo uma fatia de eleitores bolsonaristas e que acham que ele vem sendo
perseguido e que a democracia está deturpada. Ele consegue liderar um grupo de
eleitores, um grupo de representantes no Congresso. Então ele sai de cena? Não.
Ao mesmo tempo pode ver diminuir sua influência. No caso dos governadores que
aparecem como pré-candidatos, nenhum deles tem um registro público de endosso
do Bolsonaro. Dado que ele está preso [prisão domiciliar determinada antes do
julgamento encerrado no dia 11, no âmbito de outro inquérito], proibido de
gravar vídeo, áudio, de usar o celular, rede social, a única maneira que ele
tem para fazer o endosso público é escrevendo uma carta. Será que uma carta do
Bolsonaro como peça de publicidade eleitoral vai ter o mesmo peso do que se
fosse uma peça de publicidade? O Tarcísio [de Freitas, governador de São Paulo,
cotado para a disputa presidencial em 2026] pode aproveitar alguma coisa da
eleição para governo do Estado de São Paulo, alguma foto. Pode, mas é diferente
de você ter o Bolsonaro subindo no palanque, de ir lá gravar um vídeo.
Valor: A prisão de Bolsonaro tende a enfraquecer
qualquer candidatura da direita?
Mesquita: Acho que não
enfraquece, mas diminui o potencial do endosso.
Valor: Ainda assim, o nome da direita que vier a
disputar a Presidência precisará ter um selo de Bolsonaro em sua candidatura?
Mesmo estando ele preso?
Mesquita: Para a candidatura de direita é sempre bom ter o selo Bolsonaro. Isso torna mais fácil a adesão dos eleitores mais fiéis ao ex-presidente. Mas eu acho que esses eleitores não vão ter alternativa. Essa necessidade de sinalizar o endosso de Bolsonaro eu entendo estar sendo superestimada. Se definir o quadro pelo Tarcísio, tanto os eleitores quanto os filhos do Bolsonaro vão aderir por gravidade.
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