quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Estamos pior, mas estamos melhor, por Conrado Hübner Mendes

Folha de S. Paulo

Julgamento de Bolsonaro e seus generais só precisa ser justo com os fatos e a lei

Jair Bolsonaro não está sendo julgado por seu curriculum vitae ou pelo conjunto da obra. Nem pelo vermelho de ódio dos seus olhos. Estivesse, não haveria pena justa para o tempo de vida que nos resta. Será julgado pelo mais grave crime de que já foi acusado, também o mais grave crime do Código Penal.

Será condenado por abundância de provas de um crime complexo, planejado, ameaçado e tentado. Fosse bem-sucedida a tentativa, o exercício de pesquisa, opinião e crítica estaria interditado, como qualquer outra liberdade divergente. Um político perverso, que sempre se beneficiou da leniência do parlamento e da justiça civil e militar, terá sua responsabilidade atribuída.

O caso é juridicamente fácil, politicamente difícil. Existem fatos e provas dos fatos, das intenções, das participações individuais. Não há interpretações jurídicas controversas de valores constitucionais ou morais, não há nuances doutrinárias que tornem absolvição plausível. Não é caso de alta indagação legal, mas de alta octanagem política. Pois Jair Bolsonaro não é réu qualquer, generais não são réus quaisquer.

Um caso assim exige não só serenidade jurídica, mas coragem política, virtude pressuposta em juízes de supremas cortes. Não precisam querer fazer história e entoar grito de heroísmo. Porque o discurso judicial se trai e se queima quando cai na tentação populista. Precisam apenas ser consistentes com os fatos e aplicar a lei penal com precisão analítica, sem firulas. Terá sido heroico para a democracia e a liberdade.

Eventual condenação de Bolsonaro e seus generais não cura nem salva, não pacifica nem garante futuro melhor. Não reverte anistia a torturadores e assassinos de dissidentes da ditadura militar. Não repara falhas institucionais, mas faz justiça jurídica e histórica. Se não abre um céu de democracia, ao menos ilumina o espectro da autocracia.

Dizer a lei a poderosos e criar precedente respeitável desafia qualquer estado de direito, ainda mais em sociedade tão oligárquica, violenta e desigual. Não é redenção nem happy end, mas dá fôlego e energia a um renovado grito de "nunca mais". A exposição "Uma Vertigem Visionária: Brasil Nunca Mais", no Memorial da Resistência, em São Paulo, homenageia esse momento, não só o passado.

Cantinflas, adorado humorista mexicano, ironizava a história do seu país: "Estamos melhor, mas estamos pior. Porque antes estávamos bem, mas era mentira. Não como agora, que estamos mal, mas é verdade." A piada faz um elogio ao valor da verdade: melhor reconhecer que estamos mal a fingir que estamos bem. Na ação política, o realismo é superior ao ilusionismo, sem perder a ternura do idealismo.

Estamos pior: o horizonte democrático global está mais ameaçado do que esteve nos últimos 50 anos. A democracia brasileira balança diante de onda de supressão dos direitos à liberdade e à diferença, de diluição de institucionalidades. Valores constitucionais inegociáveis vão sendo revogados em silêncio. Nossos motores de radicalização autoritária seguem intocados.

Mas estamos melhor se reconhecemos que a ameaça à democracia está viva, dentro e fora de casa; se condenamos inimigos da democracia; se continuamos a investigar novos crimes. Melhor ainda se soubéssemos como redesenhar e revitalizar a vida democrática daqui em diante. Se tivéssemos um plano.

 

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