Folha de S. Paulo
Presidente e apoiadores violam liberdade de
expressão de quem celebrou assassinato de influenciador
Capacidade de regeneração de instituições
americanas ainda é maior do que a de países como Rússia e Venezuela, que
sucumbiram à tirania
Já tive de enfrentar essa dúvida antes, em casos de nações que passavam por processos de erosão institucional, incluindo os de Maduro na Venezuela, Putin na Rússia e Orbán e Erdogan na Hungria e na Turquia. Mas nunca imaginei que o dilema se apresentaria em relação aos Estados Unidos, até há pouco tidos como bastião da democracia. Já é hora, porém, de considerar a questão.
Esta semana, Donald Trump e
seus escudeiros se lançaram num intenso movimento de supressão da liberdade de
expressão. Passaram a perseguir, com recurso ao aparato de Estado, celebridades
e cidadãos comuns aos quais acusaram de "insensibilidade" em
relação ao assassinato
do influenciador trumpista Charlie Kirk.
Nos EUA, que abraçam uma noção robusta de
liberdade de expressão, é perfeitamente legal celebrar qualquer morte,
inclusive quando resulta de violência política.
O critério ali usado para demarcar crimes de incitação é o perigo real e
iminente. E não há como falar em perigo iminente depois que o assassinato já
foi perpetrado.
Estímulos indiretos à violência e a defesa
abstrata de ações extremistas estão, pelo histórico de decisões da Suprema
Corte, cobertos pela Primeira Emenda. Preservar a liberdade de expressão foi,
aliás, um dos pretextos que Trump usou para impor sanções ao Brasil. Não é
preciso ser um Gödel para
perceber a contradição.
A violação escancarada da Primeira Emenda não
é a única iniciativa autocrática de Trump, que vem sabotando a liberdade
acadêmica, o império da lei e vários outros valores democráticos. Ele tem até
submetido imigrantes a prisão sem julgamento sob condições que muitos
descreveriam como tortura.
Hesito, porém, a colocar Trump, por ora, na
mesma categoria de um Putin ou um Maduro. Não digo isso porque considere o
americano mais benigno que o russo e o venezuelano, mas porque penso que as
instituições dos EUA têm capacidade de regeneração. O que me assusta é que não
vejo da parte de atores relevantes como universidades, mídia e empresariado
muito apetite para salvar a democracia.
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