sábado, 20 de setembro de 2025

Já dá para chamar Trump de ditador? Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Presidente e apoiadores violam liberdade de expressão de quem celebrou assassinato de influenciador

Capacidade de regeneração de instituições americanas ainda é maior do que a de países como Rússia e Venezuela, que sucumbiram à tirania

Já tive de enfrentar essa dúvida antes, em casos de nações que passavam por processos de erosão institucional, incluindo os de Maduro na Venezuela, Putin na Rússia e Orbán e Erdogan na Hungria e na Turquia. Mas nunca imaginei que o dilema se apresentaria em relação aos Estados Unidos, até há pouco tidos como bastião da democracia. Já é hora, porém, de considerar a questão.

Esta semana, Donald Trump e seus escudeiros se lançaram num intenso movimento de supressão da liberdade de expressão. Passaram a perseguir, com recurso ao aparato de Estado, celebridades e cidadãos comuns aos quais acusaram de "insensibilidade" em relação ao assassinato do influenciador trumpista Charlie Kirk.

Nos EUA, que abraçam uma noção robusta de liberdade de expressão, é perfeitamente legal celebrar qualquer morte, inclusive quando resulta de violência política. O critério ali usado para demarcar crimes de incitação é o perigo real e iminente. E não há como falar em perigo iminente depois que o assassinato já foi perpetrado.

Estímulos indiretos à violência e a defesa abstrata de ações extremistas estão, pelo histórico de decisões da Suprema Corte, cobertos pela Primeira Emenda. Preservar a liberdade de expressão foi, aliás, um dos pretextos que Trump usou para impor sanções ao Brasil. Não é preciso ser um Gödel para perceber a contradição.

A violação escancarada da Primeira Emenda não é a única iniciativa autocrática de Trump, que vem sabotando a liberdade acadêmica, o império da lei e vários outros valores democráticos. Ele tem até submetido imigrantes a prisão sem julgamento sob condições que muitos descreveriam como tortura.

Hesito, porém, a colocar Trump, por ora, na mesma categoria de um Putin ou um Maduro. Não digo isso porque considere o americano mais benigno que o russo e o venezuelano, mas porque penso que as instituições dos EUA têm capacidade de regeneração. O que me assusta é que não vejo da parte de atores relevantes como universidades, mídia e empresariado muito apetite para salvar a democracia.

 

 

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