quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Moraes não alivia ninguém, mas Dino refresca Heleno, Paulo Sérgio e Ramagem. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O julgamento será retomado nesta quarta, com os votos de Luiz Fux, Cármen Lúcia e Zanin. Há muita expectativa em relação a Fux, ainda mais depois do voto mais ponderado de Dino

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, conduzida pelo ministro Cristiano Zanin, retomou o julgamento de Jair Bolsonaro e mais sete réus nesta terça-feira, na ação penal que apura a responsabilidade do ex-presidente e seu grupo na tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Pela manhã, a sessão foi marcada pelo voto duríssimo do relator Alexandre de Moraes, que ocupou mais de cinco horas detalhando provas, delações e atos que, segundo ele, configuram crimes contra o Estado Democrático de Direito. À tarde, Flávio Dino acompanhou o voto, mas introduziu ponderações quanto à gradação de culpa dos generais Augusto Heleno (GSI) e Paulo Sérgio (Defesa) e do deputado Alexandre Ramagem, então chefe da Agência Brasileira de Informações (Abin), que, segundo ele, teriam dado uma marcha à ré em relação à evolução da trama golpista.

Moraes rejeitou de forma contundente as preliminares das defesas, reafirmou a plena validade da delação de Mauro Cid e classificou como “litigância de má-fé” os questionamentos sobre contradições nos depoimentos. Também rechaçou alegações de manipulação de provas, lembrou que as defesas tiveram cinco meses para se manifestar sem trazer elementos capazes de mudar o processo. Sua fala foi permeada por ironia e firmeza: considerou “esdrúxula” a crítica ao número de perguntas feitas durante interrogatórios e destacou que o direito ao silêncio foi plenamente resguardado. Foi categórico no mérito: “Não há dúvida de que houve tentativa de golpe”.

Segundo Moraes, uma organização criminosa hierarquizada foi formada para desacreditar o sistema eleitoral, constranger o Judiciário e impedir a posse de Lula. Entre os atos executórios, citou as lives de Bolsonaro contra as urnas, a mobilização de 7 de Setembro de 2021, reuniões com embaixadores, o uso indevido da PRF, a minuta do golpe apresentada a militares, operações secretas como “Punhal Verde e Amarelo”, a tentativa de explosão no aeroporto de Brasília e, por fim, a depredação dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Provas documentais, segundo o relator, reforçaram a gravidade. A caderneta de Augusto Heleno, com anotações golpistas, e documentos de Alexandre Ramagem mostrariam, segundo Moraes, uma estratégia coordenada. “Não é razoável achar normal um general do Exército ter uma agenda golpista em pleno século 21”, afirmou. Ele ainda ironizou a “Punhal Verde e Amarelo”: “Os acampamentos não estavam em portas de igrejas, mas de quartéis. E em quartéis, além de rezas, há fuzis, tanques, armas”.

O ministro Flávio Dino acompanhou Moraes, reforçou o papel central de Bolsonaro e Braga Netto, “dominando a função de liderança” da conspiração. Considerou “bem alta” a responsabilidade de Bolsonaro, Braga Netto, Anderson Torres, Almir Garnier e Mauro Cid (este com benefícios da colaboração premiada). Entretanto, aliviou as acusações em relação a três réus: Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Ramagem teriam participação “de menor importância”. No caso de Heleno, Dino notou “menor eficiência causal” pela ausência em reuniões decisivas.

Voz dissonante

O julgamento será retomado nesta quarta, com os votos de Luiz Fux, Cármen Lúcia e Zanin. Ontem, durante um aparte de Flávio Dino ao relator, Moraes e Fux andaram se estranhando. Há muita expectativa em relação a Fux, ainda mais depois do voto mais ponderado de Dino, que refrescou Heleno, Paulo Sérgio e Ramagem. Na preliminar, o ministro deve voltar a questionar o fato de o julgamento não ocorrer no plenário do Supremo, o que nada muda, porque esse é um assunto decidido. Ninguém deve se surpreender também se pedir vista do processo e interromper o julgamento. Os ministros têm a prerrogativa de fazê-lo por até 90 dias, para reelaborar seu voto. Caso isso não ocorra, pode eventualmente pedir a absolvição de alguns réus. Se formada maioria pela condenação, o STF passará à dosimetria das penas, que podem ultrapassar 40 anos de prisão. Essa será a grande polêmica.

O Supremo continua na mira da Casa Branca. Em coletiva, a porta-voz Karoline Leavitt afirmou que as tarifas e sanções impostas por Donald Trump ao Brasil visam “proteger a liberdade de expressão”. Ela enfatizou que Washington “não terá medo de usar poder econômico e militar” contra países que, em sua leitura, reprimem seus cidadãos. A fala foi recebida como pressão. Moraes rebateu, acusando “traidores brasileiros” de articular com autoridades estrangeiras para impor tarifas e criar uma crise econômica que poderia degenerar em instabilidade social e abrir espaço para novo golpe. “Para a decepção desses traidores, isso não vai acontecer”, afirmou.

A imprensa mundial também acompanha o julgamento com lupa. O jornal britânico The Guardian destacou a ofensiva inédita de Trump, que usa instrumentos de política externa para intervir indiretamente na crise brasileira. Segundo o diário, a tentativa de enquadrar tarifas comerciais como defesa da “liberdade de expressão” revela a profundidade da conexão entre o trumpismo e o bolsonarismo, criando tensões diplomáticas de alto risco. O choque entre o Supremo Tribunal Federal e a Casa Branca de Trump é um fato inimaginável e sem precedentes, que testa os limites da democracia no Brasil e no Ocidente.

 

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