sexta-feira, 5 de setembro de 2025

O caminho da anistia no Congresso é um labirinto. Por Andrea Jubé

Valor Econômico

Se chegar ao escrutínio do STF encontrará maioria dos ministros que considera qualquer anistia inegociável e inconstitucional

Quem não se recorda de uma passagem da “Divina Comédia”, a jornada espiritual do poeta Dante, que em dado momento, ao ingressar no segundo círculo do Inferno, depara-se com Minos, o implacável julgador das almas pecadoras. “Desci ao círculo segundo, onde o pungir da dor é mais profundo; lá estava Minos, e feroz rangia: examinava as culpas desde a entrada”, narra o poeta florentino, guiado por Virgílio.

As almas podem ser enviadas para um dos nove círculos do Inferno, conforme a gravidade dos pecados. “Sempre muitas se lhe acham na presença, cada qual tem sua vez de ser julgada”. No poema, Dante percorre o Inferno, o Purgatório e o Paraíso, em busca da redenção da alma.

O julgamento das almas na obra de Dante Alighieri, publicada no século XIV, vem à memória diante da segunda semana do julgamento da tentativa de golpe de Estado no Supremo Tribunal Federal (STF), quando os cinco magistrados farão as leituras de seus votos, na expectativa de que, com base na responsável análise dos fatos e das provas, formem um juízo imparcial pela absolvição ou condenação de cada um dos oito réus do chamado “núcleo crucial”.

Seja pela importância histórica, pela gravidade dos crimes imputados aos réus, ou por envolver o ex-presidente Jair Bolsonaro, principal líder da oposição, o julgamento contaminou o ambiente político. Além de paralisar o Congresso, resgatou o debate pela anistia aos réus na ação penal, e aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, embora a pauta seja condenada pela maioria da população.

Pesquisa Datafolha divulgada no início de agosto mostrou que 55% dos entrevistados opõem-se à anistia, enquanto 35% se declaram a favor. Registre-se, entretanto, que esse percentual foi maior no passado. Em dezembro de 2024, 62% dos brasileiros eram contrários ao perdão. De igual forma, levantamento da Quaest, publicado em abril, revelou que 56% dos entrevistados defendiam que os envolvidos nos atos golpistas deveriam continuar presos e cumprir suas penas. Somente 16% defendiam que os acusados deveriam ser soltos.

Essa maioria contrária à anistia deveria servir de alerta ao mundo político que não está sendo julgado pelo STF, mas que se acha sob permanente escrutínio de um tribunal formado por 158 milhões de juízes, que vão proferir suas sentenças nas urnas em 2026. Ao invés de condenar à danação da alma no oitavo círculo do Inferno, como Minos, podem fixar penas ainda mais cruéis, como impedir um político de se eleger ou de renovar o mandato.

Vejam que o nome “Minos”, o juiz do Inferno, também remonta ao rei de Creta na mitologia grega, assim como Creta evoca a imagem do labirinto. Pois quando se aprofunda o debate sobre a anistia no Congresso, o observador atento vai concluir que o projeto percorrerá um emaranhado de caminhos que se entrecruzam, sem uma porta de saída, como em um labirinto.

É o que sugerem os fatos. O acordo firmado pela maioria dos líderes no dia 3 estabeleceu que o requerimento de urgência do projeto de lei da anistia - que ainda não tem texto -, será votado no plenário da Câmara dos Deputados na segunda quinzena do mês, depois que o STF concluir o julgamento de Bolsonaro e dos outros sete réus.

A base governista ainda atuará para impedir essa votação, mas será um desafio hercúleo, porque o requerimento de urgência tem 262 assinaturas a favor da medida, uma adesão expressiva da Casa. Além disso, basta a maioria simples dos deputados para aprová-lo.

Se a proposta avançar, passa-se ao segundo tempo, que é a análise do mérito. Alguns deputados, inclusive do Centrão, afirmam que não há votos suficientes para aprovar o projeto, sobretudo se o texto contemplar uma anistia ampla, que alcance de Bolsonaro até os condenados pelos ataques de 8 de janeiro. Um líder governista destacou que nem todos que subscreveram a urgência são favoráveis ao mérito.

Contudo, se o projeto for votado e aprovado pelos deputados, a bola cai nos pés do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), em uma terceira fase do jogo político. Até agora, Alcolumbre tem afirmado a interlocutores que resistirá para não levar a matéria à pauta do plenário.

No limite, se sucumbir à pressão, Alcolumbre vem defendendo, inclusive, publicamente, uma proposta que estabeleça uma anistia restrita, a fim de perdoar, ou reduzir, as penas dos condenados pelos atos de 8 de janeiro. Nesse aspecto, ele tem a simpatia velada de alguns ministros do STF, que avaliam que um aceno dessa natureza, contribuiria para uma pacificação nacional.

Um agravante, contudo, é que além de dividir o STF, esse modelo de anistia defendido por Alcolumbre tem o veto da família Bolsonaro. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) advertiu nesta semana que aliados do ex-presidente não aceitarão “anistia meia bomba”.

Da mesma forma, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em um diálogo com o ex-presidente captado pela Polícia Federal (PF), alertou que esse formato de anistia poderia até mesmo prejudicá-los junto ao governo de Donald Trump. “Se a anistia light passar, a última ajuda vinda dos EUA terá sido o post do Trump. Eles não irão mais ajudar”, alertou.

Em uma quarta etapa, o projeto fatalmente passará pelo escrutínio do STF, onde a maioria dos ministros considera qualquer anistia inegociável e inconstitucional.

 

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