sábado, 20 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Saída aventada por relator pode ser aceitável

Por O Globo

Reduzir algumas penas é razoável desde que preserve punição à altura de crimes contra democracia. Mas anistia é despropósito

Ainda é uma incógnita o conteúdo da proposta legislativa que o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) fará em relação aos condenados pela tentativa de golpe de Estado para manter no poder o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele parece ter entendido, porém, que anistiá-los seria inaceitável. “Essa coisa de anistia ampla e irrestrita já foi superada”, afirmou em entrevista ao GLOBO. Paulinho disse que manterá encontros com representantes de todas as correntes políticas e do STF antes de elaborar sua proposta.

Embora sem definições, ele admite que o projeto pode tornar mais brandas as penas previstas na Lei do Estado Democrático de Direito. Haveria apenas uma mudança no Código Penal, que permitiria aos réus recorrer para obter alívio em suas sentenças. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), já defendeu ideia semelhante, mas afirmou que esperará a proposta de Paulinho. Para evitar confusão com a tentativa de anistiar os crimes defendida por bolsonaristas, alguns parlamentares decidiram chamar a proposta de PL da Dosimetria.

É, em tese, uma saída aceitável. Não é ilegítimo criticar as penas aplicadas a vários dos condenados pela violência do 8 de Janeiro. Mas é essencial que organizadores, financiadores e executores, mesmo com sentenças menos severas, continuem com penas à altura dos crimes que cometeram. A defesa da democracia exige punição exemplar aos responsáveis por tramas golpistas. É a melhor vacina contra futuros golpes. A anistia, ao contrário, funciona como incentivo ao golpismo. Não faltam, na História brasileira, exemplos de golpistas que, anistiados, voltaram a tomar parte em intentonas anos depois.

É fundamental, por tudo isso, descartar o despropósito que representaria uma anistia. Insistir em perdão só abriria espaço para agravar a tensão entre Legislativo e Judiciário. Num cenário em que a anistia fosse aprovada, o caso certamente pararia nos tribunais e acabaria no STF, com alta probabilidade de confronto entre os Poderes, já que há inúmeros argumentos para declarar a medida inconstitucional.

Vários ministros do Supremo já afirmaram que anistiar atos antidemocráticos, em especial os crimes contra o Estado Democrático de Direito pelos quais foram condenados os golpistas, viola a Constituição. “Estou convicto de que é ilegítimo e inconstitucional”, afirmou no início da semana o decano do STF, ministro Gilmar Mendes. No julgamento de Bolsonaro, o ministro Flávio Dino também discorreu sobre o tema: “Esses tipos penais são insuscetíveis de anistia”. Até o ministro Luiz Fux, único a inocentar Bolsonaro, se manifestara contra anistia em tais casos por ocasião do julgamento do ex-deputado Daniel Silveira em 2023: “Entendo que crime contra o Estado Democrático de Direito é um crime político e impassível de anistia, porquanto o Estado Democrático de Direito é uma cláusula pétrea que nem mesmo o Congresso Nacional, por emenda, pode suprimir”.

Os golpistas já causaram danos demais ao país. O Brasil precisa virar a página do radicalismo para encarar as questões que importam à população. O Congresso tem papel fundamental nisso e deve agir com responsabilidade e sensatez.

Melhora fiscal dos municípios não traz motivo para tranquilidade

Por O Globo

Apesar do avanço verificado em estudo da Firjan, 36% das prefeituras estão em situação difícil ou crítica

Melhorou a situação fiscal dos municípios brasileiros, mas ela não é sustentável, de acordo com o levantamento mais recente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). À primeira vista, as prefeituras parecem andar na direção certa. Numa escala que classifica a gestão dos recursos públicos em quatro níveis (crítica, difícil, boa e excelente), a média brasileira em 2024 foi descrita como boa, melhor resultado desde o início da série histórica há 12 anos. Um olhar mais atento, porém, revela diversos problemas. Em 36% dos municípios, a situação é difícil ou crítica.

As prefeituras têm dificuldade de reduzir despesas com pessoal quando o ritmo de crescimento da economia diminui e as receitas caem. Grande parte é incapaz de cobrir os próprios gastos. Por fim, verbas distribuídas pelas emendas parlamentares são pulverizadas e não chegam a quem mais precisa.

Os cofres municipais ganharam reforço recente com a expansão forte da economia e o aumento da distribuição de recursos. O Fundo de Participação dos Municípios cresceu de R$ 120 bilhões em 2019 para R$ 177 bilhões no ano passado. Antes da aprovação da reforma tributária, as prefeituras correram para garantir receitas, na tentativa de se proteger de eventual perda de arrecadação. Nos últimos cinco anos, os orçamentos municipais cresceram 56,5% em termos reais. Foi essa a circunstância que permitiu certa folga nas contas, apesar do aumento de gastos. O preocupante é que, mesmo numa conjuntura favorável, parte considerável das prefeituras continuou em situação difícil. Esse é o indício mais claro da urgência de reformas.

Um em quatro municípios não produz recursos suficientes para pagar os salários do prefeito e dos vereadores, dependendo até para isso dos repasses da União. A expansão na quantidade de municípios a partir da Constituição de 1988 fez proliferar aqueles incapazes de sobreviver por conta própria. A meta passou a ser criar empregos públicos. Tal lógica precisa ser revertida com medidas que incentivem a fusão de prefeituras. “A prioridade deve ser atender aos cidadãos, e não destinar mais recursos à máquina pública”, diz o estudo da Firjan.

Também merece atenção o gasto com pessoal. Despesas com funcionários da ativa e aposentados cresceram 29% acima da inflação de 2019 a 2024. Ao todo, 540 prefeituras comprometem mais de 54% do orçamento com a folha de pagamento, pouco abaixo do limite de 60% determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Tal patamar já preocupa. Num cenário de crescimento econômico baixo, essas prefeituras terão dificuldade de reduzir a folha de pagamento. Por isso é fundamental que a reforma administrativa em debate na Câmara seja ampla e favoreça ajustes de custos. Outra questão que deveria ocupar os congressistas são as emendas parlamentares. Não há como reduzir desigualdades regionais quando montante tão grande de recursos públicos é distribuído com base em interesses meramente paroquiais.

Lula exagera nos gastos e país paga conta pesada em juros

Por Folha de S. Paulo

EUA reduzem taxa, enquanto Brasil segue com Selic escorchante; risco é despesa pública subir nas eleições

Para conter a inflação, BC precisa agir, a ponto de o país comprometer R$ 1 trilhão com pagamento de juros, concentrando renda e elevando dívida

As recentes decisões do Federal Reserve (Fed) e do Banco Central sobre as taxas de juros evidenciam trajetórias distintas nas políticas monetárias de Estados Unidos e Brasil, com implicações para a economia global e doméstica.

Enquanto o Fed anunciou um corte de 0,25 ponto percentual na taxa básica, para a faixa de 4% a 4,25% ao ano, além de indicar reduções adicionais até o nível de 3% nos próximos meses, o Copom manteve a Selic em 15%, com um tom cauteloso frente a pressões inflacionárias persistentes.

A retomada do ciclo de afrouxamento monetário nos EUA é motivada pelo enfraquecimento do mercado de trabalho e por evidências de desaceleração perigosa na atividade.

Há riscos para a inflação em função das tarifas impostas por Donald Trump, que podem elevar preços para o consumidor, mas a visão da autoridade monetária é que o choque será temporário.

No Brasil, a manutenção dos juros em nível escorchante veio acompanhada por mensagem dura que descarta cortes no curto prazo, em função de incertezas externas e domésticas, notadamente quanto às contas públicas em desordem, resiliência na atividade econômica e desancoragem das expectativas de inflação.

De fato, as projeções do setor privado, embora tenham recuado nos últimos meses, ainda se situam em 4,8% e 4,3%, respectivamente, para 2025 e 2026, muito acima da meta de 3%.

A melhora recente foi facilitada por fatores como a redução nos preços de alimentos e pela apreciação do real, que barateou importados. No entanto, os preços de serviços, sensíveis à demanda interna e ao mercado de trabalho aquecido, seguem pressionados.

A divergência dos rumos monetários ampliará ainda mais o diferencial de juros entre Brasil e EUA, atualmente em 10,75% ao ano, atraindo fluxos de capital para o país. Esse movimento favorece a apreciação do real, que já ronda os R$ 5,30, num ganho próximo a 16% desde o início do ano. A valorização é bem-vinda, pois diminui pressões inflacionárias e facilita o trabalho do BC.

O outro lado da moeda é que os juros estão elevadíssimos porque o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esquentou a economia com gastos insustentáveis. Para conter a carestia, o BC tem de exagerar na dose, a ponto de o país comprometer R$ 1 trilhão com pagamento de juros neste ano, concentrando a renda e elevando a dívida pública.

Na soma geral, porém, a conjuntura atual aponta para o início do ciclo de cortes graduais na taxa básica de juros a partir do primeiro trimestre, para 12,5% ao final do ano que vem, segundo estimativas de analistas.

O principal risco para o Brasil é o governo novamente embarcar num vale-tudo eleitoral, com aumento descontrolado das despesas públicas. Esse cenário poderia reacender pressões inflacionárias e forçar o BC a manter juros elevados por mais tempo, com enormes custos para o país.

Eutanásia é questão de liberdade individual

Por Folha de S. Paulo

Mesmo com algumas restrições descabidas, legislações sobre o tema avançam na França e na Inglaterra

Há insensatez no projeto inglês, como autorizar o suicídio assistido apenas para pacientes com expectativa de vida de no máximo 6 meses

O grande achado do Ocidente foi afirmar a noção de indivíduo e ampliar seu escopo de direitos. Esse movimento teve início no século 17 e, com interrupções e até reviravoltas, se estende até hoje.

Não são poucos nem irrelevantes os avanços, como a abolição da escravidão, a liberdade de expressão, a descriminalização da homossexualidade e das drogas e, mais recentemente, a regulamentação da morte assistida.

Ainda não passam de uma dúzia os países que permitem a eutanásia (quando o óbito é conduzido por um médico) ou o suicídio assistido (o paciente recebe orientações médicas para pôr fim à própria vida), mas a tendência é de alta. Duas das nações mais populosas da Europa, França e Reino Unido, estão modificando suas leis nesse sentido.

Deputados franceses aprovaram, em maio, um projeto de lei que autoriza a eutanásia para pacientes maiores de 18 anos e residentes no país que sofram de doença incurável em fase avançada que cause sofrimento. A proposta será votada pelo Senado em outubro, e a expectativa é a de que seja aprovada com outras limitações.

Na Inglaterra, o parlamento também referendou um projeto bastante restritivo, que ainda passará pela Câmara dos Lordes. O paciente precisa ter uma expectativa de vida de não mais de seis meses e receber o aval de dois médicos independentes.

O que a experiência dos países que abraçaram esse tipo de legislação ensina é que as restrições são importantes para conseguir aprovar as normas, mas não resistem bem ao teste da realidade.

Se o princípio da morte assistida é evitar sofrimento, como justificar que uma pessoa com previsão de seis meses de dores tenha garantido o direito, mas uma fadada a dores por período maior não tenha? E os aspectos subjetivos? O que é suportável para um pode ser intolerável para outro.

Como perceberam Holanda e Canadá, não faz muito sentido tentar circunscrever a autonomia individual a patologias específicas, terminalidade e expectativas de vida médias.

De fato, isso torna a regulamentação ainda mais desafiadora, já que o poder público e a sociedade têm interesse legítimo em evitar suicídios motivados por causas tratáveis e transitórias —como a maioria das depressões.

É triste constatar que, enquanto outros países avançam no campo das liberdades individuais, o Brasil estacionou. Se há até tentativas de retrocesso na já antiquada lei sobre o aborto, não se vislumbra debate sério sobre a eutanásia num Congresso Nacional populista que desconsidera evidências.

Dos males, o menor

Por O Estado de S. Paulo

Por meio do ‘PL da dosimetria’, Congresso tem a chance de costurar um acordo para corrigir excessos na punição dos que foram apenas massa de manobra dos líderes golpistas

A designação do deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) como relator do projeto de lei (PL) da chamada “anistia” abre caminho para a construção de uma saída razoável para um imbróglio jurídico e político do qual o País precisa se desvencilhar. O relator já indicou que seu texto não deve ser chamado de “PL da anistia”, mas sim de “PL da dosimetria”. A distinção é oportuna, pois indica que não haverá um inaceitável perdão para os golpistas condenados, a começar por Jair Bolsonaro, e sim um ajuste das penas aplicadas a indivíduos que, embora tenham praticado atos reprováveis, não podem ser equiparados aos líderes de uma conspiração para subverter a ordem constitucional democrática.

Em condições normais, um arranjo do tipo nem deveria ser discutido, mas se impõe pela constatação, de resto consensual, de que houve exageros no enquadramento penal dos idiotas úteis do 8 de Janeiro. A Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo Tribunal Federal (STF) atribuíram a tipos penais gravíssimos – como golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e associação criminosa armada – condutas que não exigem tal grau de reprovação. O caso de Débora dos Santos, condenada a 14 anos de prisão por ter pichado com um batom a estátua da Justiça em frente ao STF, tornou-se o emblema dessa desproporção.

À luz da gravidade dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, as penas atualmente previstas na legislação não são excessivas. O Código Penal prevê de 4 a 8 anos de reclusão para o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L) e de 4 a 12 anos para golpe de Estado (art. 359-M). O problema, portanto, está na forma como se interpretou e aplicou a lei em alguns casos. É nesse ponto que o projeto relatado por Paulinho da Força, até onde se sabe, é razoável. Ao propor a revisão da dosimetria, abre-se espaço para corrigir a punição daqueles que foram arrastados – por fanatismo, ignorância ou manipulação – para a razia golpista, de modo a fazê-los cumprir penas proporcionais às suas condutas. São pessoas que, embora responsáveis por seus ilícitos, não podem ser tratadas como artífices de um golpe de Estado.

O que está em curso parece ser um acordo político amplo entre o Congresso e o Supremo, sob a mediação do ex-presidente Michel Temer. Essa concertação revela um certo grau de maturidade das lideranças políticas envolvidas para lidar com os desdobramentos de um episódio que poderia ter feito o País descambar para o arbítrio dos irresignados com o resultado da eleição presidencial de 2022. A condenação de Bolsonaro e seus comparsas do “núcleo crucial” da trama golpista deve permanecer viva como o marco histórico da intolerância contra aventuras autoritárias. Ao mesmo tempo, não pode servir de pretexto para injustiças que, ao fim e ao cabo, penalizam em excesso os bagrinhos que serviram como massa de manobra.

Não pode haver indulgência para os grandes responsáveis pelo maior ataque à Constituição da Nova República, a começar por Bolsonaro. Em boa hora, Paulinho da Força já indicou que isso está fora de cogitação. Ao que tudo indica, a defesa de uma “anistia ampla, geral e irrestrita” tende a ficar restrita a Bolsonaro, seu partido, o PL, e seus apoiadores cativos aqui e alhures, como o ainda deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). O Brasil precisa virar essa página. O Congresso precisa se concentrar em uma agenda virtuosa para o País. Isso significa dar tratamento jurídico adequado às diferentes responsabilidades pelos atos que culminaram no 8 de Janeiro, sem ceder a pressões do bolsonarismo nem perpetuar distorções penais. A agenda nacional não pode seguir sobrestada em razão de uma pauta que só interessa a Bolsonaro e os radicais que o cercam.

Dos males, portanto, o menor. O “PL da dosimetria” não anula condenações, não absolve culpados e não altera substancialmente a lei penal. Mas permite calibrar a resposta do Estado à trama golpista de modo mais justo, distinguindo os que atentaram contra a democracia daqueles que, embora culpados, foram marionetes de um projeto criminoso de poder. Para ser forte, a democracia deve punir com rigor quem a ataca. Mas também há de ser magnânima.

A Europa entre estagnação e populismo

Por O Estado de S. Paulo

A Europa está ficando para trás em inovação, defesa e crescimento. Como alerta Mario Draghi, a apatia dos partidos tradicionais ante disfunções econômicas favorece distorções políticas

“Um ano depois, a Europa está em uma situação mais difícil. Nosso modelo de crescimento está se esgotando. As vulnerabilidades estão aumentando”, advertiu à Comissão Europeia o ex-presidente do Banco Central Europeu Mario Draghi, um ano após apresentar seu relatório sobre a competitividade do bloco. “Fomos lembrados, dolorosamente, de que a inação ameaça não só nossa competitividade, mas também nossa própria soberania.” É um alerta a um tempo econômico e político: se a Europa hesitar em enfrentar suas deficiências estruturais, a consequência não será apenas menos crescimento, mas o colapso do centro democrático.

Draghi prescreveu o óbvio e o difícil. O óbvio: completar o mercado único, reduzir barreiras que ainda funcionam como tarifas disfarçadas, desfazer-se de regulações excessivas e investir em tecnologias críticas. O difícil: admitir que nenhum Estado nacional, isoladamente, pode sustentar o custo dessas medidas, e que a única via para recuperar soberania é mais integração. A alternativa é aceitar a irrelevância, enquanto EUA e China ditam as regras da economia. “Precisamos de ação urgente para enfrentar necessidades urgentes. Porque nossas empresas e trabalhadores já não podem esperar.”

O problema é que, enquanto as elites tergiversam, os eleitores se impacientam. Estagnação prolongada e serviços públicos decadentes corroem a confiança nos partidos do establishment. Protestos na França e Reino Unido e o avanço da extrema direita nas urnas alemãs não são acidentes isolados. São sintomas de um mal-estar profundo: cidadãos que já não acreditam nas respostas da política tradicional.

O vácuo é ocupado pelos populistas. Uns prometem proteção social ilimitada; outros, nacionalismo econômico e fechamento de fronteiras. Ambos vendem ilusões. Trata-se de uma dinâmica perversa: quanto mais os partidos tradicionais se esquivam de reformas impopulares, mais espaço abrem para radicais que não terão escrúpulos em corroer instituições para acumular poder. A erosão democrática contemporânea raramente se dá por golpes, mas por dentro, com governos eleitos minando gradualmente freios e contrapesos.

A defesa da democracia, portanto, passa também pela defesa da competitividade. Draghi tem razão ao afirmar que prosperidade e soberania caminham juntas. Sociedades incapazes de gerar crescimento sustentado tornam-se vulneráveis à tentação de líderes fortes que prometem atalhos. Não é coincidência que a frustração com a globalização, somada ao declínio industrial, tenha alimentado tanto o trumpismo quanto os nativismos europeus.

Mas não basta crescer: é preciso mostrar resultados tangíveis, sobretudo para os grupos que mais se sentem abandonados. Países do sul da Europa, ao resistirem ao populismo e implementarem reformas fiscais duras, colheram frutos políticos e econômicos. Portugal, Espanha e Grécia voltaram a crescer mais do que a Alemanha. Esses exemplos provam que disciplina fiscal e inovação podem caminhar juntas, desarmando discursos fáceis de radicais.

A tentação, no entanto, é sempre procrastinar. “Com frequência, fabricam-se desculpas para essa lentidão”, disse Draghi. “Às vezes a inércia é até apresentada como respeito ao Estado de Direito. Isso é complacência.” Essa complacência ameaça não apenas a competitividade, mas a própria legitimidade da democracia europeia.

A lição vale para outras democracias ocidentais, inclusive o Brasil. Onde reformas são postergadas, a polarização se intensifica, e os eleitores oscilam entre extremos, cujos “remédios” só agravam a doença. Onde há disposição de enfrentar privilégios, cortar desperdícios e investir no futuro, a política de centro ainda pode prosperar.

O diagnóstico é claro: sem crescimento, não há contrato social sustentável; sem instituições fortes, não há democracia duradoura. A Europa precisa redescobrir sua capacidade de agir, e rápido. Reformar, integrar e investir não são meras escolhas econômicas. São escolhas existenciais para um continente que corre o risco de perder relevância externa e estabilidade interna. Entre a estagnação e o populismo, só há uma saída: coragem política.

A veloz mudança demográfica

Por O Estado de S. Paulo

Desaceleração do crescimento populacional e encolhimento de capitais dão pistas do desafio

A pesquisa Estimativas da População, divulgada recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou uma acentuada desaceleração do crescimento populacional. Em 1.º de julho deste ano, eram 213.421.037 habitantes, uma alta de apenas 0,39% em relação a 2024. E, pela primeira vez, até capitais, como Salvador, Porto Alegre e Belo Horizonte, registraram o encolhimento do número de seus moradores, num sinal das mudanças demográficas em curso no País.

Dos 5.571 municípios, 2.079 (37,3%) tiveram queda populacional; 3.011 (54,0%) ficaram com taxa entre 0 e 0,9%; e apenas 122 municípios (2,2%) cresceram 2% ou mais. Segundo o gerente de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica do IBGE, Marcio Minamiguchi, os dados confirmam o que já era indicado pelo Censo 2022 e pelas Projeções da População. Ou seja, todos já sabem o que está acontecendo: há forte refluxo populacional sem que o Brasil tenha aproveitado o bônus demográfico, que se observa quando a proporção da população ativa supera a de crianças e idosos, elevando a produtividade e o aumento da renda média.

O Brasil atingirá seu ápice populacional em 2041 e, em apenas duas décadas, a população total já começará a diminuir. Essa queda e o envelhecimento terão consequências sobre a saúde pública, a Previdência e a assistência social, assim como sobre a educação e a formação para o trabalho.

Relatório sobre o Futuro dos Empregos 2025, do Fórum Econômico Mundial, realizado em parceria, no Brasil, com a Fundação Dom Cabral, mostra, por exemplo, que até 2030 serão criados 170 milhões de postos de trabalho no mundo e outros 92 milhões serão destruídos em razão das inovações com inteligência artificial, um saldo de 78 milhões. Mas, enquanto o mundo muda, o Brasil ainda patina em educação, com quase um terço da população analfabeta funcional e só 23% com altas habilidades digitais, segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), da Ação Educativa.

Além disso, um estudo de Janaína Feijó, economista e pesquisadora da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), apurou que, no ano passado, havia 8,6 milhões de brasileiros ocupados com mais de 60 anos de idade, uma alta de quase 70% em relação aos 5,1 milhões de 2012. Como esse fenômeno só tende a se acentuar, serão necessárias políticas públicas eficazes a essa crescente geração prateada.

Não menos importante, o País tem um encontro marcado com uma reforma da Previdência. Como apontou o economista Fabio Giambiagi no estudo A Previdência Social no Brasil: tendências e desafios, os benefícios crescerem a uma taxa que é quase o dobro do PIB nas últimas quatro décadas, enquanto os efeitos da reforma de 2019 já começam a se dissipar.

Logo, investimentos em educação e qualificação profissional, reformas das fontes de custeio de serviços públicos e critérios mais rígidos para concessão de benefícios terão de ser discutidos com profundidade e seriedade pelo Executivo e Legislativo. Que as autoridades comecem a buscar o apoio da sociedade para tantas e tão graves mudanças.

Crimes da crise da covid devem ser apurados

Por Correio Braziliense

O ministro Flávio Dino acerta ao determinar investigações sobre a condução da pandemia. O Brasil deve reconhecer que houve escolhas políticas conscientes durante a pandemia que ampliaram a tragédia

A tragédia da covid-19 no Brasil não pode ser tratada como mera fatalidade. O país registrou mais de 700 mil mortes ao longo da pandemia, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, tornando-se uma das nações com maior número absoluto de vítimas no mundo. Essa cifra, por si só, evidencia a gravidade da crise sanitária e o peso das escolhas políticas no agravamento do cenário.

O ministro Flávio Dino acerta ao determinar investigações sobre a condução da pandemia. As apurações não se restringem a um balanço administrativo: elas dizem respeito à responsabilização por crimes contra a saúde pública, condutas que resultaram em perdas irreparáveis. Por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal dará seguimento às investigações da CPMI da Covid, que havia indiciado várias pessoas, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro, cujas atitudes deliberadamente hostis à ciência orientaram a resposta do governo federal ao coronavírus.

Entre janeiro de 2021 e o início de 2022, enquanto o Brasil acumulava centenas de milhares de novos óbitos, políticos e autoridades sabotavam medidas básicas de contenção, como o incentivo ao uso de máscaras e o distanciamento social, além de defenderem tratamentos ineficazes. Ao mesmo tempo, atrasavam negociações para a compra de vacinas, travando o processo de imunização em um país que historicamente tem uma das estruturas de imunização mais bem estruturadas do mundo: o Programa Nacionais de Imunização (PNI).

Esse quadro ficou mais dramático diante de episódios como a crise em Manaus, quando a falta de oxigênio hospitalar levou pacientes à morte por asfixia, numa cena que simboliza a incompetência e a negligência das autoridades. A omissão governamental, somada à politização do tema, custou milhares de vidas, que poderiam ter sido salvas com uma gestão responsável e coordenada. Relatório do  Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) divulgado ano passado sustenta que ao menos 300 mil mortes por covid-19 poderiam ter sido evitadas no país.

A responsabilidade, portanto, não é apenas moral, mas também jurídica. Quando um governo se torna vetor de desinformação, desestimula a vacinação e compromete a cooperação internacional para aquisição de insumos, coloca em risco não só a saúde coletiva, mas a própria integridade do sistema público de saúde. O SUS, apesar de sua resiliência, não pode enfrentar pandemias dessa magnitude sem o apoio firme das mais altas instâncias do Executivo.

Investigar e responsabilizar é, assim, um imperativo democrático. O Brasil não pode naturalizar a perda de 700 mil vidas como se fosse parte dos "danos colaterais" de uma guerra. Pelo contrário, deve reconhecer que houve escolhas políticas conscientes que ampliaram a tragédia. Até porque isso serve de alerta: o país precisa manter a sociedade e o sistema de saúde em permanente vigilância. A covid-19 não será o último desafio sanitário global. A experiência recente deve servir como lição para reforçar a ciência, as instituições de controle, o financiamento do Sistema Único de Saúde  e as políticas de equidade em saúde.

Taxa Selic deve ficar em 15% até o fim do ano

Por O Povo (CE)

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse ter ficado "preocupado" com o patamar atual. Gleisi Hoffmann, ministra das Relações Institucionais, considerou "incompreensível" não haver queda na taxa de juros

Com os assuntos políticos dominando o noticiário, passou mais ou menos despercebido o resultado da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). A decisão foi manter a taxa básica de juros em 15% ao ano.

Também não se observou nenhum protesto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva reprovando o Banco Central, o que era comum quando Roberto Campos Neto chefiava o BC. Lula chegou a dizer que Campos Neto era "anti-Brasil" e que Gabriel Galípolo, atual presidente do BC, indicado por ele, iria "consertar" a taxa de juros.

Campos Neto concluiu seu mandato em dezembro de 2024, deixando a Selic em 12,5%, isto é, 2,5 pontos percentuais a menos do que a taxa atual, sob o comando de Galípolo. No entanto, desde que ele assumiu a direção do Banco Central, cessaram as queixas de Lula.

A crítica do governo aos juros altos representa a corrente dos que entendem que a Selic mais baixa estimula os setores empresariais, favorecendo o desenvolvimento do país. Além disso, com juros mais baixos, o custo da dívida pública se reduz, liberando recursos para aumentar os investimentos públicos.

Na visão contrária alinham-se o mercado financeiro e setores liberais mais conservadores, que dão prioridade ao controle da inflação. A taxa de juros alta provoca diminuição do consumo e torna os empréstimos mais caros, reduzindo a pressão inflacionária.

E por que o Copom manteve a taxa de juros em 15%?

O comunicado oficial do Copom explica a manutenção da taxa em 15%, "em função da conjuntura e da política econômica nos Estados Unidos". Ou seja, há um ambiente de incerteza, que não garante que a inflação vá recuar para 3%, o centro da meta.

A conjuntura brasileira também foi levada em conta pelo Copom, que viu "crescimento moderado" nos indicadores de atividade econômica, apesar do "dinamismo" do mercado de trabalho. "As expectativas de inflação para 2025 e 2026, apuradas pela pesquisa Focus (boletim do BC), permanecem em valores acima da meta, situando-se em 4,8% e 4,3%, respectivamente", registrou a nota.

A perspectiva do mercado é que a taxa de juros comece a cair somente em 2026. Mas o BC não descarta retomar as altas se for preciso forçar a inflação a ficar dentro da meta.

Para ter certeza sobre as intenções do Banco Central, será preciso esperar as próximas reuniões do Copom, que serão realizadas nos dias 4 e 5 de novembro e 9 e 10 de dezembro.

Lula não fez crítica ao presidente do Banco Central, deixou a tarefa para seus ministros. Fernando Haddad (Fazenda), disse que ficou "preocupado" com o patamar atual. Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) considerou "incompreensível" não ter havido queda. Eles, porém, não citaram o nome de Gabriel Galípolo.


 

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