sábado, 20 de setembro de 2025

Polarização dá dinheiro e voto. Por Thaís Oyama

O Globo

O que para uns é crise, para o caroneiro é oportunidade de negócio. Deus o livre do fim das tretas

Extremistas de esquerda brasileiros comemoraram o assassinato de um extremista de direita americano na semana passada. "Adoro quando fascistas morrem em agonia", postou uma consultora de estilo (que depois alegou se referir a Jair Bolsonaro, e não ao extremista americano). "É terrível um ativista ser morto por ideias, exceto quando é [o trumpista] Charlie Kirk", disse um historiador.

Pelo que postaram e disseram, consultora e historiador foram achincalhados, cancelados, perderam emprego e contratos — se deram mal.

Uma outra turma, porém, se deu bem: os “caroneiros de treta” — influenciadores que se aproveitaram do episódio para escrever inflamados textos nas redes sociais pedindo a cabeça da consultora e do historiador e outros que, do lado oposto, postaram mensagens igualmente exaltadas exigindo “proteção” para os cancelados (vistos como, na verdade, vítimas de preconceitos da direita).

Os posts de caroneiros dos dois campos têm por característica transbordar de indignação e sede de justiça, e pouco importa se nada disso for muito sincero. Com seus pontos de exclamação e suas tintas de sangrar o coração, despertam em quem os lê raiva, ódio e medo — os sentimentos que mais engajam ou, em outras palavras, fazem com que as pessoas se engalfinhem, se insultem, portem-se como selvagens e desejem a morte umas das outras.

Mas não foi justamente por festejar a morte de alguém que os extremistas de esquerda foram cancelados? Bem, a esta altura esse detalhe pouco importa. O circo já pegou fogo, e ninguém mais se lembra do motivo do incêndio —tudo virou um embate entre esquerda e direita, que termina com reputações destruídas, amizades rompidas e final feliz só para o influenciador caroneiro. Este aumentou sua visibilidade, ganhou seguidores, monetizou o que pôde e engordou o cofrinho. O que para uns é crise, para o caroneiro é oportunidade de negócio. Deus o livre do fim das tretas.

A “treta” de redes sociais é o braço digital da polarização política — a divisão da sociedade em campos opostos, que enxergam o mundo de forma incompatível e se tratam mutuamente como inimigos. Muita gente acha que fica até mais fácil viver assim, dado que essa divisão evita o trabalho de pensar. Quem quiser assumir posição sobre alguma questão não precisa perder tempo analisando seus prós e contras. Basta ver o que o outro lado pensa — e pensar o contrário.

Muitos políticos gostam da polarização também, nesse caso porque a lógica dos antagonismos dispensa nuances e simplifica o jogo. O candidato se apresenta como o único capaz de evitar a vitória do inimigo e, quanto mais esse inimigo parecer crescer, mais importância ganham suas credenciais de salvador da pátria. Claro que, para funcionar, os campos têm de estar bem delimitados.

O PT usa o discurso da polarização desde priscas eras, quando chamava o PSDB de partido “a serviço dos banqueiros”. Foi assim, encarnando o “povo” contra as “elites”, que respondeu ao maior escândalo de corrupção que enfrentou, o mensalão.

— Eles [as elites] não suportam ver um metalúrgico na Presidência —resumiu Lula em 2006.

Em 2018, foi a vez de a sigla provar o gosto amargo do “nós contra eles”. Com Jair Bolsonaro, a retórica antielite do partido perdeu para a retórica antipetista do ex-capitão, que arrastou o debate para o campo moral e inaugurou a guerra do “bem contra o mal”, em que o PT era nada menos que o demônio.

A gangorra mudou de posição mais uma vez em 2022, quando o PT baseou sua campanha na ameaça à democracia representada por Bolsonaro, e o “voto do medo”, que se provou fundamentado, beneficiou o petista. Lula contou com Bolsonaro para se eleger e continuou contando com ele para manter a popularidade de seu governo acima da linha-d’água. Agora, Bolsonaro está fora do jogo. Como ninguém gosta de polarização, mas muita gente se aproveita dela, aguarda-se o rápido preenchimento da vaga de inimigo do povo.

 

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