Fux erra no fundamental e acerta em detalhes
Por Folha de S. Paulo
Folha reitera que há evidências sólidas para
a condenação de Jair Bolsonaro com penas equilibradas
Os 11 ministros deveriam ter julgado o caso,
e redundância de penas também é tema importante, mas impunidade seria
desastrosa para democracia
Devido a manifestações anteriores, já se
imaginava que o ministro Luiz Fux,
do Supremo Tribunal Federal, pudesse ser uma voz destoante no julgamento
de Jair
Bolsonaro (PL) e aliados por
tentativa de golpe de Estado. Fux superou todas as expectativas, porém.
O magistrado votou por nada menos que a
anulação do processo, com o argumento de que o STF seria
incompetente para analisá-lo. Mais ainda, advogou a absolvição de Bolsonaro de
todas as acusações, que compreendem cinco crimes distintos.
Na primeira parte, disse que os réus já não ocupam cargo público que determine o julgamento pela corte mais alta do país, e portanto o foro adequado seria a primeira instância do Judiciário.
Causa espécie que o ministro não tenha
seguido essa tese na enorme maioria dos processos envolvendo os denunciados por
participar do ataque às sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Não se pode esperar que um magistrado seja
infalível ou incapaz de mudar de opinião, mas é sempre problemático quando
entendimentos mudam bruscamente num tribunal superior, como o
Supremo fez repetidamente com a Operação Lava Jato.
Isso considerado, divergências são normais e,
no mais das vezes, saudáveis em uma corte. Trabalha-se em colegiado justamente
para que diferentes opiniões e perspectivas possam aprimorar a decisão a ser
tomada.
Fux apontou questões pertinentes em seu voto,
a começar pela postulação de que, a seguir no STF, o processo deveria ser
examinado por todos os 11 ministros em plenário, em vez dos 5 da Primeira
Turma. Este jornal já expressou o mesmo ponto de vista.
Outro tema importante diz respeito aos crimes
atribuídos a Bolsonaro, previstos na Lei de Defesa do Estado Democrático de
Direito de 2021. Mais de um ministro e não poucos especialistas avaliam como
redundantes as acusações de tentativa de golpe de Estado (pena máxima de 12
anos) e tentativa de abolição violenta do Estado de Direito (até 8 anos).
A aplicação cumulativa das duas penas,
sustentada pelo relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, já resultou
em punições que se afiguram excessivas para os integrantes da infantaria bolsonarista
de 8 de janeiro.
É evidente que Fux, muito provavelmente um
voto vencido e inócuo na decisão, acabou por reforçar o discurso do
ex-presidente e de seus apoiadores —que, em qualquer hipótese, repetiriam a
versão farsesca de que tudo não passa de perseguição política e judicial. Mais
do que isso, listou questionamentos que continuarão nos próximos anos.
Esta Folha reitera
seu entendimento de que as evidências apresentadas ao longo do
processo são robustas e suficientes para caracterizar uma conspiração
criminosa, particularmente as tratativas para um decreto absurdo de Estado de
exceção. Fux acerta em detalhes e erra no fundamental: a impunidade seria
desastrosa para a democracia brasileira.
Aposentadoria compulsória não é punição
Por Folha de S. Paulo
Medida deveria ser só início da
responsabilização de juízes infratores; lentidão da Justiça gera impunidade
De 2006 a 2025, só 1% das sanções a
magistrados foram demissões. Advertência e censura representam 67%;
aposentadoria compulsória, 31%
Ser condenado a ficar sem trabalhar recebendo
vencimentos mensais de milhares de reais é o sonho de muitos brasileiros. Daí
que a aposentadoria compulsória,
punição comumente dada a juízes que cometem faltas graves, se tornou símbolo da
impunidade assegurada a magistrados no país.
A percepção não está errada, mas o quadro é
mais complexo. Nenhum legislador em sã consciência estabeleceria aposentadoria
compulsória como castigo. Em teoria, ela seria uma dentre um conjunto de ações
que o Estado deveria usar contra juízes suspeitos de improbidades.
A aposentadoria compulsória seria a primeira
linha de defesa do poder público, já que permite de forma rápida e
descomplicada, por ser procedimento administrativo, privar o magistrado de
continuar a delinquir —note-se que um dos crimes investigados é a venda de
sentenças.
À medida deveria seguir-se uma ação judicial.
Confirmada a culpabilidade, viriam o desligamento da carreira e do salário e até
uma pena de prisão. Tal provisão é uma das garantias conferidas a carreiras de
Estado, que não deveriam ficar à mercê de procedimentos administrativos.
O problema é que essas ações judiciais com
trânsito em julgado só muito raramente se materializam. Levantamento da Folha,
com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de 15
dos 27 Tribunais de Justiça, mostrou que só 1% do
total de punições a juízes e desembargadores entre 2006 e 2025
foram demissões.
Com a ressalva de que o cenário é incompleto
porque nem todos os TJs responderam ao jornal, a maioria das sanções (67%) são
mais brandas, como advertência e censura. A aposentadoria compulsória
representa 31%. Desde 2006, só sete magistrados foram demitidos por falta
grave.
A impunidade, portanto, é real e resulta da
mãe de todas as impunidades: o fato de que os processos abertos no Brasil quase
nunca são concluídos.
A questão está sendo debatida no âmbito
da reforma administrativa. Cogita-se acabar com a aposentadoria
compulsória para juízes suspeitos de falta grave e admitir a demissão por
procedimento administrativo no CNJ —não mais após decisão judicial com trânsito
em julgado.
Melhor do que a situação atual, que pode ser definida como escárnio. Mas não há como deixar de observar que a mudança representaria enfraquecimento das garantias das carreiras de Estado, que, ao menos em teoria, são mais uma proteção à sociedade do que a servidores individuais —em teoria, é bom frisar.
Intervencionismo de Trump deve ser levado a
sério
Por O Globo
Uso de meios ‘militares’ contra Brasil pode
não passar de bravata, mas os riscos não podem ser desprezados
Torna-se a cada dia mais preocupante a
intervenção de Donald Trump em assuntos internos de outros países — Brasil
inclusive. Trump não respeita aliados nem limites geográficos. Questionada na
terça-feira se ele considerava sanções adicionais em caso de condenação de Jair
Bolsonaro, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, respondeu que o
governo americano não descarta usar meios “econômicos” e “militares” para
proteger o que ela chamou de “liberdade de expressão ao redor do mundo”. É
evidente que as palavras dela, sozinhas, no contexto em que foram proferidas,
devem ser interpretadas com ceticismo. Mas, diante da sucessão de fatos
recentes, não podem ser desprezadas.
De julho para cá, os Estados Unidos impuseram
sanções contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes
usando a Lei Magnitsky, até então aplicada a casos de abusos de direitos
humanos ou corrupção. Também aumentaram as tarifas de produtos brasileiros em
50%. E Trump, aliados ou representantes como Leavitt não perdem uma
oportunidade de fazer novas ameaças.
O Brasil está longe de ser o único país
submetido a esse tipo de pressão. No caso da Índia, nem a afinidade ideológica
nem o histórico de bom relacionamento com o primeiro-ministro Narendra Modi
evitaram a imposição das mais altas tarifas para forçar os indianos a parar de
comprar petróleo russo. Na semana passada, a Casa Branca ameaçou a União
Europeia com sanções, na tentativa de reverter uma multa sofrida pelo Google e
a regulação mais rigorosa das plataformas digitais. No caso de um adversário
fraco, o venezuelano Nicolás Maduro, os americanos enviaram navios e tropas,
criando uma ameaça militar concreta.
É certo que nada de parecido foi esboçado em
relação ao Brasil. Por isso fez bem o Itamaraty ao reagir com sobriedade à
porta-voz da Casa Branca, condenando o “uso de sanções econômicas ou ameaças de
uso da força” contra a democracia brasileira. “O primeiro passo para proteger a
liberdade de expressão é justamente defender a democracia e respeitar a vontade
popular expressa nas urnas”, afirmou. “É esse o dever dos três Poderes da
República, que não se intimidarão por qualquer forma de atentado à nossa
soberania.”
À frente da maior potência econômica e bélica
do planeta, Trump não tem se furtado a usar seu poder de coerção para influir
na política externa e interna de outros países. Mas os Estados Unidos também
pagarão um preço por isso. A interferência cria incentivos para que os alvos de
pressão encontrem caminhos alternativos. Exportadores brasileiros e indianos já
buscam outros mercados para seus produtos. Os canadenses reviram decisões que
resultaram na dependência exagerada dos americanos em termos econômicos e
também de segurança. Os europeus estão cientes de não poder mais confiar na
aliança atlântica que garantiu sua segurança depois da Segunda Guerra e
investem em maior autonomia.
A fragmentação geopolítica não virá sem custos
para todos, inclusive para os Estados Unidos. Acordos multilaterais permitem
avanços mais rápidos. Quando prevalece a lei da selva, há mais desconfiança e
mais motivo para disputa. Trump já deu início a uma nova corrida armamentista.
Embora as palavras de sua porta-voz em relação ao Brasil possam não passar de
bravata, quanto mais se fala em resposta militar aos problemas, mais provável
ela fica.
Queda na inflação é resultado da autonomia do
Banco Central
Por O Globo
Deflação registrada em agosto traduz acerto
da política monetária restritiva adotada na gestão Galípolo
A deflação registrada em agosto — os preços
ao consumidor caíram 0,11%, de acordo com o IBGE — é prova do acerto da
política monetária restritiva que vem sendo adotada pelo Banco Central (BC). É
verdade que, em 12 meses, a inflação ainda está em 5,13%, acima do centro (3%)
e do limite superior da meta (4,5%). Mas o índice mensal vem caindo de forma
consistente desde fevereiro, graças ao aperto nos juros promovido pelo BC sob a
presidência de Gabriel Galípolo.
O controle inflacionário só tem sido possível
em virtude da autonomia do BC e da consequente capacidade de resistir à pressão
política pelo alívio monetário. Ao contrário do que sugeria o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva com bazófia, ao afirmar que Galípolo iria “consertar a
taxa de juros”, logo na primeira reunião sob seu comando a taxa básica, a
Selic, subiu 1 ponto percentual, para 13,25%. Desde então, chegou aos atuais
15%, patamar considerado necessário para conter as expectativas inflacionárias.
Felizmente, em vez de criticar Galípolo pela condução rigorosa da política
monetária, como fez repetidas vezes quando o BC era presidido por Roberto
Campos Neto, Lula parece ter esquecido o assunto.
Claro que os juros continuam altos, e a
inflação continua a preocupar. Duas variáveis trazem incertezas para o futuro.
A primeira é a reconfiguração do comércio global depois do tarifaço de Donald
Trump. Não se sabe ao certo o impacto das tarifas nos preços de mercadorias e
serviços — mas é evidente que ele não será nulo. É importante, por isso, que a
inflação tenha assumido uma trajetória de queda, permitindo maior amplitude
para qualquer ajuste futuro que se faça necessário nos juros.
A segunda variável é a crise fiscal endêmica
semeada pelo governo Lula, com o beneplácito e cooperação do Congresso. A isso,
o BC também precisa estar atento. Há recorrentes exemplos de surtos
inflacionários deflagrados no Brasil por políticas expansionistas, que só
cuidaram da geração de renda e empregos. Conduzir uma economia apenas na base
da “vontade política” resulta em inflação, alta de juros, recessão e desemprego
— o oposto do que desejam os voluntaristas. O Planalto, por ortodoxia
ideológica, resiste a executar uma política fiscal responsável, que contribua
para reduzir as pressões inflacionárias. Paradoxalmente, contribui para que os
juros tenham de ficar altos por mais tempo — e paga o preço na queda da
atividade econômica, já constatada nos últimos dados de emprego e PIB.
É um alento a autonomia do BC permitir atravessarmos a pressão inflacionária com mais segurança até que os Estados Unidos, onde o Federal Reserve está sob ataque de Donald Trump, que deseja forçar queda dos juros. No Brasil, a ponte entre dois governos ideologicamente antagônicos, com Campos Neto substituído por Galípolo, contribuiu para sedimentar na prática a autonomia, sem a qual não teria havido queda na inflação.
Ciências exatas têm baixa atração no ensino
brasileiro
Por Valor Econômico
Relatório ressalta o aprofundamento do fosso
entre o Brasil e o resto do mundo no conhecimento e desenvolvimento tecnológico
Entre os países da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo dos que possuem maior
renda, o Brasil é o que tem menos alunos em engenharia, matemática, ciência e
tecnologia e dos que mais têm alunos em administração e direito, mostra a
edição de 2025 do “Education at a glance” da instituição, que compara
indicadores de 30 países, entre membros e parceiros, como o Brasil. Com alta
desigualdade de renda e oportunidades, ele é o que apresenta uma das maiores
diferenças entre quem tem o diploma universitário e os que não têm, 148%, ante
54% da média dos países da organização.
Os números reforçam o fosso que vai se
aprofundando entre o Brasil e o resto do mundo no conhecimento e
desenvolvimento tecnológico, essencial para a adaptação bem-sucedida a uma nova
revolução, a da inteligência artificial. Nações com o mesmo estágio de desenvolvimento,
ou inferior, têm atentado para esse gap e procurado fechá-lo, como Grécia,
Índia, México e Chile. Enquanto, em 2024, 16% dos estudantes brasileiros
cursavam disciplinas de ciências exatas, a Grécia tinha 30% deles nessa
situação, a Índia, 28% e o Chile, 27%.
A estrutura auxiliar do ensino básico que
poderia melhorar essa performance e lançar mais alunos nas carreiras
científicas ainda progride lentamente no país: o ensino técnico. Embora tenha
crescido de 8% para 14% entre 2019 e 2024, a proporção brasileira de
matriculados nessas disciplinas era de apenas um terço da média da OCDE, e
inferior mesmo à de vários países da América Latina.
O Brasil presta muita atenção à grande evasão
escolar no ensino médio. As estatísticas da OCDE revelam que algo semelhante
ocorre também no ensino superior. Abandonam a faculdade no primeiro ano 25% dos
matriculados, ante uma média da OCDE de 14%. O diagnóstico óbvio é que falta
orientação profissional para os estudantes que estão a um passo de escolherem
suas carreiras, ainda que em sua opção inicial e reversível.
Entre os que permanecem no curso superior,
38% conseguem concluí-lo no período regular estipulado. Um ano depois dele, o
contingente de formados sobe para 43% e, três anos depois, para 49%. Na média da
pesquisa, o percentual de conclusão regular não difere muito, 43% no primeiro
ano, mas a diferença entre os que chegam ao diploma após três anos é muito
maior que a brasileira, 70%. Isso se reflete no total de pessoas com o superior
completo, 24% no Brasil, um pouco menos da metade dos 49% dos países
desenvolvidos e mais importantes emergentes.
A carreira universitária não vai melhor nos
estágios subsequentes. Entre pessoas de 24 a 34 anos, as que possuem mestrado
no Brasil somam 1%, um dos menores índices do estudo, no qual a média é de 16%.
A performance comparativa ruim no grau de
educação superior é decorrência inevitável do baixo desempenho no estágio
anterior do aprendizado. O Brasil tem 27% de pessoas que não concluíram o
ensino secundário, ainda assim um progresso em relação aos 32% nessa situação
em 2019, antes da pandemia. Mesmo assim, essa taxa é o dobro da média da OCDE,
de 13%.
O relatório da OCDE mostra uma realidade um
pouco diferente dos testes do PISA, onde o Brasil vai sempre mal e se coloca
entre os últimos colocados em matemática, ciências e leitura. Ele aponta um
fenômeno que parece geral e atinge a OCDE. Entre adultos que não concluíram o
ensino médio, 61% tiveram uma nota correspondente ao nível 1 em leitura na
pesquisa de habilidades da instituição. Isso significa que elas conseguiam no
máximo ler textos curtos em tópicos familiares sem entender textos mais longos
com mais nuances informativas. Entre os que tinham o curso médio completo, 30%
não passaram do nível 1, em uma escala de 5, em leitura. E, no caso dos adultos
com curso superior, as estatísticas ruins médias não distanciavam muito das
brasileiras: 13% dos que concluíram faculdades também fracassaram no
entendimento de textos do nível elementar em 2023.
Uma das razões para isso pode estar no
preparo e na disponibilidade de professores. O estudo mostra que 7% dos que se
dedicam à educação secundária não têm qualificação necessária para ensinar, uma
quantia irrisória perto da do Brasil. Dados do MEC indicam que em 2023 cerca de
51,7% dos professores de ensino médio no Brasil não tinham licenciatura na
disciplina que ensinam e, nos anos finais do ensino fundamental, essa proporção
subia para 67,2%.
Os gastos com educação comparativos não colocam o Brasil em má situação. O país investe 4% do PIB, ante 3,6% da média da OCDE. No entanto, a média per capita mostra uma diferença grande, de US$ 3.850 aqui e US$ 12.780 nos países do grupo. Recursos importam, mas organização, currículos adequados, boa formação, estrutura salarial e de incentivos ao aperfeiçoamento, avaliação de escolas e sistemas modernos de escolha dos administradores dos estabelecimentos de ensino fazem uma enorme diferença. O Brasil ainda patina em todos eles e precisa urgentemente superar esse atraso.
Correios rumo ao precipício
Por O Estado de S. Paulo
Retirada da lista de privatizações no início
da atual gestão de Lula, a estatal multiplica prejuízos bilionários na pior
crise de sua história e continua sob disputa de PT e União Brasil
O extraordinário rombo dos Correios no
primeiro semestre deste ano, mais do que o triplo do prejuízo bilionário do
mesmo período do ano passado, dirimiu qualquer dúvida – se é que ainda restava
alguma – sobre a viabilidade de manter a empresa sob controle estatal.
O saldo deficitário de janeiro a julho, de R$
4,37 bilhões, não apenas escancarou a piora em relação à primeira metade de
2024 (R$ 1,35 bilhão negativo) como já representa aumento de quase 70% em
relação ao prejuízo de todo o ano passado, de R$ 2,6 bilhões.
Trata-se de uma derrocada espantosa, que o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, candidamente atribuiu à permissão para
que outras empresas ingressassem no mercado de entrega de encomendas, deixando
aos Correios o “passivo de ter de entregar cartas nas regiões mais remotas do
País”. Se o ministro realmente crê nessa tese não se sabe, mas foi a desculpa
que usou, em entrevista à Rede Bandeirantes, ao alegar que os Correios ficam
“com o osso” enquanto outras empresas dividem “o filé mignon e a picanha”.
Ora, “entregar cartas em regiões mais
remotas” não justifica um prejuízo equivalente a mais da metade do faturamento
dos Correios, da ordem de R$ 8,2 bilhões. Ademais, a rigor, não havia monopólio
sobre a entrega de encomendas, razão pela qual empresas privadas do setor há
décadas atuam livremente no País.
O que o ministro Haddad não pode admitir,
porque é petista, é que o rombo dos Correios é resultado da submissão da
empresa a interesses político-partidários, como sói acontecer com quase todas
as estatais, especialmente quando estão sob comando do PT ou de seus
associados.
O fato é que sob a gestão Lula a companhia
vive o pior momento de sua história, na situação incomum de permanecer há mais
de dois meses sob uma presidência demissionária. No início de julho, Fabiano
Silva dos Santos entregou a Lula sua carta de demissão, mas está sendo mantido
até a escolha do sucessor, cargo disputado entre o PT e o União Brasil, do
presidente do Senado, Davi Alcolumbre.
Eis aí o retrato da situação que desembocou
no balanço deficitário dos Correios, que o advogado Fabiano dos Santos por
certo esperava sanar com seu MBA em Gestão Estratégica de Empresas. O
loteamento de cargos, a disputa política, a gestão de negócios submetida a
interesses do governo de ocasião são problemas que atingem não apenas a
empresa, mas também seu fundo de pensão – basta lembrar que o Postalis já foi e
ainda é investigado por malversação de recursos, tendo ex-diretores já
condenados pelo Tribunal de Contas da União.
A diretoria dos Correios é dividida entre
ungidos pelo PT e pelo União Brasil e a expectativa é de que saia desse grupo o
nome do novo presidente da empresa. Não é preciso ser profeta para prever que a
mudança na direção nada representará – a não ser, talvez, para os principais
interessados no controle da empresa. A transferência à iniciativa privada, em
modelo que preserve a universalidade do serviço postal ou até mesmo a
fragmentação dos serviços, como cogitado no programa que vinha sendo desenhado
no BNDES, é o único caminho possível para recuperar a empresa.
Ao invés disso, as soluções buscadas são de
mais endividamento, como o empréstimo de R$ 4 bilhões que está sendo negociado
com o Banco do Brics – presidido pela petista Dilma Rousseff – e/ou aporte de
valor semelhante pelo governo, que já não tem de onde tirar recursos para as
próprias necessidades.
Disputando mercado com empresas que
investiram pesado em tecnologia para concorrer na entrega de encomendas,
aproveitando a explosão do comércio digital, os Correios marcham celeremente
para a obsolescência, ditada pela ideologia de um governo incapaz de acompanhar
a evolução da sociedade. A situação da estatal de fato “inspira cuidados”, para
usar a expressão do ministro Haddad, mas não apenas isso. Exige dos agentes
públicos a responsabilidade de propor a única solução possível para manter seu
funcionamento.
Progressão continuada sob ataque
Por O Estado de S. Paulo
Comissão da Câmara quer acabar com o
instrumento adotado em mais da metade do País para reduzir evasão escolar.
Seria um bom debate sobre educação, se não estivesse contaminado por ideologia
Mais da metade das redes estaduais e
municipais de ensino do País adota algum sistema de progressão continuada na
educação básica – instrumento usado há cerca de 30 anos de forma crescente, mas
não obrigatória, para conter a alta taxa de reprovação e reduzir a evasão
escolar decorrente do desânimo, do prejuízo do aprendizado e da repetência dos
alunos. O sistema foi sendo aperfeiçoado por longos debates iniciados ainda na
década de 1980, quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
definiu o estudo por ciclos, e não apenas séries isoladas. Mas, para alguns
parlamentares que dão expediente na Comissão de Educação da Câmara, trata-se de
mera “aprovação automática”, um faz de conta que empurra alunos para a série
seguinte mesmo sem aprender o básico. Com base nessa simplificação, trabalham
para alterar a LDB, barrar a progressão continuada como estratégia pedagógica e
afetar a vida de pelo menos 5 milhões de alunos País afora, segundo
levantamento do jornal O Globo.
O problema é mais complexo do que fazem supor
os deputados. É sempre um perigo quando o debate educacional é contaminado por
ideologias e reducionismos. Convém, portanto, qualificar a discussão antes que
o Congresso avance em tal medida.
Em primeiro lugar, não custa sublinhar que
progressão continuada não é o mesmo que “aprovação automática”. No ensino
fundamental, o Brasil tem duas formas básicas: ensino por séries ou por ciclos.
A primeira pressupõe que cada aluno com desempenho insatisfatório seja
reprovado ao final do ano letivo, enquanto os que dominam o conhecimento
esperado devem progredir para a próxima série. Mas o ensino por ciclos é
diferente. Nele, os estudantes devem obter as habilidades e competências em um
ciclo que é mais longo do que um ano ou uma série. Os ciclos são uma tentativa
de regularizar o fluxo dos alunos ao longo dos anos na escola, fazendo com que
os estudantes tenham acesso ao ensino sem interrupções ou repetências que criem
desânimo ou prejudiquem ainda mais o aprendizado.
Segundo ponto importante: o sistema passou a
ser discutido a partir das evidências de que, na maioria dos casos, a
repetência se mostrou contraindicada, por não resultar em ganho para os que
estão repetindo. Há importante estudo da
Unesco, para citar apenas um, que aponta, no caso dos países em
desenvolvimento, mais danos do que vantagens no uso da reprovação. Em comparações
de alunos com as mesmas dificuldades, os que progrediram na escola tiveram
vantagens sobre os que repetiram, pois puderam seguir com o mesmo grupo de
colegas e recuperar parte das habilidades esperadas. Sem esquecer o efeito
colateral mais grave: a evasão escolar.
Essa constatação não significa que haja um
consenso absoluto na medida, dada a preocupação inevitável com a qualidade do
aprendizado. Tampouco que a progressão continuada não exija aperfeiçoamentos,
especialmente no acompanhamento efetivo dos alunos e o devido auxílio para
recuperar habilidades não adquiridas. Não é simples, mas está longe de ser um
faz de conta. Números oficiais apontam, por exemplo, que os porcentuais de
alunos com aprendizagem adequada em língua portuguesa e matemática no 5.º ano
do ensino fundamental eram, respectivamente, de 39% e 19% em 1995 – um ano
antes de os ciclos entrarem na lei federal –, e os dados mais recentes
disponíveis, referentes a 2023, mostram que esses porcentuais subiram para 55%
e 44%. Ainda são inaceitáveis? Sim. Mas, na comparação histórica, estamos
melhores. Ou menos piores.
Não poucos especialistas sugerem que o
problema da baixa aprendizagem não decorre exclusivamente da aprovação ou
reprovação, e sim da falta de um sistema pedagógico coerente, um currículo bem
estruturado, materiais didáticos adequados, apoio a alunos com problemas e
estratégias de recomposição. Em outras palavras, há muito mais fatores
envolvidos do que a propalada “aprovação automática”, artifício usado por seus
algozes contaminados pela ideologia e que, no fundo, atrapalha a discussão que
realmente importa: avançar nos meios e nos resultados da aprendizagem dos
alunos.
Os estilhaços do ataque em Doha
Por O Estado de S. Paulo
Ação de Israel atinge um aliado dos Estados
Unidos, e implicações são uma perigosa incógnita
O ataque israelense contra líderes do Hamas
em Doha quebrou um tabu cuidadosamente preservado desde o início da guerra em
Gaza: atingiu um aliado dos EUA e mediador das negociações. O recado de
Binyamin Netanyahu foi inequívoco: “Acabaram-se os dias de imunidade para
líderes terroristas”. O que a decisão significa para o futuro da guerra e a
ordem regional é bem mais incerto.
Tudo indica que Israel respondeu a dois
estímulos convergentes: a oportunidade de decapitar o Hamas e a frustração
crescente com negociações arrastadas, em que o Hamas usava a procrastinação
como arma e o Catar servia de refúgio confortável para líderes cada vez mais
recalcitrantes.
Alguns terroristas importantes foram dados
como mortos; outros, aparentemente, sobreviveram. Se a operação tiver de fato
eliminado parte relevante da cúpula política do Hamas, poderá abrir espaço para
figuras mais pragmáticas – ou para a ascensão de quadros ainda mais radicais da
ala militar em Gaza. Se os principais líderes escaparam, Israel corre o risco de
ter assumido altos custos diplomáticos sem ganhos estratégicos proporcionais.
Para Netanyahu, a fatura é igualmente
ambivalente. Um êxito inequívoco lhe daria capital político para, quem sabe,
desafiar aliados de extrema direita e alavancar a libertação dos reféns. Um
fracasso reforçaria o isolamento de Israel, alimentaria suspeitas de descuido
com os sequestrados e corroeria ainda mais a confiança dos parceiros
internacionais.
O Catar, por sua vez, vê ruir a aura de
mediador indispensável com que encobria sua ambivalência, e já ameaça abandonar
o processo de negociação, abrindo espaço para o Egito. Isso não significa,
porém, que a diplomacia regional saia fortalecida: se Israel concluiu que Doha
era só um palco de protelação, a lógica da negociação incremental pode ter
chegado ao fim.
Para Washington, o episódio é embaraçoso.
Donald Trump apressou-se em dizer que não autorizou a operação, mas reiterou
que “eliminar o Hamas é um objetivo digno”. A mensagem contraditória – crítica
ao local, apoio ao propósito – reforça a percepção de que os EUA perderam
capacidade de condicionar seu principal aliado.
Por trás dos protestos, os países árabes veem
com satisfação a agonia do Hamas – mas temem um Israel cada vez mais hegemônico
e um guarda-chuva americano cada vez mais poroso.
Eis o jogo de sombras. Se Israel demonstrou
que nenhum refúgio é seguro, talvez tenha também fechado as últimas portas de
negociação. Se pretendia mostrar força, pode ter exibido vulnerabilidade caso
os alvos centrais tenham sobrevivido. Como em uma mesa de pôquer, conhecemos
algumas cartas abertas – o “braço longo” de Israel, ruínas em Doha, condenações
diplomáticas –, mas ainda ignoramos as cartas que realmente importam: quem
morreu, quem decide no Hamas, até onde vai a paciência de Trump, e se o Catar
seguirá jogando.
Possivelmente, estamos diante de um divisor de águas. Mas se ele conduzirá à vitória israelense, a uma escalada regional ou a um rearranjo diplomático ainda é questão em aberto. No Oriente Médio, como se sabe, certezas são sempre mais frágeis do que parecem.
Preservação do Cerrado exige vigília
constante
Por Correio Braziliense
Depois de um 2024 sufocante, as queimadas
arrefeceram neste ano, há de se ressaltar. Mas a situação definitivamente não é
de tranquilidade
Fala-se que o Cerrado é uma espécie de caixa
d'água do Brasil e do resto da América Latina. Nada mais ilustrativo para
evidenciar a importância do bioma onde estão nascentes fundamentais da região,
como as dos rios São Francisco, Paraná e Paraguai. De tão estruturante, tem dia
específico, celebrado nesta quinta-feira. Justamente quando as atenções
costumam estar voltadas para a combinação de clima seco, baixa umidade e
irresponsabilidade humana que o ameaça, causando incêndios devastadores.
Depois de um 2024 sufocante, as queimadas
arrefeceram neste ano, há de se ressaltar. Mas a situação definitivamente não é
de tranquilidade. Só nesta terça-feira, o incêndio que atingiu a Floresta
Nacional de Brasília (Flona) queimou 220 hectares, quase 6% da área da unidade
de conservação. No último domingo, os esforços se concentraram contra incêndios
em 546 hectares de vegetação, indica o Corpo de Bombeiros do DF. Juntas, as
áreas atingidas equivalem a cerca de 820 campos de futebol em chamas.
A destruição do bioma repete-se em outras
unidades da Federação, como na Chapada dos Veadeiros, em Goiás; na comunidade
Quilombola Grotão, em Tocantins; na Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso; e no
Parque Estadual da Lapa Grande, em Minas Gerais. Ainda assim, autoridades
trabalham com um cenário menos crítico que o da temporada anterior.
Ontem, a ministra do Meio Meio Ambiente e
Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou que houve uma "queda
significativa" no desmatamento do Cerrado, considerando o cenário deste
ano e o de 2024. O incêndio é um dos principais desencadeadores desse tipo de
degradação ambiental. No caso do Cerrado, a condição "estava fora de controle",
enfatizou a chefe da pasta, sem revelar os novos números.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), agosto terminou com uma marca histórica: a maior queda em
incêndios florestais desde 1988, quando o monitoramento começou a ser
realizado. O destaque foi a redução no Pantanal, de 98%, em relação à média dos
últimos oito anos. A no Cerrado foi de 42,4%. Maior destinação de recursos,
contratação de brigadistas por períodos mais extensos e a implementação da
Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo estão entre as razões indicadas
por especialistas para a reversão expressiva.
Ao Correio, Isabel Schmidt, professora do
Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), alertou, porém, que
"não há motivo para baixar a guarda". A também pesquisadora da Rede
Biota Cerrado enfatizou a necessidade de se construir um arcabouço legal para que
a política de manejo implementada em 31 de julho de 2024 tenha efeito
disseminado. "Cada estado e município precisa regulamentar como o fogo
pode ser usado, quem pode queimar, quais são os processos autorizativos",
ilustrou. O prazo para se adequar às regras é março de 2027.
Mesmo com os avanços locais, é imprescindível que sejam estabelecidas e aprimoradas articulações entre os entes federativos para facilitar a promoção de ações conjuntas de enfrentamento aos incêndios e proteção do Cerrado. Trata-se de um desafio nacional. Aquele domingo de agosto em que moradores do Centro-Oeste e do Sudeste amanheceram sufocados por uma névoa densa refuta qualquer entendimento contrário. O céu coberto por fumaça em Brasília, Ribeirão Preto (SP), Uberlândia (MG) e Goiânia, entre outras cidades, em 2024, é prova contundente de que a preservação ambiental exige soluções imediatas e integrativas.
Brasil sob a ameaça de Trump
Por O Povo (CE)
As ofensas de Donald Trump ao Brasil deveriam
unir o País, acima de divergências partidárias e ideológicas, pois se trata de
defender a soberania brasileira
Com o julgamento do ex-presidente Jair
Bolsonaro e aliados, por tentativa de golpe de Estado, o governo americano
subiu o tom das ameaças contra o Brasil.
Na quarta-feira, a secretária de Imprensa
da Casa Branca, Karoline Leavitt, afirmou que os Estados Unidos estão
dispostos a usar seu "poder econômico" e até mesmo seu "poder
militar" para defender a liberdade de expressão em todo o mundo.
A declaração foi vista como um aviso claro de
que o presidente Donald Trump pretende continuar sua cruzada na tentativa de
livrar o ex-presidente Jair Bolsonaro da prisão. Leavitt somente poderia dar
uma declaração desse tipo, em linha com o presidente americano.
Outra evidência de que a campanha vai se
intensificar foi verificada no início deste mês, quando uma delegação de empresários
brasileiros reuniu-se com o vice-secretário de Estado dos EUA, na tentativa de
reduzir as tarifas impostas ao Brasil.
Segundo apurou o jornal Folha de S.Paulo, na
ocasião, o secretário teria afirmado que o governo americano estaria disposto
ao diálogo, mas que a discussão era política. Assim, aconselhou os
empresários a fazerem lobby em Brasília, em vez de Washington.
A referência clara é ao Congresso
Nacional, onde os aliados de Bolsonaro tentam emplacar uma anistia, que poderia
até devolver a elegibilidade do ex-presidente brasileiro.
Quanto a usar o poder militar contra o Brasil,
a declaração fica no terreno das bravatas, apesar da
imprevisibilidade do mandatário americano.
Pode-se listar uma série de arroubos que
caíram no vazio, ainda que outras medidas, das quais muitos duvidavam, ele vem
aplicando com rigor. Principalmente quanto à perseguição aos imigrantes, corte
de verbas para universidades e saúde e também ao desprezo com que trata os
mecanismos para combater o aquecimento global.
De qualquer forma, a instabilidade de Trump é
um fator de insegurança para o mundo inteiro.
Apesar desses ataques desmedidos contra o
Brasil, ainda existe um setor expressivo da sociedade, sob a liderança dos
Bolsonaros, que contribuem para que um governo estrangeiro queira
ditar o que os brasileiros podem ou não fazer. Isso ficou explícito na manifestação
de Sete de Setembro, organizada por aliados de Bolsonaro. O destaque foi uma
gigantesca bandeira americanas, símbolo do apoio a Donald Trump e sua política
intervencionista.
O governo brasileiro responde de forma
diplomática, porém firme, a esses ataques gratuitos, oriundos dos Estados
Unidos. Porém, essas ofensas deveriam unir o País, acima de divergências
partidárias e ideológicas, pois se trata de defender a soberania do País, à
qual todos os brasileiros têm — ou deveriam ter — a obrigação de defender.
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