quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Piadas de mau gosto. Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Bolsonaro, que sempre defendeu ditadura e tortura, incorre em humor involuntário quando denuncia ditadura da toga e tortura a Cid

O masoquista é a pessoa que gosta de um banho frio pelas manhãs e, por isso, toma uma ducha quente. Já o sádico é a pessoa que é gentil com o masoquista.

Ok, não são as piadas mais engraçadas do mundo, mas elas capturam bem o que Arthur Koestler descreveu como gramática do humor. Para o escritor húngaro, nós rimos quando percebemos um choque entre dois códigos de regras ou de contextos, ambos consistentes, mas incompatíveis entre si.

Num plano puramente abstrato, em que fôssemos capazes de ignorar danos concretos (prejuízos à economia brasileira) e potenciais (riscos para a democracia brasileira), seria forçoso reconhecer que Jair Bolsonaro e seu entorno estão proporcionando ao país um delicioso festival de humor.

O choque de incompatibilidades aqui não se limita a palavras, abarcando também a biografia, o que lhe confere uma camada extra de densidade. Com efeito, Bolsonaro passou as últimas três décadas defendendo a ditadura e a tortura.

Causa divertido incômodo, portanto, vê-lo agora denunciar uma suposta ditadura da toga e acusar Alexandre de Moraes de ter torturado seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que se tornou delator no processo da trama golpista. Pela lógica bolsonarista, se é verdade que Moraes torturou Cid, o magistrado deveria receber uma medalha, pois estaria, como o sádico da piada, satisfazendo um velho desejo do capitão reformado —um gesto de gentileza.

Bolsonaro não está só no show de stand-up comedy involuntário. Seu ídolo Donald Trump também incorre em choque de incompatibilidades quando determina a punição de Alexandre de Moraes por suposta violação da primeira emenda da Constituição dos EUA, que assegura a plena liberdade de expressão, mas reprime estudantes que participam de protestos pró-Palestina, atos em teoria cobertos pela primeira emenda.

O problema de fundo é que os choques de incompatibilidade, embora sejam a matéria-prima do humor, são também contradições que alimentam várias modalidades de injustiça e estão na base do poder tirânico.

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.