segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Política como negócios e negócios com política. Por Bruno Carazza

Valor Econômico

Fragilização de regras eleitorais, anistia a partidos e elevação de recursos do fundão e emendas dão sinal errado para quem faz da política um negócio e para quem negocia com políticos 

Em 10/02/2025, Donald Trump emitiu uma ordem executiva suspendendo qualquer investigação contra empresas americanas suspeitas de subornar autoridades de governos estrangeiros. Na prática, ele tornou sem efeito o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), editado em 1977 quando uma apuração da Securities Exchange Commission (a CVM de lá) comprovou que centenas de empresas dos Estados Unidos mantinham um caixa dois para pagar propinas no exterior.

Esse retrocesso teve um preço - e ele foi apropriado justamente pelas multinacionais que eram alvo dos órgãos anticorrupção americanos. Analisando o desempenho do mercado acionário americano, os pesquisadores Lorenzo Crippa, Edmund J. Malesky e Lucio Picci constataram que as 261 firmas que tinham processos judiciais e administrativos envolvendo o FCPA tiveram uma valorização de US$ 39 bilhões apenas no dia da edição do decreto de Trump, quando comparadas com outras 236 empresas de setores similares que não possuíam problemas com a lei anticorrupção.

Caso raro de pesquisa acadêmica rigorosa publicada no calor do debate político, os autores sugerem que a eliminação do risco de uma punição promovida pela decisão de Trump mudou os incentivos dos investidores, que passaram a reconsiderar aplicar seu dinheiro em empresas que, antes, eram percebidas como problemáticas pelas suspeitas de corrupção.

Nesta semana a primeira turma do Supremo Tribunal Federal pretende concluir o julgamento de Jair Bolsonaro e de mais sete réus implicados com a tentativa de golpe e os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Ao que tudo indica, o relator Alexandre de Moraes e a maioria dos integrantes do colegiado devem condenar o ex-presidente e seus cúmplices, emitindo um sinal claro de que no Brasil não são toleradas ações planejadas contra a democracia e suas instituições.

No entanto, uma ampla articulação no Congresso Nacional pode levar à aprovação de um projeto de lei que anistiará Bolsonaro e todos que participaram do movimento que tentou evitar a transmissão de poder a Lula. Caso isso aconteça, prevalecerá a ideia de que o crime (antidemocrático) compensa.

No caso do combate à corrupção, tanto o Congresso quanto o próprio STF contribuíram em inúmeras frentes para passar a sinalização de que o mau uso e os desvios de recursos públicos dificilmente são punidos no país, fazendo o crime valer a pena.

Boa parte desses retrocessos foi conduzida pelos próprios ministros do STF. Logo após a adesão de Sergio Moro e Deltan Dallagnol - símbolos da Operação Lava Jato - ao bolsonarismo e as revelações da Vaza Jato, houve uma reversão da maioria do entendimento da nossa Suprema Corte que não se limitou a derrubar decisões com amplo amparo em provas - como os registros dos sistemas Drousys e MyWebDay da Odebrecht ou os registros de pagamentos de propinas pela JBS.

Sob a justificativa de conter os abusos do voluntarismo judicial de Moro e cia., a virada garantista do STF tornou muito mais difícil colocar corruptos e corruptores na cadeia por meio de julgados como a atribuição de competência à Justiça Eleitoral (menos estruturada do que a Justiça Federal) para julgar crimes como caixa 2 eleitoral e a possibilidade de prisão de réus apenas após o trânsito em julgado - o que favorece quem tem condições de pagar (não raro com dinheiro desviado dos cofres públicos) advogados caros que levarão os casos à prescrição.

O Congresso Nacional não ficou atrás. Desde 2015 foram aprovadas inúmeras normas que expandiram o volume de recursos públicos nas mãos de políticos, como emendas, fundo partidário e fundão eleitoral. Além disso, a liberalidade na aplicação dessas verbas, o afrouxamento da fiscalização e a concessão de inúmeras anistias a partidos e candidatos leva à sensação de que aquele dinheiro é privado, e não público.

Os parlamentares também afrouxaram em 2021 a Lei de Improbidade Administrativa e a Lei da Ficha Limpa, duas das nossas principais armas para punir corruptos e corruptores.

E enquanto nossas atenções estão no julgamento de Bolsonaro, deputados e senadores avançam com uma pauta bomba de mais benesses e proteções para si próprios: PEC da Blindagem, novas mudanças na Lei de Ficha Limpa, outra reforma eleitoral e poder para demitir diretores do Banco Central.

Em qualquer encontro de empresários no país sempre surgem reclamações quanto à péssima qualidade de nossos políticos. No entanto, nunca se ouve nossas lideranças empresariais se insurgirem contra decisões como as listadas acima.

Será que nossos super executivos e empresários de sucesso se calam porque leis e decisões que beneficiam quem faz da política um negócio também são lucrativas para as empresas que negociam com os políticos, tal qual ficou demonstrado no caso de Trump com o FCPA?

PS: Agradeço ao colega Manoel Gehrke, um dos melhores pesquisadores brasileiros sobre corrupção da nova safra, a indicação do artigo “Making Bribery Profitable Again? The Market Effects of Halting Extraterritorial Accountability for Overseas Bribery”, citado acima.

 

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