Valor Econômico
Fragilização de regras eleitorais, anistia a partidos e elevação de recursos do fundão e emendas dão sinal errado para quem faz da política um negócio e para quem negocia com políticos
Em 10/02/2025, Donald Trump emitiu uma ordem
executiva suspendendo qualquer investigação contra empresas americanas
suspeitas de subornar autoridades de governos estrangeiros. Na prática, ele
tornou sem efeito o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), editado em 1977
quando uma apuração da Securities Exchange Commission (a CVM de lá) comprovou
que centenas de empresas dos Estados Unidos mantinham um caixa dois para pagar
propinas no exterior.
Esse retrocesso teve um preço - e ele foi apropriado justamente pelas multinacionais que eram alvo dos órgãos anticorrupção americanos. Analisando o desempenho do mercado acionário americano, os pesquisadores Lorenzo Crippa, Edmund J. Malesky e Lucio Picci constataram que as 261 firmas que tinham processos judiciais e administrativos envolvendo o FCPA tiveram uma valorização de US$ 39 bilhões apenas no dia da edição do decreto de Trump, quando comparadas com outras 236 empresas de setores similares que não possuíam problemas com a lei anticorrupção.
Caso raro de pesquisa acadêmica rigorosa
publicada no calor do debate político, os autores sugerem que a eliminação do
risco de uma punição promovida pela decisão de Trump mudou os incentivos dos
investidores, que passaram a reconsiderar aplicar seu dinheiro em empresas que,
antes, eram percebidas como problemáticas pelas suspeitas de corrupção.
Nesta semana a primeira turma do Supremo
Tribunal Federal pretende concluir o julgamento de Jair Bolsonaro e de mais
sete réus implicados com a tentativa de golpe e os atos antidemocráticos de 8
de janeiro de 2023. Ao que tudo indica, o relator Alexandre de Moraes e a
maioria dos integrantes do colegiado devem condenar o ex-presidente e seus
cúmplices, emitindo um sinal claro de que no Brasil não são toleradas ações
planejadas contra a democracia e suas instituições.
No entanto, uma ampla articulação no
Congresso Nacional pode levar à aprovação de um projeto de lei que anistiará
Bolsonaro e todos que participaram do movimento que tentou evitar a transmissão
de poder a Lula. Caso isso aconteça, prevalecerá a ideia de que o crime
(antidemocrático) compensa.
No caso do combate à corrupção, tanto o
Congresso quanto o próprio STF contribuíram em inúmeras frentes para passar a
sinalização de que o mau uso e os desvios de recursos públicos dificilmente são
punidos no país, fazendo o crime valer a pena.
Boa parte desses retrocessos foi conduzida
pelos próprios ministros do STF. Logo após a adesão de Sergio Moro e Deltan
Dallagnol - símbolos da Operação Lava Jato - ao bolsonarismo e as revelações da
Vaza Jato, houve uma reversão da maioria do entendimento da nossa Suprema Corte
que não se limitou a derrubar decisões com amplo amparo em provas - como os
registros dos sistemas Drousys e MyWebDay da Odebrecht ou os registros de
pagamentos de propinas pela JBS.
Sob a justificativa de conter os abusos do
voluntarismo judicial de Moro e cia., a virada garantista do STF tornou muito
mais difícil colocar corruptos e corruptores na cadeia por meio de julgados
como a atribuição de competência à Justiça Eleitoral (menos estruturada do que
a Justiça Federal) para julgar crimes como caixa 2 eleitoral e a possibilidade
de prisão de réus apenas após o trânsito em julgado - o que favorece quem tem
condições de pagar (não raro com dinheiro desviado dos cofres públicos)
advogados caros que levarão os casos à prescrição.
O Congresso Nacional não ficou atrás. Desde
2015 foram aprovadas inúmeras normas que expandiram o volume de recursos
públicos nas mãos de políticos, como emendas, fundo partidário e fundão
eleitoral. Além disso, a liberalidade na aplicação dessas verbas, o
afrouxamento da fiscalização e a concessão de inúmeras anistias a partidos e
candidatos leva à sensação de que aquele dinheiro é privado, e não público.
Os parlamentares também afrouxaram em 2021 a
Lei de Improbidade Administrativa e a Lei da Ficha Limpa, duas das nossas
principais armas para punir corruptos e corruptores.
E enquanto nossas atenções estão no
julgamento de Bolsonaro, deputados e senadores avançam com uma pauta bomba de
mais benesses e proteções para si próprios: PEC da Blindagem, novas mudanças na
Lei de Ficha Limpa, outra reforma eleitoral e poder para demitir diretores do
Banco Central.
Em qualquer encontro de empresários no país
sempre surgem reclamações quanto à péssima qualidade de nossos políticos. No
entanto, nunca se ouve nossas lideranças empresariais se insurgirem contra
decisões como as listadas acima.
Será que nossos super executivos e
empresários de sucesso se calam porque leis e decisões que beneficiam quem faz
da política um negócio também são lucrativas para as empresas que negociam com
os políticos, tal qual ficou demonstrado no caso de Trump com o FCPA?
PS: Agradeço ao colega Manoel Gehrke, um dos
melhores pesquisadores brasileiros sobre corrupção da nova safra, a indicação
do artigo “Making Bribery Profitable Again? The Market Effects of Halting
Extraterritorial Accountability for Overseas Bribery”, citado acima.
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