terça-feira, 14 de outubro de 2025

A Academia Real Sueca manda recado, por Pedro Doria

O Globo

Vencedores se dedicaram à inovação, à relação entre inovar e crescer

O Brasil deveria prestar atenção particular aos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, divulgados ontem. O trabalho de Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt fala, demais, a respeito dos muitos erros que há várias décadas cometemos. Mokyr, em particular, é bem interessante. Afinal, não é propriamente um teórico da economia. Faz algo similar, porém não igual: é um historiador da economia. Está menos preocupado em modelar para o futuro e mais em compreender por que o passado deu no presente. Os três se dedicaram à inovação, à relação entre inovar e crescer economicamente. Tentam entender a competitividade. Está, ali, a descrição do que fizeram os países que deram certo. Pista: não é o que temos feito há bastante tempo.

Mokyr partiu da inquietação de responder a uma única pergunta nada trivial. A economia do mundo não registrou crescimento relevante na Antiguidade nem na Idade Média e, embora o ponteiro tenha mexido um pouco na Renascença, também não foi nada gigante. Mais concentração de riqueza pela extração de metais preciosos do Novo Mundo que criação de riqueza nova. Aí, quando vem o Iluminismo e, simultaneamente, a Era Industrial, o crescimento explode. O mundo enriquece muito. Esse enriquecimento não ocorre por igual. E, não, a diferença real não é explicada pela quantidade de fábricas.

O que Mokyr — nascido na Holanda, com cidadanias americana e israelense, professor parte do ano na Universidade Northwestern e a outra parte na Universidade de Tel Aviv —percebeu é o seguinte: existe uma cultura. É específica e particular às sociedades que crescem economicamente. E essa cultura é iluminista, liberal e democrática. A partir daí, ela depende de um tripé. Primeiro, há conhecimento vasto. São sociedades que estudam de tudo, acumulam conhecimento, dão valor a ph.D.s, enxergam universidades como criadoras de saber. Sociedades que investem pesado nisso, também com dinheiro do Estado. Segundo, desenvolvem competências mecânicas. O conhecimento teórico se torna prático. Sempre tem alguém para pegar o que nasce como experimento e transformar em tecnologia. E usa-se tecnologia, usam-se ferramentas, tem gente o bastante que trabalha para aplicar o conhecimento, replicar, manipular, fazer. Por fim, a terceira perna: instituições, cultura e abertura. São sociedades perfeitamente confortáveis com disrupção, com debate franco, aberto, sem pudor em desafiar dogmas. O dissenso é celebrado. Os que se levantam contra o statu quo são admirados.

Mudança tecnológica, e este é um dos principais argumentos a que Mokyr chegou, ocorre a despeito das elites industriais, financeiras e governamentais. A tendência perante cada inovação é que interesses corporativos, ou empresas estabelecidas, resistam. A não ser que a cultura de abertura radical esteja muito enraizada, em geral inovações morrem antes de ter alguma chance de se estabelecer.

O Brasil é uma sociedade bastante fechada. Dificulta entrada de tecnologia com impostos, e o Estado ajuda empresas mal adaptadas a ficar de pé, graças a empréstimos a juros que não existem no mercado. Além disso, é barbaramente corporativo, não acredita muito em competição. O momento no mundo é ruim para todos. As ações de Donald Trump, nos Estados Unidos, vão no sentido de derrubar justamente o que fez do país a potência inovadora, portanto econômica, do século XX.

O francês Philippe Aghion e o canadense Peter Howitt dividirão a outra metade do Nobel. Juntos, completam a ideia de Mokyr com seu modelo da Destruição Criadora. É bom que empresas quebrem. É bom que firmas, mesmo com muita tradição e muitos anos, percam mercado. O telefone de disco foi grande, veio o de teclas. O telefone sem fio foi grande, veio o celular. E o smartphone. Se a Nokia não inventou o iPhone, problema dela. Companhias com coragem de lançar produtos que destroem o vasto mercado que dominam, sobrevivem. As outras, muitas, quebram. A cada ciclo de inovação, a riqueza produzida para a sociedade aumenta. Seu modelo de como se dá a Destruição Criadora serve de base para política econômica, para regulação, e para gestão empresarial.

Num momento em que enfrentamos o período mais iliberal desde os anos anteriores à Segunda Guerra, este Nobel lembra do que democracias abertas, que acreditam em debate, cultivam conhecimento e incentivam competição voraz são capazes. O resultado é bom para todos.

 

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