O Globo
Vencedores se dedicaram à inovação, à relação
entre inovar e crescer
O Brasil deveria prestar atenção particular aos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, divulgados ontem. O trabalho de Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt fala, demais, a respeito dos muitos erros que há várias décadas cometemos. Mokyr, em particular, é bem interessante. Afinal, não é propriamente um teórico da economia. Faz algo similar, porém não igual: é um historiador da economia. Está menos preocupado em modelar para o futuro e mais em compreender por que o passado deu no presente. Os três se dedicaram à inovação, à relação entre inovar e crescer economicamente. Tentam entender a competitividade. Está, ali, a descrição do que fizeram os países que deram certo. Pista: não é o que temos feito há bastante tempo.
Mokyr partiu da inquietação de responder a
uma única pergunta nada trivial. A economia do mundo não registrou crescimento
relevante na Antiguidade nem na Idade Média e, embora o ponteiro tenha mexido
um pouco na Renascença, também não foi nada gigante. Mais concentração de
riqueza pela extração de metais preciosos do Novo Mundo que criação de riqueza
nova. Aí, quando vem o Iluminismo e, simultaneamente, a Era Industrial, o
crescimento explode. O mundo enriquece muito. Esse enriquecimento não ocorre
por igual. E, não, a diferença real não é explicada pela quantidade de
fábricas.
O que Mokyr — nascido na Holanda, com
cidadanias americana e israelense, professor parte do ano na Universidade
Northwestern e a outra parte na Universidade de Tel Aviv —percebeu
é o seguinte: existe uma cultura. É específica e particular às sociedades que
crescem economicamente. E essa cultura é iluminista, liberal e democrática. A
partir daí, ela depende de um tripé. Primeiro, há conhecimento vasto. São
sociedades que estudam de tudo, acumulam conhecimento, dão valor a ph.D.s,
enxergam universidades como criadoras de saber. Sociedades que investem pesado
nisso, também com dinheiro do Estado. Segundo, desenvolvem competências
mecânicas. O conhecimento teórico se torna prático. Sempre tem alguém para
pegar o que nasce como experimento e transformar em tecnologia. E usa-se
tecnologia, usam-se ferramentas, tem gente o bastante que trabalha para aplicar
o conhecimento, replicar, manipular, fazer. Por fim, a terceira perna:
instituições, cultura e abertura. São sociedades perfeitamente confortáveis com
disrupção, com debate franco, aberto, sem pudor em desafiar dogmas. O dissenso
é celebrado. Os que se levantam contra o statu quo são admirados.
Mudança tecnológica, e este é um dos
principais argumentos a que Mokyr chegou, ocorre a despeito das elites
industriais, financeiras e governamentais. A tendência perante cada inovação é
que interesses corporativos, ou empresas estabelecidas, resistam. A não ser que
a cultura de abertura radical esteja muito enraizada, em geral inovações morrem
antes de ter alguma chance de se estabelecer.
O Brasil é uma sociedade bastante fechada.
Dificulta entrada de tecnologia com impostos, e o Estado ajuda empresas mal
adaptadas a ficar de pé, graças a empréstimos a juros que não existem no
mercado. Além disso, é barbaramente corporativo, não acredita muito em
competição. O momento no mundo é ruim para todos. As ações de Donald Trump,
nos Estados
Unidos, vão no sentido de derrubar justamente o que fez do país a potência
inovadora, portanto econômica, do século XX.
O francês Philippe Aghion e o canadense Peter
Howitt dividirão a outra metade do Nobel. Juntos, completam a ideia de Mokyr
com seu modelo da Destruição Criadora. É bom que empresas quebrem. É bom que
firmas, mesmo com muita tradição e muitos anos, percam mercado. O telefone de
disco foi grande, veio o de teclas. O telefone sem fio foi grande, veio o
celular. E o smartphone. Se a Nokia não inventou o iPhone, problema
dela. Companhias com coragem de lançar produtos que destroem o vasto mercado
que dominam, sobrevivem. As outras, muitas, quebram. A cada ciclo de inovação,
a riqueza produzida para a sociedade aumenta. Seu modelo de como se dá a
Destruição Criadora serve de base para política econômica, para regulação, e
para gestão empresarial.
Num momento em que enfrentamos o período mais
iliberal desde os anos anteriores à Segunda Guerra, este Nobel lembra do que
democracias abertas, que acreditam em debate, cultivam conhecimento e
incentivam competição voraz são capazes. O resultado é bom para todos.
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