Folha de S. Paulo
O calendário eleitoral molda a política
fiscal e o conflito orçamentário
Choques políticos e judiciais reconfiguram a
barganha Executivo-Legislativo
Em seu livro "Six Crises", Richard Nixon narra seis situações pelas quais passou quando era vice-presidente de Dwight Eisenhower —algumas delas insólitas, como quando, durante uma visita à Venezuela em 1958, uma multidão enfurecida atacou sua limusine poucos meses após a queda da ditadura de Marcos Pérez Jiménez, apoiada pelos EUA. Mas o que nos interessa mesmo aqui é que no livro Nixon argumentou que a derrota dos republicanos em 1954, 1958 e 1960 devera-se ao mau desempenho da economia nos anos eleitorais. O notório conservador fiscal argumentava que para ganhar eleições é preciso expandir o gasto em ano eleitoral. Nisso Nixon e Lula estão de acordo.
Dilma expandiu o gasto em 15% em 2010, também
um ano eleitoral. Bolsonaro,
por sua vez, deu inclusive calote nos precatórios em 2022. O reconhecimento dos
ciclos eleitorais da política fiscal levou a uma onda internacional de
constitucionalização das regras orçamentárias como mostram Adams et al. Mas algumas delas, como o chamado
arcabouço, vão na direção contrária à esperada: são uma licença para gastar,
não um constrangimento fiscal duro.
Não há qualquer mistério nos impasses na
atual disputa em torno do Orçamento. Não se trata de Poder Executivo
sequestrado pelo Legislativo ou nada do gênero. Ou mudanças estruturais no
presidencialismo de coalizão. O fato elementar é que Executivo e Congresso
respondem a incentivos políticos opostos, o que transforma o Orçamento em campo
de disputa. E essa interação ou jogo entre os dois poderes depende de
parâmetros. E aqui houve alteração nos parâmetros por um choque no sistema
político.
Este choque foi o cataclismo produzido pela
política tarifária de Trump e
sua interferência no julgamento de Bolsonaro. O resultado, como se sabe, foi o
fortalecimento do Executivo em virtude do efeito de união nacional em torno da
soberania que engendrou. Lula, que estava nas cordas e enfrentando derrotas
sucessivas no Congresso e, portanto, tornando-se um pato manco, reverteu seu
declínio de popularidade. O jogo endureceu. O placar da votação deixou isso
claro.
A reação do Congresso frente à MP da alta de
impostos reedita o comportamento que levou à derrubada do IOF em junho. O que
está em jogo aqui são gastos livres de amarras que o Executivo poderá fazer em
ano eleitoral quando lideranças congressuais alinhadas a candidaturas
presidenciais rivais impõem obstáculos ao aumento da receita. Ao mesmo tempo, a
maioria congressual também busca a reeleição, o que transforma o Orçamento em
campo de disputa, num jogo de soma zero. Pela sua composição, o Congresso tem
imposto, ao longo da última década, uma forte restrição fiscal assimétrica aos
governos: veto para aumento de receita livre do Executivo, mas não para a
despesa de interesse da maioria legislativa.
Não há qualquer virtude neste jogo. Na
realidade ele se assenta em um desequilíbrio dinâmico insustentável. O
Executivo segue em sua política fiscal expansionista iniciada até antes mesmo
da posse com a PEC da transição e sem alteração da conta de isenções e
benefícios. A expansão dos recursos para estados e municípios e através do
crédito é inédita e cria um quadro paradoxal com Selic a 15%, enquanto o
crédito e o gasto se expandem celeremente.
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