O Globo
É o maior laboratório de inovação humana do
Brasil — porque ali se inventa sobrevivendo, se empreende
Durante décadas, falar de favela foi sinônimo
de ausência: de Estado, de direitos, de reconhecimento. Agora, as favelas
começam a falar por si mesmas — e o que dizem é outra história. A da favela
soberana, que não pede licença: ocupa, inova e decide. Que não quer ser
“integrada”, mas reconhecida como sujeito político e produtivo da cidade.
Recentemente, participei de um debate no Morro Dona Marta, ao lado do presidente da Câmara Municipal carioca, Carlo Caiado, durante o evento Extra Favelas. Ali ficou claro um marco histórico: o Rio de Janeiro é o único município do Brasil cujo Plano Diretor dedica um capítulo inteiro às favelas. Essa conquista muda a lógica do planejamento urbano.
Pela primeira vez, o poder público reconhece
as favelas como parte estruturante da cidade — territórios que produzem
economia, cultura, soluções e vida. O texto legal não as trata como áreas
irregulares, mas como espaços legítimos de cidadania e criação coletiva.
Esse reconhecimento chega em boa hora.
Enquanto o país ainda discute como incluir as favelas nos mapas, elas já criam
seus próprios planos, plataformas e tecnologias. As inteligências que brotam do
“Vale do Silício das favelas” provam que a inovação também nasce da falta.
Jovens criam aplicativos, redes de informação, negócios e startups sociais que
resolvem problemas reais: mobilidade, economia circular, segurança alimentar,
cultura e educação.
A favela é o maior laboratório de inovação
humana do Brasil — porque ali se inventa sobrevivendo, se empreende cooperando
e se sonha junto.
Essa potência também se expressa na cultura.
No próximo dia 4 de novembro, celebra-se o Dia da Favela, data que já é lei em
diversas cidades e que, neste ano, se estenderá por uma Semana da Favela. O
homenageado será o cantor Belo, a quem chamo de “Roberto Carlos das favelas”
por sua capacidade de transformar emoção popular em música, traduzindo o amor,
a dor e a beleza do povo preto e das favelas. Sua trajetória é símbolo do afeto
e da dignidade que resistem onde o Estado ainda não chegou.
A favela soberana é mais que um conceito: é
uma realidade em construção. É o território que planeja sua própria cidade,
produz seus dados, comunica suas narrativas e movimenta sua economia. É onde o
Brasil experimenta novas formas de fazer política, onde o voto nasce da
vivência e não da promessa, onde a coletividade substitui o clientelismo e onde
o futuro é projetado com base em solidariedade e autogestão.
A favela não é o problema — é a resposta. O
futuro do país já acontece nas favelas, nas ladeiras, nas vielas e nas ideias
de quem nunca desistiu de existir com dignidade. Reconhecer isso não é um gesto
de inclusão. É um gesto de justiça.
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