segunda-feira, 13 de outubro de 2025

A tempestade que podemos evitar, por Jarbas Barbosa*

Correio Braziliense

Uma grande tempestade se aproxima da América do Sul. Não traz ventos nem chuvas, mas, sim, doenças crônicas não transmissíveis e problemas de saúde mental

Uma grande tempestade se aproxima da América do Sul. Não traz ventos nem chuvas, mas, sim, doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e problemas de saúde mental que ameaçam nossa saúde, nossa economia e nosso futuro. Mas há esperança: se agirmos agora, podemos evitar essa crise.

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e a Universidade Harvard, essas condições podem custar à América do Sul US$ 7,3 trilhões entre 2020 e 2050, o equivalente a 4% do PIB regional — refletindo mortes prematuras, incapacidades e queda na produtividade.

O custo humano é ainda maior. As doenças crônicas não transmissíveis causam mais de 80% das mortes nas Américas, e quase 40% delas ocorrem antes dos 70 anos. São pais que perdem a vida por infartos evitáveis, ou jovens que enfrentam depressão sem apoio adequado.

A hipertensão afeta mais de um terço da população, mas apenas um em cada três casos está sob controle. A diabetes atinge 13% da população, enquanto a obesidade (presente em um terço dos adultos), o tabagismo, o consumo de álcool, a má alimentação e o sedentarismo alimentam esse problema.

Paralelamente, a saúde mental exige atenção urgente: a depressão é uma das principais causas de incapacidade, e o suicídio é a quarta causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Em comunidades rurais e indígenas, o estigma e a falta de serviços agravam o problema.

A boa notícia é que a América do Sul não está de braços cruzados. Os 10 países analisados pela Opas e pela Universidade Harvard — Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela — estão tomando medidas.

A Argentina conta com uma lei de rotulagem frontal de alimentos baseada nas melhores evidências disponíveis e fortalece a saúde mental com o registro obrigatório de tentativas de suicídio e a capacitação da atenção primária. A Bolívia avança em legislação sobre doenças crônicas não transmissíveis, expande a iniciativa HEARTS — voltada à prevenção e ao controle de doenças cardiovasculares —, adota novas normas para o tratamento do câncer e desenvolve seu Plano Plurinacional de Saúde Mental.

O Brasil está promovendo a taxação de produtos nocivos e acelerando a eliminação do câncer do colo do útero, com cobertura de vacinação contra o HPV próxima de 70% entre meninos e superior a 82% entre meninas, além de um amplo programa de testagem molecular na atenção primária.

O Chile integrou a iniciativa HEARTS em 90% de seus centros de atenção primária, lidera em telessaúde e aplica políticas fiscais saudáveis com uma abordagem territorial e inovadora. O Equador sancionou uma Lei Orgânica de Saúde Mental baseada em um modelo integral e comunitário e expandiu a iniciativa HEARTS a 81% de seus centros de saúde.

A Colômbia reforçou a vacinação contra o HPV, adotou impostos saudáveis e aprovou uma nova lei de saúde mental com investimento significativo para criar uma rede integral de atendimento.

O Paraguai lançou a Política Nacional de Saúde Mental com a linha de ajuda "155 Te Escuta. Sua saúde mental importa" e está implementando o teste de HPV em 80% de seus departamentos.

O Peru tornou-se referência regional ao fortalecer sua rede comunitária de saúde mental, enquanto o Uruguai — líder no controle do tabaco — desenvolve uma nova estratégia voltada aos jovens, promove planos departamentais de prevenção do suicídio e avança na prevenção do câncer do colo do útero. 

A Venezuela, por sua vez, proibiu os cigarros eletrônicos, capacita os profissionais da atenção primária para melhorar o cuidado em saúde mental e cardiovascular e promove o diagnóstico precoce do câncer infantil.

A Opas lidera esse esforço regional por meio das iniciativas "Melhor Atenção para as doenças crônicas não transmissíveis" e HEARTS, fortalecendo a atenção primária e promovendo políticas públicas integradas. Desde o ano 2000, a região reduziu em 16% a mortalidade por doenças crônicas e em 22% o consumo de tabaco, mas ainda enfrenta desafios importantes: acesso desigual, estigmas persistentes e a interferência de indústrias que dificultam o progresso.

Setembro de 2025 representou uma oportunidade estratégica. A Quarta Reunião de Alto Nível das Nações Unidas sobre Prevenção e Controle das Doenças não Transmissíveis, Promoção da Saúde Mental e Bem-Estar, em Nova York, permitiu que a América do Sul — e toda a região — renovasse seu compromisso de reduzir em um terço a mortalidade prematura por essas doenças até 2030.

E como evitamos essa tempestade? Apostando na cobertura universal de saúde, com atenção especial às doenças crônicas não transmissíveis e à saúde mental; investindo em prevenção, educação, tratamento e vigilância; adotando políticas fiscais corajosas; fortalecendo a atenção primária com detecção precoce, vacinação contra o HPV e melhor controle da hipertensão e da diabetes; e combatendo o estigma, com a ampliação dos serviços comunitários de saúde mental.

Mas precisamos ir além. Os países devem liderar uma transformação sistêmica. A saúde é um investimento em equidade, desenvolvimento e prosperidade. A Opas está pronta para continuar apoiando os países nesse processo como articuladora regional, referência técnica e promotora de padrões comuns.

As evidências são claras, as soluções estão ao nosso alcance e o tempo é curto. Se agirmos com coragem, essa tempestade não nos atingirá. Juntos, podemos construir um futuro mais saudável para a América do Sul e para todas as Américas.

*Diretor da OrganizaçãoPan-Americanada Saúde (Opas)

 

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