Valor Econômico
Medidas estruturais necessárias para reduzir
o crescimento dos gastos obrigatórios, o maior problema das contas públicas,
ficarão para 2027
Mesmo num momento em que o déficit nominal, que inclui gastos com juros, está na casa de 8% do PIB e a dívida bruta se aproxima de 80% do PIB, a política fiscal é tocada na base do improviso. Medidas estruturais necessárias para reduzir o crescimento dos gastos obrigatórios, o maior problema das contas públicas, ficarão para 2027. Enquanto isso, o governo recorre a iniciativas de curto prazo para cumprir as metas do arcabouço fiscal deste ano e especialmente do próximo, um ano eleitoral em que o objetivo principal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é preservar o orçamento de corte de gastos.
Essa estratégia imediatista sofreu um revés
na semana passada, com a rejeição pela Câmara dos Deputados da medida
provisória (MP) alternativa ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que
deixa um rombo de R$ 46,5 bilhões nas contas do governo central até 2026. A
equipe econômica terá de apresentar novas iniciativas para o cumprimento da
meta fiscal do ano que vem, que prevê um resultado primário (excluindo gastos
com juros) de 0,25% do PIB.
Num ambiente de polarização política, o
Congresso enterrou a MP para não abrir espaço para o governo no orçamento de
2026. A iniciativa tinha problemas, mas a versão original - não a aprovada pela
Comissão Mista do Congresso - tinha pontos importantes, como o fim da isenção
de títulos incentivados, como Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de
Crédito do Agronegócio (LCAs), e o aumento da tributação das bets. A isenção
dos títulos privados tem causado várias distorções na economia, a começar pela
renúncia fiscal, na casa de R$ 50 bilhões por ano. Esse mercado assumiu
proporções enormes, na casa de R$ 2 trilhões, o que tem encarecido o custo de
rolagem da dívida pública, pela competição com os títulos públicos.
Como faz todo sentido acabar com essa
isenção, é importante o governo insistir na extinção desse incentivo. A ação
dos lobbies a favor da manutenção do benefício e a inclusão da proposta numa MP
voltada para resolver um problema de curto prazo mataram a ideia. Embora seja
uma iniciativa de difícil aprovação, ela teria mais chances de avançar no
Congresso se não tivesse entrado numa MP que visava tapar buracos no orçamento.
A tramitação da MP também foi atrapalhada
pelas informações de que o governo discutiria a eventual adoção da tarifa zero
para o transporte público, mais uma bandeira eleitoral para Lula em 2026. O
timing não poderia ter sido pior.
Nesse cenário, a equipe econômica deve
apresentar nesta semana medidas pontuais para aumentar impostos e reduzir
gastos, com o objetivo de cumprir a meta de superávit primário de 0,25% do PIB
em 2026, mesmo contando com exceções - caso do desconto de gastos com
precatórios (despesas com sentenças judiciais). O arcabouço fiscal, porém, já
deu sinais claros de esgotamento. O cumprimento da regra fiscal não é
suficiente para estabilizar a dívida pública como proporção do PIB ao longo do
tempo. Como não serão adotadas medidas para deter o crescimento das despesas
obrigatórias, os gastos discricionários (custeio da máquina e o investimento),
vão sendo asfixiados. Isso exigirá a discussão de um novo regime para as contas
públicas em 2027, com a adoção de medidas como desvincular os benefícios
previdenciários e assistenciais do salário mínimo e desatrelar as despesas com
saúde e educação da variação da receita.
São medidas difíceis de serem implementadas
politicamente, mas que teriam impacto importante sobre as expectativas,
melhorando as simulações da trajetória do gasto público. Isso ajudaria a abrir
espaço para uma redução estrutural dos juros, aliviando o déficit nominal e,
com isso, a dinâmica da dívida pública. Esse receituário, porém, não será
adotado até o fim do ano que vem. A opção é por cumprir as metas de curto
prazo, uma estratégia que tem riscos, como se viu na sexta-feira.
O dólar subiu com força e fechou perto de R$
5,50, uma alta puxada pelas ameaças de Donald Trump de impor mais tarifas à
China e pelo aumento das incertezas fiscais por aqui - não apenas pelo rombo
fiscal causado pela derrubada da MP, mas também pela percepção de que o governo
pretende aumentar gastos com força em 2026, devido às eleições.
Uma boa notícia para a economia brasileira neste
ano vinha sendo a queda do dólar, que fechou 2024 próximo a R$ 6,18 e chegou a
ser negociado abaixo de R$ 5,30 em setembro. O enfraquecimento da moeda
americana no mercado global e, em segundo lugar, a diferença entre os juros
externos e internos explicam o dólar mais barato por aqui. Isso tem contribuído
para aliviar pressões inflacionárias, o que pode eventualmente levar o Banco
Central (BC) a antecipar o ciclo de corte da Selic, hoje em 15% ao ano. Com um
câmbio mais pressionado, esse cenário benigno pode ser revertido.
Esse é um dos custos do improviso na política
fiscal. É possível que o dólar volte a ceder nos próximos dias, especialmente
se a situação externa se acalmar e a moeda americana voltar a perder valor no
mercado internacional. No entanto, se isso não ocorrer, a situação fiscal
delicada do Brasil, com o maior déficit nominal entre os principais emergentes
e uma dívida bruta que não dá sinais de que vá se estabilizar, pode voltar a
ter mais peso na avaliação dos investidores. Além disso, como há um déficit em
conta corrente de 3,5% do PIB, um nível que começa a preocupar e a reacender a
discussão sobre a fragilidade das contas externas do país, pode haver pressões
indesejadas sobre o câmbio - e, com isso, diminuir o espaço para a queda dos juros.
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