segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Os custos do improviso na política fiscal, por Sergio Lamucci

Valor Econômico

Medidas estruturais necessárias para reduzir o crescimento dos gastos obrigatórios, o maior problema das contas públicas, ficarão para 2027

Mesmo num momento em que o déficit nominal, que inclui gastos com juros, está na casa de 8% do PIB e a dívida bruta se aproxima de 80% do PIB, a política fiscal é tocada na base do improviso. Medidas estruturais necessárias para reduzir o crescimento dos gastos obrigatórios, o maior problema das contas públicas, ficarão para 2027. Enquanto isso, o governo recorre a iniciativas de curto prazo para cumprir as metas do arcabouço fiscal deste ano e especialmente do próximo, um ano eleitoral em que o objetivo principal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é preservar o orçamento de corte de gastos.

Essa estratégia imediatista sofreu um revés na semana passada, com a rejeição pela Câmara dos Deputados da medida provisória (MP) alternativa ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que deixa um rombo de R$ 46,5 bilhões nas contas do governo central até 2026. A equipe econômica terá de apresentar novas iniciativas para o cumprimento da meta fiscal do ano que vem, que prevê um resultado primário (excluindo gastos com juros) de 0,25% do PIB.

Num ambiente de polarização política, o Congresso enterrou a MP para não abrir espaço para o governo no orçamento de 2026. A iniciativa tinha problemas, mas a versão original - não a aprovada pela Comissão Mista do Congresso - tinha pontos importantes, como o fim da isenção de títulos incentivados, como Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), e o aumento da tributação das bets. A isenção dos títulos privados tem causado várias distorções na economia, a começar pela renúncia fiscal, na casa de R$ 50 bilhões por ano. Esse mercado assumiu proporções enormes, na casa de R$ 2 trilhões, o que tem encarecido o custo de rolagem da dívida pública, pela competição com os títulos públicos.

Como faz todo sentido acabar com essa isenção, é importante o governo insistir na extinção desse incentivo. A ação dos lobbies a favor da manutenção do benefício e a inclusão da proposta numa MP voltada para resolver um problema de curto prazo mataram a ideia. Embora seja uma iniciativa de difícil aprovação, ela teria mais chances de avançar no Congresso se não tivesse entrado numa MP que visava tapar buracos no orçamento.

A tramitação da MP também foi atrapalhada pelas informações de que o governo discutiria a eventual adoção da tarifa zero para o transporte público, mais uma bandeira eleitoral para Lula em 2026. O timing não poderia ter sido pior.

Nesse cenário, a equipe econômica deve apresentar nesta semana medidas pontuais para aumentar impostos e reduzir gastos, com o objetivo de cumprir a meta de superávit primário de 0,25% do PIB em 2026, mesmo contando com exceções - caso do desconto de gastos com precatórios (despesas com sentenças judiciais). O arcabouço fiscal, porém, já deu sinais claros de esgotamento. O cumprimento da regra fiscal não é suficiente para estabilizar a dívida pública como proporção do PIB ao longo do tempo. Como não serão adotadas medidas para deter o crescimento das despesas obrigatórias, os gastos discricionários (custeio da máquina e o investimento), vão sendo asfixiados. Isso exigirá a discussão de um novo regime para as contas públicas em 2027, com a adoção de medidas como desvincular os benefícios previdenciários e assistenciais do salário mínimo e desatrelar as despesas com saúde e educação da variação da receita.

São medidas difíceis de serem implementadas politicamente, mas que teriam impacto importante sobre as expectativas, melhorando as simulações da trajetória do gasto público. Isso ajudaria a abrir espaço para uma redução estrutural dos juros, aliviando o déficit nominal e, com isso, a dinâmica da dívida pública. Esse receituário, porém, não será adotado até o fim do ano que vem. A opção é por cumprir as metas de curto prazo, uma estratégia que tem riscos, como se viu na sexta-feira.

O dólar subiu com força e fechou perto de R$ 5,50, uma alta puxada pelas ameaças de Donald Trump de impor mais tarifas à China e pelo aumento das incertezas fiscais por aqui - não apenas pelo rombo fiscal causado pela derrubada da MP, mas também pela percepção de que o governo pretende aumentar gastos com força em 2026, devido às eleições.

Uma boa notícia para a economia brasileira neste ano vinha sendo a queda do dólar, que fechou 2024 próximo a R$ 6,18 e chegou a ser negociado abaixo de R$ 5,30 em setembro. O enfraquecimento da moeda americana no mercado global e, em segundo lugar, a diferença entre os juros externos e internos explicam o dólar mais barato por aqui. Isso tem contribuído para aliviar pressões inflacionárias, o que pode eventualmente levar o Banco Central (BC) a antecipar o ciclo de corte da Selic, hoje em 15% ao ano. Com um câmbio mais pressionado, esse cenário benigno pode ser revertido.

Esse é um dos custos do improviso na política fiscal. É possível que o dólar volte a ceder nos próximos dias, especialmente se a situação externa se acalmar e a moeda americana voltar a perder valor no mercado internacional. No entanto, se isso não ocorrer, a situação fiscal delicada do Brasil, com o maior déficit nominal entre os principais emergentes e uma dívida bruta que não dá sinais de que vá se estabilizar, pode voltar a ter mais peso na avaliação dos investidores. Além disso, como há um déficit em conta corrente de 3,5% do PIB, um nível que começa a preocupar e a reacender a discussão sobre a fragilidade das contas externas do país, pode haver pressões indesejadas sobre o câmbio - e, com isso, diminuir o espaço para a queda dos juros.

 

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