domingo, 12 de outubro de 2025

A tributação das ‘bets’ e o braço alto de Ulysses. Por Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Sem alternativa imediata, o Executivo passou a enfrentar o risco de um buraco fiscal de R$ 46,5 bilhões até o fim de 2026, com provável aumento da dívida federal

Apostas viraram prioridade política, parlamentares evitaram maior tributação das bets, e o governo terá de manobrar de outra forma para arrumar as contas do próximo ano. No Congresso, uma estátua de Ulysses Guimarães com o braço levantado lembra um Parlamento empenhado na redemocratização e na reconstrução do setor público. Lembra também sua famosa advertência sobre como poderiam ser as próximas gerações de políticos. A mobilização a favor das bets parece confirmar a advertência. Sem alternativa imediata, como seria, por exemplo, a tributação maior de aplicações financeiras, o Executivo passou a enfrentar o risco de um buraco fiscal de R$ 46,5 bilhões até o fim de 2026, com provável aumento da dívida federal.

Diante desse risco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de cuidar de um desafio a mais no final deste mandato. Mas o problema será ampliado se a economia perder vigor e, mais ainda, se a inflação for persistente. Os preços no varejo diminuíram 0,11% em agosto, mas subiram 0,48% em setembro, acumulando alta de 3,64% no ano e de 5,17% em 12 meses (5,13% até agosto). O custo da alimentação caiu duas vezes – 0,83% e em seguida 0,41% – nesses dois meses. Os preços dos transportes diminuíram 0,27% em agosto e aumentaram 0,01% em setembro. Um terceiro item de grande peso, o grupo habitação, encareceu 2,97% no mês passado e teve maior impacto (0,45 ponto porcentual) na formação do índice.

Com a inflação de 12 meses acima do teto da meta (4,5%), o quadro dos preços permanece inquietante e isso será levado em conta, quase certamente, quando o Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC), tomar sua próxima decisão sobre os juros básicos, no começo de novembro. Elevados a 15% em 20 de junho deste ano, esses juros poderão prejudicar mais gravemente o consumo, a produção de bens e serviços e o emprego, se forem mantidos até o início de 2026. A boa safra de alimentos estimada para este ano poderá contribuir para uma inflação menor – e algum efeito já foi observado. Mas o quadro inflacionário envolve outros componentes e, além disso, convém levar em conta as incertezas da cena internacional.

No mercado, a inflação projetada para este ano tem diminuído lentamente. A mediana das projeções chegou a 4,80% no final da semana passada, segundo o boletim Focus divulgado na segunda-feira passada. Essa taxa é pouco superior ao teto da meta, mas consideravelmente distante do alvo central, 3%. A mediana estimada para 2026 ainda é elevada (4,28%), e provavelmente será enfrentada com aperto monetário pelo Copom. Os juros estimados para o fim do próximo ano ficaram, no último boletim, em 12,25%, uma taxa nominal considerada muito alta na maior parte do mundo.

Crédito tão caro é incompatível com uma economia acelerada. As previsões de crescimento econômico indicam 2,16% em 2025 e 1,80% em 2026. Mas o ritmo de expansão tem sido lento há vários anos e isso se explica também pela insuficiência do investimento produtivo, raramente superior a 18% do Produto Interno Bruto (PIB), muitas vezes inferior a esse padrão e geralmente menor, proporcionalmente, que aquele observado em outras economias emergentes. No setor privado, a decisão de investir em obras, máquinas e equipamentos depende do custo do capital, isto é, dos juros, e também das expectativas de médio e de longo prazos dos empresários. Não há surpresa, portanto, quando se observa a baixa disposição de aplicar capital na ampliação e na modernização da capacidade produtiva, no Brasil.

O governo deveria, dirão alguns, mostrar-se mais preocupado com o baixo investimento produtivo. O presidente mostra interesse pelo assunto, mas se empenha principalmente em cuidados eleitorais. A atenção presidencial seria menos importante se houvesse um plano governamental em execução no dia a dia. Mas nada parecido com um plano parece orientar uma ação conjunta dos ministérios. Alguns ministros cuidam de objetivos de utilidade geral – na área da saúde, por exemplo –, mas seria exagero falar de um esforço indicativo de planejamento governamental. Planejamento é algo bem mais complicado e ambicioso do que pronunciamentos eventuais sobre educação, saneamento, segurança, produção setorial, comércio e tecnologia, além de envolver padrões fiscais e dívida pública.

É conhecida a confusão petista entre governar e gastar. Não se governa sem gasto, nem se movimenta um ônibus sem consumir energia, mas desperdício é outra história. Algumas administrações petistas têm mostrado competência financeira e produtividade, mas permanecem, no grupo, as velhas objeções à prudência fiscal e à contenção monetária, apontadas como reacionarismo. O presidente Lula já resistiu às pressões do petismo de passeata e às cobranças do empresariado amante das facilidades fiscais e do protecionismo. Mas a aproximação de eleições sempre complica o jogo, especialmente quando as disputas envolvem funções legislativas e executivas e quando, é claro, surgem questões tão preocupantes quanto a possível tributação das bets.

O Estado de S. Paulo

Sem alternativa imediata, o Executivo passou a enfrentar o risco de um buraco fiscal de R$ 46,5 bilhões até o fim de 2026, com provável aumento da dívida federal

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Apostas viraram prioridade política, parlamentares evitaram maior tributação das bets, e o governo terá de manobrar de outra forma para arrumar as contas do próximo ano. No Congresso, uma estátua de Ulysses Guimarães com o braço levantado lembra um Parlamento empenhado na redemocratização e na reconstrução do setor público. Lembra também sua famosa advertência sobre como poderiam ser as próximas gerações de políticos. A mobilização a favor das bets parece confirmar a advertência. Sem alternativa imediata, como seria, por exemplo, a tributação maior de aplicações financeiras, o Executivo passou a enfrentar o risco de um buraco fiscal de R$ 46,5 bilhões até o fim de 2026, com provável aumento da dívida federal.

Diante desse risco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de cuidar de um desafio a mais no final deste mandato. Mas o problema será ampliado se a economia perder vigor e, mais ainda, se a inflação for persistente. Os preços no varejo diminuíram 0,11% em agosto, mas subiram 0,48% em setembro, acumulando alta de 3,64% no ano e de 5,17% em 12 meses (5,13% até agosto). O custo da alimentação caiu duas vezes – 0,83% e em seguida 0,41% – nesses dois meses. Os preços dos transportes diminuíram 0,27% em agosto e aumentaram 0,01% em setembro. Um terceiro item de grande peso, o grupo habitação, encareceu 2,97% no mês passado e teve maior impacto (0,45 ponto porcentual) na formação do índice.

Com a inflação de 12 meses acima do teto da meta (4,5%), o quadro dos preços permanece inquietante e isso será levado em conta, quase certamente, quando o Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC), tomar sua próxima decisão sobre os juros básicos, no começo de novembro. Elevados a 15% em 20 de junho deste ano, esses juros poderão prejudicar mais gravemente o consumo, a produção de bens e serviços e o emprego, se forem mantidos até o início de 2026. A boa safra de alimentos estimada para este ano poderá contribuir para uma inflação menor – e algum efeito já foi observado. Mas o quadro inflacionário envolve outros componentes e, além disso, convém levar em conta as incertezas da cena internacional.

No mercado, a inflação projetada para este ano tem diminuído lentamente. A mediana das projeções chegou a 4,80% no final da semana passada, segundo o boletim Focus divulgado na segunda-feira passada. Essa taxa é pouco superior ao teto da meta, mas consideravelmente distante do alvo central, 3%. A mediana estimada para 2026 ainda é elevada (4,28%), e provavelmente será enfrentada com aperto monetário pelo Copom. Os juros estimados para o fim do próximo ano ficaram, no último boletim, em 12,25%, uma taxa nominal considerada muito alta na maior parte do mundo.

Crédito tão caro é incompatível com uma economia acelerada. As previsões de crescimento econômico indicam 2,16% em 2025 e 1,80% em 2026. Mas o ritmo de expansão tem sido lento há vários anos e isso se explica também pela insuficiência do investimento produtivo, raramente superior a 18% do Produto Interno Bruto (PIB), muitas vezes inferior a esse padrão e geralmente menor, proporcionalmente, que aquele observado em outras economias emergentes. No setor privado, a decisão de investir em obras, máquinas e equipamentos depende do custo do capital, isto é, dos juros, e também das expectativas de médio e de longo prazos dos empresários. Não há surpresa, portanto, quando se observa a baixa disposição de aplicar capital na ampliação e na modernização da capacidade produtiva, no Brasil.

O governo deveria, dirão alguns, mostrar-se mais preocupado com o baixo investimento produtivo. O presidente mostra interesse pelo assunto, mas se empenha principalmente em cuidados eleitorais. A atenção presidencial seria menos importante se houvesse um plano governamental em execução no dia a dia. Mas nada parecido com um plano parece orientar uma ação conjunta dos ministérios. Alguns ministros cuidam de objetivos de utilidade geral – na área da saúde, por exemplo –, mas seria exagero falar de um esforço indicativo de planejamento governamental. Planejamento é algo bem mais complicado e ambicioso do que pronunciamentos eventuais sobre educação, saneamento, segurança, produção setorial, comércio e tecnologia, além de envolver padrões fiscais e dívida pública.

É conhecida a confusão petista entre governar e gastar. Não se governa sem gasto, nem se movimenta um ônibus sem consumir energia, mas desperdício é outra história. Algumas administrações petistas têm mostrado competência financeira e produtividade, mas permanecem, no grupo, as velhas objeções à prudência fiscal e à contenção monetária, apontadas como reacionarismo. O presidente Lula já resistiu às pressões do petismo de passeata e às cobranças do empresariado amante das facilidades fiscais e do protecionismo. Mas a aproximação de eleições sempre complica o jogo, especialmente quando as disputas envolvem funções legislativas e executivas e quando, é claro, surgem questões tão preocupantes quanto a possível tributação das bets.

 

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