O Estado de S. Paulo
Já houve no País experiências de diálogo e tentativas de entendimento, como aquela que marcou a transição que se seguiu às eleições de 2002. Haverá que tentá-lo novamente
Daqui a 12 meses o Brasil definirá o governo
para o quadriênio 2027-2030, mas definirá também muito mais. Uma eleição
presidencial constitui a oportunidade, por excelência, para que o País melhore
a qualidade do debate público informado sobre os principais desafios com os
quais se defronta. Tarefa fundamental, que exige de candidatos e respectivas
equipes, farol alto e visão de longo prazo – e com relação à qual o Brasil
falhou nos pleitos de 2014, 2018 e 2022.
Em 2014, a presidente Dilma Rousseff anunciou que, em época de eleição, o governo poderia “fazer o diabo”. E o fizeram. A própria presidente Dilma reconheceu ( Valor Econômico, 11/9/2015) que “aplicou por um período de tempo excessivo uma política anticíclica agressiva”. Aloizio Mercadante, possivelmente seu ministro mais próximo, afirmou à Folha de S. Paulo: “(...) Fomos além do que podíamos na política anticíclica, na desoneração de impostos, no esforço por manter os investimentos, de manter gastos.”
Em 2018, Bolsonaro sagrou-se vencedor, com
base em incisivo discurso contra o lulopetismo e a velha política do “toma lá,
dá cá”. Inaugurou no Brasil o uso das redes sociais como instrumento de
comunicação e indignação, como fizera Trump em 2016 e voltaria a fazer em 2024,
num processo descrito no imperdível livro de Giuliano da Empoli, cujo título já
diz muito: Os Engenheiros do Caos: como as fake news, as teorias da conspiração
e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar
eleições. Não sobrou espaço para debate sério entre os candidatos sobre os
grandes desafios do País.
As eleições de 2022 foram marcadas por uma
polarização ainda mais acentuada e decididas no photochart (50,9 x 49,1 dos
votos válidos). No total dos votos em relação ao número de eleitores aptos a
votar, a diferença foi de menos de 1,4%; menos de 1% dos eleitores teriam
alterado o resultado, mudando de voto no segundo turno. 25% do eleitorado não
compareceu para votar ou votou em branco ou nulo. Como em 2014 e 2018, não
houve debate significativo sobre as grandes questões do desenvolvimento
econômico, social e político-institucional. E o Brasil alcançou um grau de
polarização como nunca antes conhecera.
O caminho de agora até outubro de 2026 não
deveria ser uma repetição dessas experiências, marcadas por excessiva
simplificação e polarização do debate, que de resto costumam caminhar juntas.
Um eventual Lula IV não poderá ser uma repetição de Lula III. Caso vença um de
seus opositores, este não deveria pretender reeditar a experiência de 2019 a
2022.
O Brasil dos Invisíveis é o título de
importante artigo recente de Pablo Ortellado ( O Globo, 10/10). O texto comenta
pesquisa que permitiria “olhar a divisão política no Brasil com muito mais
nuance e granularidade” do que o tradicional “nós contra eles” que domina as
agressivas discussões políticas nas redes sociais.
Os invisíveis do título do artigo o são
porque suas posições são “abafadas pelo hiperativismo dos segmentos mais
polarizados”. Eles representariam 54% da população, divididos em dois grupos de
igual tamanho. O primeiro seria constituído pelos “desengajados”, que evitam
falar de política e tendem a votar em branco ou nulo, ou não votar. Nas
eleições de 2022, este grupo representou quase 25% do total do eleitorado, isto
é, os votos válidos foram dados por 75% do eleitorado. Os outros 27% de
eleitores invisíveis são os “cautelosos”, um grupo um pouco menos desengajado e
um pouco mais conservador. Ambos sugerem, segundo Ortellado, que o “País não
está suficientemente polarizado para que a dinâmica das redes sociais tenha
capturado os segmentos invisíveis que compõem a maior parte da população”. E
conclui: “É um alento descobrir que, sob as ruidosas e intolerantes guerras
culturais, resiste um substrato majoritário, comedido e independente”. Que é,
acrescento, absolutamente decisivo para o resultado das eleições e que,
portanto, deveria ser, nas eleições de 2026, objeto de maior atenção por parte
dos candidatos, não só à Presidência da República, como também ao Legislativo.
O Brasil é um país extraordinário em sua rica
diversidade e enorme potencial, mas também complexo de se entender e difícil de
administrar, como cedo ou tarde aprendem aqueles que se dispõem a fazê-lo. Daí
a importância central de debates voltados para o que fazer, com vistas a
assegurar a gradual consolidação do muito que já alcançamos como país e,
principalmente, a possibilidade de avançar mais. O processo exige lideranças
capazes de melhorar a qualidade desse debate público informado sobre
crescimento, emprego e renda. Dotadas de clareza quanto à necessidade de
aumentar em muito a produtividade e a competitividade internacional do País e
de suas empresas. De dotar o governo de eficiência operacional na gestão da
coisa pública – aí incluídos os investimentos em infraestrutura física e
humana.
Já houve no País experiências de diálogo e
tentativas de entendimento, como aquela que marcou a transição que se seguiu às
eleições de 2002. Haverá que tentá-lo novamente. Quem sabe em 2026 – ou em
2030.
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