terça-feira, 14 de outubro de 2025

Acordo tem troca de reféns por prisioneiros e futuro incerto, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O Hamas se recusa a depor suas armas antes do estabelecimento de um Estado palestino. Netanyahu não aceita nem a presença da Autoridade Palestina na Faixa de Gaza

O que presidente Donald Trump quereria dizer, no Parlamento israelense, ontem, ao afirmar que Benjamin Netanyahu foi o melhor presidente que Israel já teve para a guerra, enaltecendo sua atuação contra o Hamas e o Irã, mas sem falar que poderia sê-lo também para o futuro? Com certeza, não gostou de saber que seu colega não iria mais à “cúpula da paz em Gaza”, na cidade egípcia de Sharm El-Sheik, organizada no Egito, para assinatura do Acordo de Paz entre Israel e o Hamas, à qual havia se comprometido a comparecer..

São notícias de um cessar-fogo no qual os últimos reféns israelenses vivos foram trocados por quase 2 mil prisioneiros palestinos, o que sinaliza uma alteração na conjuntura no Oriente Médio, em razão da posição de Trump, que mudou pelo fato de Israel ter bombardeado o Catar, aliado importante dos Estados Unidos no Oriente Médio e interlocutor privilegiado dos chefes do Hamas. Nos bastidores, sabe-se que o episódio levou Trump a dar um ultimato a Netanyahu, no Salão Oval da Casa Branca, para acabar com a guerra, na recente visita do presidente israelense a Washington.

A trégua entre Israel e o Hamas segue o mesmo roteiro da anterior, em maio deste ano, que sustou as hostilidades para uma troca de reféns por prisioneiros, logo seguida de uma escalada ainda maior da guerra de Gaza. O fato novo é o envolvimento direto de líderes do Oriente Médio e da Europa na discussão e execução das próximas etapas do acordo. O documento foi assinado por Trump e pelos presidentes Abdul al-Sisi (Egito) e Recep Tayyip Erdogan (Turquia), o emir Tamim bin Hamad Al Thani (Catar) e de Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina.

Também participaram da reunião a premiê da Itália, Giorgia Meloni; o premiê do Reino Unido, Keir Starmer; e o presidente da França, Emmanuel Macron. Entretanto, Israel e o Hamas não compareceram, o que demonstra um futuro ainda incerto para Gaza. O acordo prevê o fim da guerra; o estabelecimento de condições para paz duradoura no Oriente Médio; e a implantação de um conselho que para supervisionar Gaza no primeiro momento do pós-guerra.

Outros detalhes continuavam vagos, caso do desarmamento do Hamas, que ontem mesmo demonstrou que ainda tem o controle de Gaza, apesar das baixas que sofreu, ao entregar ao Comitê

Impasses

O cessar-fogo prevê, também, a entrega dos restos mortais de 28 israelenses, mas apenas quatro foram efetivados. O Hamas alegou que ainda não conseguiu localizá-los. Em troca, Israel libertou 1.968 prisioneiros, incluindo 15 menores de idade. Marwan Barghouti e Ahmad Saadat, importantes líderes palestinos, condenados à prisão perpétua, não foram soltos. Antes da liberação dos reféns, as tropas israelenses se retiraram até uma linha que as deixou em controle de 53% da Faixa de Gaza, conforme acertado no acordo.

Uma força multinacional de 200 soldados, supervisionada pelo Exército dos Estados Unidos, acompanhará o cessar-fogo. Acredita-se que esta força inclua militares do Egito, do Catar, da Turquia e dos Emirados Árabes Unidos. Com 20 pontos, o plano afirma que, se as duas partes concordarem, a guerra "terminará imediatamente". Destaca que a Faixa de Gaza será desmilitarizada e "toda a infraestrutura militar, terrorista e ofensiva" será destruída. Gaza será governada por um comitê temporário de transição, composto por tecnocratas palestinos. Eles serão supervisionados por um "Comitê da Paz", chefiado por Trump como presidente, com a participação do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair.

O governo do território será eventualmente entregue para a Autoridade Palestina, que administra a Cisjordânia, após passar por reformas. O Hamas administra a Faixa de Gaza desde 2007 e não terá participação no futuro governo, seja direta ou indiretamente, segundo o plano. Os membros do Hamas receberão anistia, caso se comprometam com a coexistência pacífica, ou receberão passagem livre para outro país. Nenhum palestino será forçado a deixar a Faixa de Gaza e aqueles que desejarem sair serão livres para retornar. Um painel de especialistas criará um "plano de desenvolvimento econômico de Trump para reconstruir e energizar Gaza".

Quais são os principais obstáculos? O Hamas se recusa a depor suas armas antes do estabelecimento de um Estado Palestino. O Netanyahu não aceita nem a presença da Autoridade Palestina na Faixa de Gaza após a guerra. O Hamas também declarou que espera ter alguma participação futura em Gaza, como parte de "um movimento palestino unificado".

Israel afirma que sua primeira retirada fará com que o país mantenha o controle de cerca de 53% da Faixa de Gaza. E o plano da Casa Branca indica novas retiradas, até cerca de 40%, e, em seguida, 15%. A etapa final seria um "perímetro de segurança", que "permanecerá até que Gaza tenha segurança adequada contra qualquer ressurgimento da ameaça terrorista".

A profecia do falecido historiador britânico-judeu Tony Judt, num artigo intitulado O que fazer?, em 2009, é mais atual do que nunca. Sem a solução do Estado Palestino, Israel viverá um drama existencial: continuar sendo um Estado judeu, com um regime de apartheid, e deixar de ser uma democracia liberal; ou se tornar uma democracia multiétnica e deixar de ser um Estado judeu, com a anexação dos territórios palestinos ocupados. A terceira opção seria empurrar os palestinos de Gaza para o deserto do Sinai e promover uma limpeza étnica nos territórios ocupados da Cisjordânia.

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