sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Desaforos na hora errada, por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Domingo vem aí, mas Trump estica a corda de lá, Lula estica de cá e a ‘química’ corre risco

Ou é recado, ou ameaça, ou jogo de cena entre dois negociadores natos, mas o fato é que, a cada provocação, de lado a lado, as expectativas encolhem e os temores inflam diante do encontro entre Lula e Donald Trump, no próximo domingo, na Malásia. A torcida do governo e dos setores afetados é para que seja só estratégia e teste de força para ver quem paga menos e cobra mais pela aproximação. Melhor que seja, mas sabe-se lá...

Justiça seja feita a Trump. Lula começou antes a cutucar a onça com vara curta, depois que as coisas iam bem com o esbarrão e a “química” em Nova York, o telefonema de meia hora e a reunião de chanceleres. Em mais um dos seus eventos diários de campanha, arrancou aplausos ao dar uma de machão: “Que nunca mais um presidente de outro país ouse falar grosso com o Brasil, porque a gente não vai aceitar”. Fala correta, momento errado.

Alguma dúvida sobre quem seria esse “presidente de outro país”? Trump não teve dúvida nenhuma e, depois de se reunir com produtores de carne norteamericanos, tascou nas redes sociais que eles “não entendem que a única razão pela qual estão indo bem, pela primeira vez em décadas, é porque eu impus tarifas sobre o gado que entra nos EUA, incluindo 50% sobre o Brasil”.

Não soou bem aos ouvidos sensíveis do Itamaraty e dos assessores de Lula e gerou apreensão: ao se gabar dos 50% sobre a carne brasileira, o que Trump reserva para o encontro com Lula, as negociações e a aproximação dos EUA com o Brasil? É cedo para certezas, mas o bolsonarismo torce contra.

Pode até torcer, mas continua errando a mira. E não é mais Eduardo Bolsonaro, “o irmão maluco”, e sim o senador Flávio, o “mais ponderado”, que está doido para os EUA atacarem barcos com drogas no Rio, assim como fazem não mais no Caribe, mas no Pacífico, contra embarcações da Venezuela, matando gente sem provas, processo e condenação, ou seja, ilegalmente.

As explosões de lanchas e as mortes decretadas por Trump ao arrepio da lei e a ameaça de invasão da Venezuela por terra se somam a frases fora de hora para azedar a química e pôr em risco a conversa de domingo, o que não interessa a ninguém – só à família Bolsonaro.

Lula não ajuda, com suas provocações para Trump, agora, em plena Ásia. Na Indonésia, alertou para “uma nova guerra fria”, condenou “o protecionismo” e defendeu trocas comerciais sem o dólar. Três torpedos contra Trump, três dias antes do encontro, quando deveriam prevalecer o sangue frio e o pragmatismo, mas Trump estica a corda de lá, Lula estica de cá. Os negociadores e os setores e os trabalhadores atingidos devem estar de cabelo em pé.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.