Mencionamos essa frase dentro de um contexto nada feliz, mas ao mesmo tempo natural e pertencente à vida: a passagem de uma geração para outra. Pode ser que a atmosfera claustrofóbica e suspensa da pandemia tenha acentuado o tom de obituário — ou que o autor destas linhas, pela idade, perceba o vagão da frente se esvaziar de suas referências intelectuais, artísticas, políticas e desportivas; talvez ambas as coisas.
Dentro da cultura cinematográfica há, hoje,
vazios como o de David Lynch, um diretor de filmes que evocavam o sonho e o
“estranho” para tratar de patologias do mundo contemporâneo. O seu primeiro
sucesso comercial foi o Homem-Elefante (1980), que para além da
dualidade entre a aparência e essência, nos brinda com um filme em preto e
branco na década de Rambo e afins. A sua série Twin Peaks (1990 –
1991, com breve retorno em 2017) é referenciada em várias outras séries que vão
de Breaking Bad (2008 – 2013) a Ozark (2017 – 2022) – dentro de uma pequena
cidade há muitos fantasmas no armário acionados pelos interesses racionais ou
não. Aliás, o tema central de Twin Peaks deveria ser melhor explorado
por aqueles que tratam do tema da educação e psicologia, especialmente no mundo
pós-pandêmico nas camadas subalternas.
Há poucas semanas tivemos a notícia do
falecimento de Robert Redford (1936 – 2025), que, mesmo não sendo um
excepcional ator, tinha um carisma, uma beleza e uma mente aberta para o cinema
singulares. Sua parceira e amizade com Paul Newman (1925 – 2008) deram como
legado um faroeste revisionista – Butch Cassidy and the Sundance
Kid (1969) – e um filme de um grande golpe que seria a inspiração para os
“homens e segredos” que vieram décadas depois – Golpe de Mestre (1973).
Robert Redford foi fundamental para a carreira de Sônia Braga em Hollywood, ao
convidá-la para seu primeiro filme nos Estados Unidos, Rebelião em
Milagro (1988). Sua atuação – e obstinação para que a obra acontecesse –
em Todos os Homens do Presidente (1976) é exemplar quanto a dividir
estrelato. Ele ocupa grandiosamente o papel do “segundo violino” e deixa a
melodia principal (e crédito) para Dustin Hoffman (1937). E não menos
importante: a fundação de um festival de cinema independente (Sundance – em
homenagem ao seu personagem icônico Sundance Kid) de onde foram revelados os
Irmãos Coen, Tarantino, Robert Rodriguez, Chloe Zhao e Steve Soderbergh.
E agora somos surpreendidos pela ausência da
solar, sorridente e carismática Diane Keaton. Uma diretora falou que Keaton era
capaz de dar 5 emoções diferentes no rosto em uma mesma tomada. Sem ela a vida
pessoal e profissional de Woody Allen seria outra. As melhores comédias de
Allen têm a sua presença, como em A última noite de Boris Grushenko (1975),
filme que retrata toda a Rússia do XIX a partir das melhores obras de seus
filhos mais famosos – Tolstói e Dostoievsky. Quando as até hoje não provadas
acusações de Mia Farrow contra Allen surgiram nos anos 1990, quem lhe estendeu
a mão foi Keaton, que fez Um misterioso assassinato em Manhattan (1993).
Só com muito talento uma mulher consegue ter um destaque em um filme do
universo masculino como O Poderoso Chefão (1972), quando só basta um
olhar de tristeza e surpresa ao ver Michael Corleone ser o novo padrinho. O
olhar de Keaton encerra o mais perfeito filme do cinema americano. E com muita
coragem estrelou Reds (1981), um filme sobre comunistas americanos na
efervescência dos neoconservadores anos Reagan.
Voltemos à frase grasmsciana. O que vemos
dessa geração que se vai é um grande legado e ao mesmo tempo um vazio pela
falta de conexão de uma geração a outra. Filmes panfletários, esquematizados
seja para o mercado, seja para o mundo identitário, abundam; e a força de nomes
se esvai no espaço. Quem tem mais de 40 anos sabe que a Globo anunciava os seus
filmes pelo nome dos atores ou diretores. Os blasés Zendaya e Timothée Chalameté
são a referência?
E não mencionamos os nossos Sebastião
Salgado, Veríssimo, Angela Ro Ro, Mino Carta, Hermeto Pascoal, Preta Gil…. Há
lacunas nos mais variados espaços da cultura. E sem a cultura crítica e
democrática não haverá a derrota do trumpismo e outros “ismos”. Não há espaço
para se pensar em uma sociedade mais justa e com pluralismo democrático sem uma
formação dialética das novas gerações dos instantâneos tiktoks ou de
fórmulas dos animes. Um Festival do Rio esvaziado, sem jovens na plateia, sem
escolas, é a demonstração da morte de algo e da ausência do novo.
(1) A. Gramsci, Quaderni del Carcere, vol.
1, Quaderni 1-5 (Turim: Giulio Einaudi editore, 1977), 311.
*Pablo Spinelli é doutorando em Ciência
Política (UNIRIO), Mestre em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (UFRRJ) e
Professor de História da redes pública (Saquarema/Petrópolis) e privada (Rio de
Janeiro).
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