Folha de S. Paulo
Comunidade escolar de São Paulo tem
tecnologia privada de um lado e spray de pimenta do outro
Governador promove modelo
"tecno-autoritário", e professores e gestores vêm perdendo autonomia
Se ainda restam dúvidas sobre o autoritarismo
de Tarcísio
de Freitas, basta olhar a educação paulista. O modelo
"tecno-autoritário" defendido pelo governador, baseado na ideia de
privatizar, vigiar e punir, vem avançando a olhos vistos.
O governo investe em duas frentes principais: plataformas privadas de ensino e militarização de escolas. A empreitada vem sendo levada à cabo pelo empresário Renato Feder, atual Secretário de Educação de São Paulo, que defende uma gestão análoga à de empresas, e um cotidiano escolar análogo ao de quartéis.
Renato Feder foi CEO da Multilaser por 15
anos. Após deixar o cargo, tornou-se sócio da offshore Dragon Gem LLC, proprietária
de 28,16% das ações da Multilaser. Feder assumiu a Secretaria de Educação
em São Paulo depois de atuar no mesmo cargo no Paraná,
estado que, com a sua ajuda, possui hoje 312 escolas cívico-militares, o maior
número do Brasil.
Em dezembro de 2022, logo após ser anunciado
no novo cargo, a Multilaser
fechou contratos de 76 milhões de reais com a Secretaria de Educação
de São Paulo. Depois de sua posse, ao menos três contratos foram fechados com a
empresa em diversas pastas ligadas à educação paulista.
As "coincidências" fizeram com que
Feder fosse investigado pela Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo. No
entanto, contratos de 200 milhões em compras
de notebooks continuaram vigentes.
Em 2023, o secretário anunciou que as escolas
iriam adotar um material 100% digital e recusou a compra de livros do Programa
Nacional de Livros Didáticos, alinhados à Base Nacional Comum Curricular,
avaliada pelo MEC. Após críticas, Tarcísio
afirmou que haveria impressão de livros. No entanto, Feder subiu a aposta
com a adoção de plataformas privadas nas escolas.
De acordo com a professora da Unifesp e
doutora em educação pela USP, Márcia Jacomini, "o aprofundamento do
processo de privatização tem se dado de várias formas, como a compra ou aluguel
de conteúdos digitais via plataformas digitais e leilões para empresas privadas
administrarem algumas unidades". Em sua visão, isso significa um
financiamento do setor privado por recursos públicos.
Em meio a tal processo, professores e
gestores vêm perdendo sua autonomia. Para Juliane Cintra, coordenadora da Ação
Educativa, "a gestão Tarcísio/Feder se caracteriza pela sedimentação de um
cenário persecutório a gestores, comunidade escolar e estudantes —é só por meio
de um cenário de perseguição e assédio que é possível impor o uso de
tecnologias que burocratizam o trabalho, mas que são muito rentáveis, que fazem
sentido quando a educação é enquadrada como modelo de negócio".
Feder já deixou clara sua intenção de que as
escolas funcionem segundo um modelo empresarial baseado em
"resultados". Em agosto, após demitir 20 gestores regionais de um
total de 91, alertou: "não
bateu meta, tchau".
Agora, além de bater metas, a comunidade
escolar também deverá bater continência. No segundo semestre, São
Paulo terá 100 novas escolas cívico-militares. Enquanto o STF não se
pronunciar sobre a constitucionalidade do "modelo escolar", São Paulo
seguirá vigiando e punindo a comunidade escolar com tecnologia privada de um
lado, e spray de pimenta do outro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.