O Estado de S. Paulo
O estabelecimento de um canal direto Lula-Milei poderia ser um indicador importante da prioridade da América do Sul para a política externa brasileira
Profundas diferenças ideológicas separaram
Lula de Trump desde a campanha eleitoral e a posse do presidente
norte-americano. Ataques pessoais agravaram ainda mais a atitude de
estranhamento e de falta de canais de comunicação do Palácio do Planalto com a
Casa Branca.
Ignorando as ofensas e as divergências ideológicas, o presidente Trump, colocando os interesses econômicos e comerciais dos EUA em primeiro lugar, tomou a iniciativa de ligar para o presidente Lula. Esse gesto pragmático, colocando as medidas políticas e ideológicas contra o Brasil em segundo plano, abriu a possibilidade da retomada das negociações comerciais visando superar os impactos negativos para os dois países do tarifaço de julho passado. Por seu lado, o presidente Lula, deixando de lado as sanções políticas contra membros de seu governo e a diferença ideológica, colocou um ponto final na ausência de comunicação com o dignitário norte-americano.
Situação muito semelhante ocorre entre o
Palácio do Planalto e a Casa Rosada em Buenos Aires. Pelas mesmas diferenças
ideológicas e por ataques pessoais duros entre o presidente Lula e o presidente
Javier Milei, permanece a ausência de comunicação direta entre os líderes dos
dois maiores países sulamericanos. Essa situação não é do interesse nem da
Argentina nem do Brasil, num momento de grandes transformações econômicas e
políticas no cenário global.
Se o presidente brasileiro decidiu ignorar as
diferenças e os ataques ao Brasil e a seu governo de parte do lado
norte-americano, não haveria motivo para continuar a ausência de um contato
direto com o presidente de uma nação vizinha, parceira no Mercosul e que
compartilha de história e geografia comum, e com grandes possibilidades de
ampliação do relacionamento econômico, político e comercial.
Javier Milei, por ocasião de sua posse,
enviou uma carta a Lula, entregue em mãos ao ministro Mauro Vieira pela então
chanceler argentina, Diana Mondino. Na missiva, além do convite para participar
da cerimônia, Milei assinala que Brasil e Argentina têm muitos desafios na economia,
na área social e cultural e que, baseados nos princípios da liberdade,
posicionarão os dois países como países competitivos em que os cidadãos possam
desenvolver ao máximo suas capacidades e escolher o futuro que desejam.
Acrescentou que as duas nações estão estreitamente ligadas pela geografia e
pela histó
O estabelecimento de um canal direto
Lula-Milei poderia ser um indicador importante da prioridade da América do Sul
para a política externa brasileira
ria e que, a partir daí, deveriam
compartilhar áreas de complementariedade na integração física, comércio e
presença internacional que permitam que tudo isso seja traduzido em crescimento
e prosperidade para argentinos e brasileiros. Conclui dizendo a Lula que deseja
que o tempo em comum como presidentes seja uma etapa de trabalho frutífero e de
construção de laços que consolidem o papel que a Argentina e o Brasil podem e
devem cumprir no concerto das nações. Além de não ter comparecido à posse de
Milei, Lula deixou a carta sem resposta, apesar do aceno de Milei ao trabalho
conjunto em defesa dos interesses dos dois países.
A exemplo do que fez com Trump, deixando à
parte as diferenças ideológicas e os ataques pessoais, levando em conta os
interesses nacionais mais amplos, chegou o momento de tratar o relacionamento
bilateral de forma pragmática. Os desafios que a geopolítica coloca para o
Brasil e a Argentina, que dependem hoje basicamente de recursos provenientes
das exportações de produtos agrícolas e alimentos para crescer e aumentar a
renda, aconselham uma coordenação mais estreita entre os dois governos. A
próxima assinatura do acordo Mercosul-União Europeia vai demandar uma
coordenação mais estreita entre os dois países nas três frentes – comercial,
política e de cooperação – previstas nos acordos que poderão ser assinados em
dezembro por ocasião da reunião presidencial do Mercosul no Brasil.
Chegou a hora de, no melhor interesse do
Brasil, Lula, assim como Trump, fazer um gesto em relação ao presidente
argentino. No convite, que será feito para a participação na reunião
presidencial do Mercosul, o gesto de aproximação feito por Milei há quase dois
anos poderia ser reciprocado. Nesse encontro, poderia ser quebrado o gelo no
relacionamento entre os dois presidentes e superado o distanciamento existente
até agora.
A ausência de contato direto entre os
presidentes Lula e Milei não impediu que as relações entre Brasil e Argentina
continuassem e prosperassem. As exportações brasileiras seguem crescendo no
mercado argentino. Também continuam em pauta os entendimentos na área de
energia. A retomada de contatos de alto nível poderá abrir a possibilidade de
entendimentos nas áreas de investimentos e cooperação. E a abertura de
conversas em áreas de interesse mútuo, como a criação de cadeias produtivas
regionais com a colaboração entre empresas brasileiras e argentinas. Isso além
de colaboração no desenvolvimento de projetos de integração regional conjuntos,
como as questões de segurança da tríplice fronteira, de energia, do projeto
bioceânico e da Hidrovia Paraná-Paraguai, de grande importância para as
empresas brasileiras.
O estabelecimento de um canal direto
Lula-Milei poderia ser um indicador importante da prioridade da América do Sul
para a política externa brasileira. •
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