Folha de S. Paulo
Mostra integral de Chaplin no CCBB de São
Paulo não tem uma sessão perdível
Hollywood o enxotou como comunista; mas, se
os críticos o esquecem, é mentira que cinema seja uma arte
Imagine um homem que, por metade do século 20, foi um dos três ou quatro gênios de seu tempo –os outros, Freud, Einstein, talvez Picasso— e, aos poucos, foi sendo esquecido até se tornar quase ignorado. O artista é Charles Chaplin, criador de Carlitos e de tantos momentos nos filmes que realizou, de 1914 até 1952, e que por si justificariam a invenção do cinema.
A enquete mundial da revista inglesa Sight
& Sound sobre os maiores filmes da história, feita a cada dez anos, é
significativa. Na primeira, em 1952, Chaplin teve dois filmes empatados em 2º
lugar, "Luzes da Cidade" (1931) e "Em Busca do Ouro" (1925), e outros quatro nos
100 mais: "O Garoto" (1921), "Tempos Modernos" (1936),
"O Grande Ditador" (1940) e "Monsieur Verdoux" (1947). Isso
refletia sua importância para a arte e
até para o entendimento do homem num mundo novo e hostil. Humanistas,
marxistas, psicanalistas, poetas e teólogos o estudavam. Mas, nas enquetes
seguintes, seus filmes foram perdendo terreno. Na última, de 2022, "Luzes
da Cidade" estava em 36º lugar, Tempos Modernos", em 81º, e os outros
se evaporaram.
Daí a importância da "Mostra Chaplin" que o CCBB está levando em São
Paulo até 2 de novembro. Inclui todos os 83 filmes de Chaplin, com as
obras-primas entre os curtas, como "À Uma da Madrugada" e "Casa
de Penhores" (1916), "Rua da Paz" e "O Imigrante"
(1917), "Os Clássicos Vadios" (1921), "Pastor de Almas"
(1923) e muitos mais, como complemento dos imortais médias e longas. Não há
sessão perdível na mostra.
Chaplin foi um pioneiro do cancelamento. Nos
anos 1950, o macartismo o enxotou como comunista e porque, britânico de
nascimento, nunca se tornara cidadão americano. Ele marchou para a Suíça e só
voltou aos EUA 20 anos depois, para receber um Oscar honorário que não pedira.
Mas os críticos já o haviam abandonado como criador. Por quê? Seus filmes
tinham ficado superados?
Se não gostam de Chaplin, tudo bem. Mas, se
Carlitos for cancelado, é mentira que o cinema seja uma arte.
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