domingo, 19 de outubro de 2025

Hora de mostrar destreza e paciência, por Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Cenário atual eleva o valor estratégico do Brasil e oferece oportunidades para o presidente Lula

A reaproximação entre os governos brasileiro e americano continua em curso, embora nada de substancial tenha sido negociado até aqui. O engajamento ocorre em um contexto de mudança do balanço comercial e tecnológico entre EUA e China. E de exacerbação da hostilidade do governo de Donald Trump em relação ao regime venezuelano.

O local escolhido para o encontro de uma hora entre o secretário de Estado Marco Rubio e o chanceler Mauro Vieira revela a dominância da política sobre a crise. Rubio acumula o posto de conselheiro de Segurança Nacional, e portanto tem gabinete também na Casa Branca.

Com exceção parcialmente da China e da Índia, o interesse comercial predomina na guerra tarifária lançada por Trump. Com o Brasil, a motivação é mais política – até porque os EUA sustentam superávit no comércio. As tarifas aplicadas sobre a China estão ligadas à disputa por hegemonia e, sobre a Índia, à pressão para a Rússia aceitar um cessar-fogo com a Ucrânia.

Ao anunciar a tarifa de 50% sobre o Brasil, no dia 9 de julho, Trump publicou, no Truth Social, referindo-se ao processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro: “Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma caça às bruxas que deveria acabar imediatamente”. Caça às bruxas é como Trump se referia ao processo criminal do qual foi réu por tentar reverter a derrota eleitoral de 2020.

As circunstâncias mudaram desde 9 de julho. Diante do alto preço político exigido por Trump – o perdão a Bolsonaro e o fim da regulação das redes sociais –, Lula se resignou à dura realidade da tarifa de 50% e se lançou à conquista de mercados e ao aprofundamento dos laços com a China. Isso retirou de Trump a iniciativa e o impacto – pilares de seu método.

A China progrediu na produção de máquinas de litografia para nanoimpressão, reduzindo sua dependência dos chips sofisticados cujas patentes os EUA controlam. Assim, restringiu as licenças para a exportação de minerais estratégicos, para pressionar pela retirada das tarifas sobre seus produtos, sem que a retaliação por Trump com a suspensão das vendas de chips tenha o mesmo impacto.

Enquanto não chegam a um acordo, a China substitui a soja americana pela brasileira e argentina. Isso incentiva Trump a mudar de estratégia e a criar uma distração na Venezuela, com bombardeios a lanchas civis e ameaças de operações terrestres.

Esse cenário eleva o valor estratégico do Brasil, detentor da segunda maior reserva de terras raras, depois da China, e oferece oportunidades para Lula se mostrar útil sem fazer concessões desvantajosas. Mas terá de agir com destreza e paciência.

 

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