O Estado de S. Paulo
Cenário atual eleva o valor estratégico do Brasil e oferece oportunidades para o presidente Lula
A reaproximação entre os governos brasileiro
e americano continua em curso, embora nada de substancial tenha sido negociado
até aqui. O engajamento ocorre em um contexto de mudança do balanço comercial e
tecnológico entre EUA e China. E de exacerbação da hostilidade do governo de
Donald Trump em relação ao regime venezuelano.
O local escolhido para o encontro de uma hora entre o secretário de Estado Marco Rubio e o chanceler Mauro Vieira revela a dominância da política sobre a crise. Rubio acumula o posto de conselheiro de Segurança Nacional, e portanto tem gabinete também na Casa Branca.
Com exceção parcialmente da China e da Índia,
o interesse comercial predomina na guerra tarifária lançada por Trump. Com o
Brasil, a motivação é mais política – até porque os EUA sustentam superávit no
comércio. As tarifas aplicadas sobre a China estão ligadas à disputa por
hegemonia e, sobre a Índia, à pressão para a Rússia aceitar um cessar-fogo com
a Ucrânia.
Ao anunciar a tarifa de 50% sobre o Brasil, no dia 9 de julho, Trump publicou, no Truth Social, referindo-se ao processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro: “Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma caça às bruxas que deveria acabar imediatamente”. Caça às bruxas é como Trump se referia ao processo criminal do qual foi réu por tentar reverter a derrota eleitoral de 2020.
As circunstâncias mudaram desde 9 de julho.
Diante do alto preço político exigido por Trump – o perdão a Bolsonaro e o fim
da regulação das redes sociais –, Lula se resignou à dura realidade da tarifa
de 50% e se lançou à conquista de mercados e ao aprofundamento dos laços com a
China. Isso retirou de Trump a iniciativa e o impacto – pilares de seu método.
A China progrediu na produção de máquinas de
litografia para nanoimpressão, reduzindo sua dependência dos chips sofisticados
cujas patentes os EUA controlam. Assim, restringiu as licenças para a
exportação de minerais estratégicos, para pressionar pela retirada das tarifas
sobre seus produtos, sem que a retaliação por Trump com a suspensão das vendas
de chips tenha o mesmo impacto.
Enquanto não chegam a um acordo, a China substitui
a soja americana pela brasileira e argentina. Isso incentiva Trump a mudar de
estratégia e a criar uma distração na Venezuela, com bombardeios a lanchas
civis e ameaças de operações terrestres.
Esse cenário eleva o valor estratégico do
Brasil, detentor da segunda maior reserva de terras raras, depois da China, e
oferece oportunidades para Lula se mostrar útil sem fazer concessões
desvantajosas. Mas terá de agir com destreza e paciência.
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