Folha de S. Paulo
Encontro com Samuel Ferreira pegou de
surpresa o bolsonarismo evangélico
Lula passou a circular de forma favorável nas
redes sociais de crentes das periferias
A visita do bispo Samuel Ferreira, da
Assembleia de Deus Madureira, a Lula pegou de
surpresa o bolsonarismo evangélico. O fato de seus principais nomes terem se
pronunciado mostra que acusaram o golpe.
Ferreira lidera uma das igrejas mais
populares e influentes do país, conhecida entre evangélicos por ser mais
tradicional que a média. Ao ser fotografado com o bispo, Lula passou a circular
de forma favorável nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp de crentes das
periferias. É justamente o público identificado pelo cientista político Victor
Araújo como o foco do antipetismo
pentecostal.
Entre os que reagiram ao encontro estão os pastores Silas Malafaia e Teo Hayashi e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Hayashi é um dos organizadores do The Send, o evento para jovens evangélicos onde, em 2020, Bolsonaro fez uma aparição como convidado especial.
Ao comentar o encontro, Malafaia, Hayashi
e Michelle
atacaram Lula diretamente e se referiram a Ferreira apenas de forma
indireta. "Pior do que herege é o falso evangélico", esbravejou
Malafaia. Michelle publicou a foto do encontro citando o livro do Apocalipse:
"Continue o imundo na imundícia".
Malafaia e Hayashi defendem que o afastamento
dos evangélicos em relação a Lula decorre de uma incompatibilidade de valores.
Para criticar o encontro, resgatam trechos em que o presidente fala sobre temas sensíveis —como aborto e
apoio a países comunistas que perseguem o cristianismo.
Os três se manifestaram por causa da
viralização da imagem. Mas, ao comentarem o episódio, ajudaram a expor o
próprio partidarismo. Criticar um pastor por orar com o presidente é admitir
que a fé se tornou instrumento político —algo de que o bolsonarismo se
beneficiou amplamente.
Evangélicos menos envolvidos com política,
inclusive antipetistas, estranharam os ataques ao encontro do presidente com
Ferreira. Consideram positivo que Lula peça
orações e tenha recebido a Bíblia presenteada pelo bispo.
O que pouco se comentou é o que levou Lula e
Janja —principalmente ela— a mudarem de postura em relação a evangélicos, mesmo
se expondo a críticas do eleitorado progressista.
Janja tem visitado igrejas e dialogado com mulheres evangélicas. E, neste mês, Lula fez
algo inusual: uma autocrítica pública. "Evangélico não é contra nós, nós é
que não
sabemos falar com eles", disse em discurso em congresso do PCdoB.
Esse movimento vem sendo construído há algum
tempo, mas a mudança de chave pode ter se consolidado com a aproximação entre o
casal presidencial e a vereadora
goianiense Aava Santiago. Socióloga e assembleiana, ela domina a linguagem
pentecostal e exemplifica como há compatibilidade entre cristianismo, defesa de
pautas sociais e disputa sobre costumes.
O bolsonarismo evangélico tem motivos para
estar desconfortável: Lula parece, enfim, seguro para se aproximar dos evangélicos.
E se continuar a buscar esse diálogo, outros pastores atenderão.
Ao mesmo tempo, isso nos deixa imaginando:
qual pode ser o produto, a longo prazo, do encontro entre o sindicalismo do PT
e o movimento pentecostal?

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