O Globo
O acordão precisa da anuência do STF,
envolvido nas negociações desde o ponto de partida
À BBC Brasil, José Dirceu opinou que Jair
Bolsonaro “não tem condições de ir para a prisão comum”. A voz mais relevante
no PT, depois de Lula, acha “muito improvável que se possam colocar presos
vulneráveis no sistema penitenciário controlado pelo crime organizado”, pois
“as condições são péssimas”. É um recado ao público interno — e um largo passo
no acordão que se costura.
“Justiça igual sob a lei” — o mandamento inscrito na fachada do edifício da Suprema Corte dos Estados Unidos é um pleonasmo, porque supõe-se que a justiça seja inerentemente igual. Anthony Kennedy, ex-juiz da Corte, ensinou a função do pleonasmo: enfatizar algo que geralmente se esquece. No Brasil, sem chance. Os manés vão para a Papuda, que “não tem condições” de receber os “homens bons”.
Collor ganhou uma mansão com vista para o
mar. Lula, menos privilegiado, uma sala exclusiva na Polícia Federal.
Bolsonaro, ao que tudo indica, terá uma mansão com vista para o lago. O item
conclusivo do acordão depende do STF, mas parece selado. No máximo, os juízes
de capa preta encenarão um arranjo transitório, talvez similar ao de Lula,
antes de conceder o privilégio combinado.
Paulinho da Força opera como negociador-mor
do acordão. O esquema deve resultar na redução de penas para todos os
condenados pela tentativa de golpe de Estado, produzindo a soltura imediata dos
amotinados manés do 8 de Janeiro, e abreviar a duração da prisão dos núcleos de
chefia da conspiração golpista. Em troca, o Congresso incineraria a anistia
“ampla e irrestrita” almejada pelo bolsonarismo.
No início, Paulinho articulou uma aliança
entre o Planalto e o Centrão, destinada a isolar os Bolsonaros e o PL. Gleisi
Hoffmann deu o sinal verde ao admitir a redução legislativa de penas, mas o
sucesso das manifestações de rua de 21 de setembro entornou o caldo. Governo e
PT recuaram, temendo a reação de sua base social. Na segunda versão do acordão,
Paulinho articula uma aliança entre Centrão e PL, isolando o Planalto. A bênção
tácita dos Bolsonaros derivaria da oferta da tal mansão com vista para o lago.
De um modo ou do outro, o acordão precisa da
anuência do STF, envolvido nas negociações desde o ponto de partida. Dos juízes
supremos, espera-se um duplo compromisso: pela inação, aceitariam a “anistia
light” condensada no eufemístico PL da Dosimetria; pela ação, concederiam o benefício
da prisão domiciliar ao “vulnerável” Bolsonaro.
Na esteira das depredações do 8 de Janeiro,
ministros do STF entregaram-se à hipérbole, usando o termo “terrorismo”, que
logo esqueceram. A encenação prosseguiu pela aplicação de penas exorbitantes aos
manés, o que lhes rendeu, na paisagem da polarização política, tanto aplausos
frenéticos quanto gritos de indignação. Daí que, na dosimetria das sentenças
dos chefes golpistas, os juízes obrigaram-se a exibir severidade proporcional.
Agora, o acordão molda a valsa do recuo, que
pode ou não abranger cláusulas ocultas. O Planalto engajou-se em negociação com
a Casa Branca sobre as sanções tarifárias e não tarifárias impostas por Trump à
economia nacional e a juízes de capa preta. Haverá entrelaçamento dessas
conversas intergovernamentais com o acordão entre os Poderes?
Edson Fachin assumiu a presidência do STF
falando contra a hipótese de corte dos supersalários e de alguma parcela dos
vastos privilégios pecuniários da magistocracia, que qualificou como
interferência na “autonomia da magistratura”. Seria uma mensagem cifrada sobre
as condições para admissão da redução legislativa de penas?
A “harmonia entre os Poderes” evocada no
artigo 2º da Constituição comparece, ritualmente, como senha de legitimação dos
acordos de conciliação pelo alto tão comuns na nossa História. O acordão em
curso nada tem a ver com a justiça ou o Estado de Direito, mas reflete a
confluência de interesses políticos.
O Planalto e o Centrão querem, por motivos
distintos, a desqualificação eleitoral de Bolsonaro. O bolsonarismo quer, como
mínimo, sentenças menores para as lideranças golpistas. Todos podem ter sua
parte no bolo. A mansão com vista para o lago é “pacificação” — justiça
desigual sob a lei.
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