domingo, 12 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais /Opiniões

Lula deve evitar populismo da tarifa zero

Por O Globo

Medida demonstra pouca eficácia, e responsabilidade por transporte urbano cabe a prefeitos e governadores

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometerá um enorme equívoco se embarcar no populismo da tarifa zero para o transporte público. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que, a pedido de Lula, a equipe econômica realiza uma “radiografia” do setor para avaliar o modelo. No dia seguinte, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, veio a público dizer que o governo federal não planeja implementá-lo “neste ou no próximo ano”. Mas, se não flertasse com a ideia, Lula não pediria estudos a respeito.

O governo federal não deveria se meter com tarifas de ônibus. Apesar do apelo eleitoreiro, a tarifa zero se mostra pouco viável na prática. Dos 5.570 municípios brasileiros, pouco mais de cem — em geral de pequeno e médio portes — a adotam em situações muito específicas. É o caso de Maricá, cidade de 212 mil habitantes na Região Metropolitana do Rio, campeã de arrecadação de royalties do petróleo no Brasil (R$ 2,7 bilhões em 2024). Em São Paulo, maior metrópole do país, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) até cogitou adotar tarifa zero nos ônibus municipais, mas o modelo ficou restrito a domingos e datas festivas. Em Belo Horizonte, a Câmara de Vereadores rejeitou na semana passada, por 30 votos a 10, um projeto que previa implantar gratuidade nos ônibus da cidade de 2,4 milhões de habitantes. Prevaleceu a sensatez.

A tarifa zero tem custo alto. Alguém precisa pagar pela compra e manutenção dos veículos, funcionários, combustível, ar-condicionado, reposição de peças, depredações etc. O subsídio concedido às empresas de ônibus já é alto. “O modelo atual de financiamento do transporte é insustentável”, diz o pesquisador do Ipea Rafael Pereira. “O subsídio é necessário. Mas é preciso discutir o desenho, o tamanho e quem será subsidiado.”

Quando o passageiro tem passe livre, o poder público paga ainda mais, sem que necessariamente isso resulte em benefício coletivo. Com a gratuidade, o número de usuários se multiplica, aumentando o desgaste do sistema e reduzindo sua eficiência. A migração de usuários do carro particular para o transporte público em decorrência do subsídio às tarifas é mínima, ou mesmo inexistente, constatou estudo que analisou 11 pesquisas de origem-destino em sete regiões metropolitanas do Brasil usando como base a população idosa. Consequentemente, os efeitos alegados sobre congestionamentos e emissões de gases costumam ser insignificantes. Além de não tirar carros das ruas, o modelo incentiva cidadãos que se deslocam a pé ou de bicicleta a migrar para o ônibus.

Obviamente, o custo dos deslocamentos pesa no orçamento das famílias de baixa renda e, por vezes, funciona como limitador para quem mora nas periferias obter empregos de melhor remuneração. Mas existem outras políticas públicas de inclusão com foco na população carente, como vale-transporte, bilhete único, além das gratuidades que muitas cidades e estados já adotam para estudantes da rede pública, idosos e deficientes. O mais sensato é dirigir os subsídios a quem realmente precisa, e não para garantir receitas às empresas de ônibus, num setor já assolado por corrupção e infiltração do crime organizado. O governo Lula faria bem se resistisse ao populismo tarifário e deixasse a questão do transporte urbano aos responsáveis: prefeitos e governadores.

Programa econômico corajoso de Milei corre risco com eleições legislativas

Por O Globo

Mercado pressiona peso depois de escândalos que derrubaram popularidade do presidente argentino

O governo de Javier Milei enfrenta um momento decisivo. Milei tem conduzido um corajoso programa de austeridade e equilíbrio fiscal na Argentina. Infelizmente, seu governo foi atingido por escândalos de corrupção envolvendo sua irmã e braço direito, Karina Milei. O baque na popularidade foi inevitável. Com a proximidade das eleições legislativas, marcadas para o próximo dia 26, aumenta a incerteza sobre a viabilidade política do plano de estabilização, contribuindo para aumentar a pressão. Como tantos outros governos na Argentina, Milei parece dar voltas em torno da mesma espiral trágica: a confiança na Casa Rosada sofre abalo, o peso se desvaloriza, a alta do dólar pressiona ainda mais a confiança.

Em sete sessões seguidas, o Tesouro argentino vendeu neste mês US$ 320 milhões de suas parcas reservas externas para conter a desvalorização. O Banco Central já havia despejado US$ 1 bilhão no mercado em setembro, obedecendo à regra negociada com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de só intervir quando o peso ultrapassasse o limite de 1.470 por dólar. O acordo fechado em abril com o FMI resultou numa linha de financiamento de US$ 20 bilhões para repor as reservas argentinas. Agora houve o reforço com mais US$ 20 bilhões do governo americano. Milei conta com sua proximidade do governo Donald Trump para honrar seus compromissos. O risco é a crise de confiança se tornar uma profecia autorrealizável, sabotando as conquistas obtidas até agora.

Eleito no final de 2023, Milei recebeu o país com inflação anual de 211% e recessão de pouco mais de 1,5%. Baixou um conjunto de mais de 300 medidas, promovendo um choque na economia por meio de desregulamentação no trabalho, no comércio e nas finanças, enxugando a máquina burocrática com o fechamento de repartições e demissão no funcionalismo. Logo ao assumir, afastou 5 mil servidores contratados no ano eleitoral.

A pobreza cresceu num primeiro momento, mas os resultados não demoraram a aparecer. A inflação de 25% no mês da posse de Milei caiu a 8,8% em abril de 2024 e chegou a 2,4% em fevereiro deste ano. Em agosto, foi de 1,9%, e a taxa anualizada atingiu 33,6%. O índice de pobreza, de 57,4% da população no fim de janeiro de 2024, estava em torno de 39% no final do ano, reflexo da volta do crescimento. O PIB cresceu no segundo trimestre, em bases anuais, mais de 5%. O relatório do Banco Central aponta para expansão de 4,4% em 2025.

Há muito ainda a fazer na Argentina. Milei venceu as eleições por se apresentar como alternativa a um eleitorado cansado da falta de perspectiva, em busca de um projeto que quebrasse o ciclo vicioso de populismo que invariavelmente resulta em crises econômicas e políticas. Seria lamentável se, mais uma vez, o país voltasse a encenar a mesma novela de governos incapazes de promover o ajuste fiscal necessário para resgatar o crescimento em bases sustentáveis.

Lula tem a chance de dar contribuição ao STF

Por Folha de S. Paulo

Com imagem abalada, Supremo precisa de nome relevante por saber jurídico, não por fidelidade partidária

Presidentes submetem indicação a um crivo pouco republicano, já ministros abandonaram sutileza em decisões que beneficiam quem os nomeou

aposentadoria precoce do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), abre uma conhecida disputa nos bastidores para ver quem ocupará a cadeira ora vaga. Por força da Constituição, cabe ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indicar um nome, e ao Senado, confirmá-lo.

Em seu terceiro mandato, Lula está longe de ser um neófito nessa função. Já se mostrou capaz de priorizar critérios como a técnica jurídica e a diversidade, mas também permitiu que a proximidade política e a lealdade adquirissem papel preponderante em sua deliberação.

Não foi o único nem o primeiro a se deixar guiar sobretudo por requisitos que, a rigor, representam uma distorção do sistema de seleção. A diferença é que, perante a sociedade, a reputação institucional do Supremo está depreciada em proporção inaudita.

Acumulado ao longo do tempo, o desgaste aumentou em proporção direta com a hipertrofia da corte, cujos poderes e influência se tornaram cada vez mais visíveis na política e na economia do país —no mais das vezes, como resultado de um esforço que o próprio Supremo fez para expandir suas prerrogativas.

Em um ciclo pernicioso, chefes do Executivo notaram a importância estratégica do STF e passaram a submeter a indicação de seus membros a um crivo pouco republicano; ministros, por sua vez, abandonaram qualquer sutileza na tomada de decisões que beneficiam quem os nomeou.

A tensão política dos últimos anos só agravou esse processo. O grupo que estiver na Presidência da República tem poucos incentivos para abrir mão dessa lógica de nomeação —ainda que a reconheça como daninha— por supor que, no futuro, seus adversários dificilmente agirão com o mesmo tipo de grandeza.

Lula e seu entorno por certo percebem o dilema. O que talvez não enxerguem, por estarem mergulhados nas intrigas políticas, é que o Supremo, nessa toada, caminha para uma armadilha: à perda do capital simbólico, representada pelo desapreço da população, se seguirão represálias crescentes do Congresso.

Não há vencedores nesse cenário que, embora hipotético, não parece muito distante. Lula tem a chance de deixar sua contribuição para evitá-lo: cumpre nomear para o STF alguém que não tenha a fidelidade e o partidarismo como características dominantes.

O Senado também pode dar sua contribuição. Como responsável por confirmar a escolha, a Casa tem a oportunidade de negociar com Lula um nome de consenso —alguém que até possa compartilhar visões de mundo com o presidente, o que é legítimo, mas que não se destaque pela perspectiva do ativismo desabrido.

Da pessoa que Lula escolher, por sua vez, espera-se máximo compromisso com a independência e a autocontenção —duas marcas, aliás, que o ministro Edson Fachin deveria imprimir no Supremo Tribunal Federal durante sua presidência.

Conflito entre EUA e China se agrava mais uma vez

Por Folha de S. Paulo

País asiático impõe restrições à venda de terras raras, e Trump responde com mais um tarifaço

O embate se acirra em um mundo já repleto de incertezas; para o Brasil, com crise fiscal, inflação e juros altos, é motivo de alerta

A trégua de cinco meses no conflito econômico entre Estados Unidos e China foi rompida na sexta-feira (10), a cerca de duas semanas de um encontro marcado entre Donald Trump e Xi Jinping.

A pasta chinesa do Comércio impôs restrições à exportação e uso de terras raras e tecnologias relacionadas. O americano respondeu com mais um tarifaço, elevando em 100 pontos percentuais o imposto de importação sobre produtos do país asiático, e novas restrições à venda de alta tecnologia para a China.

O risco de que a tensão entre os dois países voltasse aos níveis de abril já abalava os mercados financeiros. Agora, reavivam-se incertezas acerca de regras do jogo econômico, da viabilidade de investimentos e do suprimento de insumos industriais. Resta saber se as potências vão recuar dessa nova onda de insanidade.

Antes da trégua de maio, a restrição às vendas de terras raras prejudicara a produção em fábricas americanas e europeias. Embora Trump houvesse baixado as tarifas de abril sobre produtos chineses, o governo de Xi pretendia que os EUA revissem sanções tecnológicas e contra empresas chinesas.

Tais proibições se multiplicaram no primeiro governo do republicano, em parte foram mantidas ou diversificadas sob a administração de Joe Biden e se tornaram instrumento mais agressivo neste ano. Em linhas gerais, são política de Estado.

No caso de Trump 2, o problema maior é a imprevisibilidade que se imprime ao conflito geoeconômico, com mudanças frequentes de regras e exorbitâncias como o tarifaço de abril.

A China limitou na quinta (9) exportações de terras raras, de produtos fabricados com esses minerais, das tecnologias de extração e processamento e dos equipamentos utilizados.

Empresas estrangeiras terão de pedir permissão ao governo a fim de realizar negócios com bens que utilizem insumos, conhecimentos e equipamentos chineses. As vendas de matérias-primas que possam ser utilizadas no setor militar estão vetadas.

Tais medidas, no limite, podem prejudicar a indústria de ponta dos EUA e de países desenvolvidos. São capazes de dificultar a atividade do complexo que impulsiona o crescimento econômico de curto prazo e projeta revolução tecnológica, aquele relacionado à inteligência artificial.

O conflito sino-americano se agrava em um mundo já repleto de incertezas. Para o Brasil, que tem incubada uma crise fiscal e padece sob inflação resistente e juros altos, é motivo de alerta.

É hora de repensar o papel do Supremo

Por O Estado de S. Paulo

Uma Corte menos sobrecarregada e mais fiel à sua natureza colegiada e vocação constitucional pode recuperar a confiança da sociedade e resgatar sua autoridade, o que faz bem à democracia

A aprovação do Projeto de Lei 3.640/2023 inspira uma reflexão mais ampla sobre um tema sensível, mas fundamental para o Brasil: a posição do Supremo Tribunal Federal (STF) no arranjo institucional do País.

O projeto em questão, aprovado em caráter terminativo pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, impõe restrições legais às decisões monocráticas, o que o regimento interno do STF já faz, e limita o rol de partidos com legitimidade para propor ações de controle concentrado de constitucionalidade, o que é inconstitucional à luz do art. 103, inciso VIII, da Lei Maior. Mas, a despeito desses problemas, o projeto reforça a necessidade de resgatar a natureza colegiada da Corte, expõe a banalização do acesso à mais alta instância do Poder Judiciário e mostra que há disposição política para discutir uma necessária reforma do Supremo.

A Constituição de 1988 atribuiu ao STF uma gama de competências que extrapola, e muito, o modelo de uma corte constitucional clássica. Além da função precípua de garantir que direitos constitucionais tenham eficácia, o Supremo, no Brasil, é uma instância recursal e um tribunal criminal para autoridades detentoras do chamado “foro privilegiado”. Essa acumulação de funções, compreensível no contexto da transição da ditadura militar para o regime democrático, gerou distorções ao longo do tempo que precisam ser enfrentadas com coragem e espírito republicano.

A realidade se impôs: o Supremo, sobrecarregado de processos e compelido a decidir sobre questões eminentemente políticas, passou a ser visto mais como um participante do jogo de poder político do que como um tribunal imparcial. Em maior ou menor grau, as crises institucionais ocorridas no País nos últimos 20 anos, muitas deflagradas pela excessiva judicialização da política, tiveram o STF como um dos protagonistas e, por isso, corroeram a confiança da sociedade na Corte. Ao se tornar uma arena de disputas partidárias e ao participar de embates entre o Executivo e o Legislativo – seja por imposição legal, seja por voluntarismo dos seus membros –, o STF se distanciou ainda mais do ideal de uma corte puramente constitucional como instituição vital para o Estado de Direito.

É preciso rediscutir um arranjo constitucional que, malgrado o acerto de sua concepção à época, já não se mostra apto a contribuir para a estabilidade institucional do País. E isso não significa enfraquecer materialmente o Supremo nem muito menos degradar sua legitimidade. Ao contrário: o que se pretende é fortalecê-lo. Restringir sua competência ao estrito controle de constitucionalidade, aliviando-o das funções de instância recursal e de tribunal criminal, implica fazer do Supremo uma corte constitucional em sentido pleno, um modelo já consagrado pela experiência em democracias bem mais consolidadas do que a brasileira. Questões infraconstitucionais, em particular as de matéria penal, poderiam ser facilmente deliberadas pelo Superior Tribunal de Justiça, que possui todas as condições de atuar como última instância em uma miríade de processos.

Evidentemente, essa não será uma discussão fácil no Congresso. Forças muito poderosas decerto serão mobilizadas para manter tudo rigorosamente como está, contratando novas crises. Ademais, os conhecidos inimigos da democracia farão de tudo para intoxicar o debate com suas mentiras e distorções da realidade para deslegitimar o STF como instituição garantidora da ordem constitucional democrática. Mas ser difícil não significa que seja impossível trabalhar para dotar o Brasil de uma Corte Suprema integralmente dedicada à análise de questões constitucionais, pairando acima, quase anônima, das tensões típicas dos embates políticos em qualquer sociedade livre. As grandes conquistas civilizatórias da sociedade brasileira sempre deram trabalho.

A Constituição de 1988 foi escrita sob o signo da redemocratização e respondeu muito bem ao momento histórico. Mas as circunstâncias mudaram. Hoje, repensar o papel do Supremo, com boa-fé e dentro das balizas democráticas, é tarefa indispensável para um futuro mais auspicioso para o País.

A transição energética não começou

Por O Estado de S. Paulo

Enquanto o País se vê entre a transição e a condição de produtor de petróleo que atende à demanda global, faltam políticas que apontem o caminho que nos levará ao futuro ambiental

Um relatório produzido pelo Instituto Ambiental de Estocolmo, Climate Analytics e Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, com a contribuição de mais de 50 cientistas de todo o mundo, mostrou um aparente descompasso entre as projeções do Brasil em relação à produção de petróleo e gás e o compromisso de redução de suas emissões de gases de efeito estufa. Intitulado Lacuna de Produção de 2025 (The Production Gap), o documento lembra que o País promete reduzir emissões em até 67% até 2035, conforme a meta climática apresentada às Nações Unidas, mas, por outro lado, projeta um aumento de 56% na produção de petróleo até 2030 e de 118% na de gás até 2034. Nesse terreno, a conjunção adversativa soa como uma constatação moral, uma conclusão inevitável diante de uma suposta contradição: o presidente Lula da Silva se apresenta como o timoneiro global do clima, e o seu governo, como o líder das negociações climáticas e ambientais, mas o País avança mesmo é na exploração do petróleo.

A contradição, no entanto, é só aparente. Se, por um lado, é inquestionável a necessidade de descarbonização da economia dos países, reduzindo a exploração de combustíveis fósseis de modo compatível com o limite de aumento médio da temperatura global, por outro lado, ainda levará alguns anos até que o petróleo perca em definitivo sua relevância comercial. O petróleo responde por mais da metade da energia produzida no mundo e é a fonte mais barata e confiável e, mesmo no cenário mais agressivo (e improvável) de descarbonização, estima-se que os combustíveis fósseis ainda responderão por 15% da matriz energética global em 2050, por exemplo. Ignorar tal demanda e deixar de explorar suas reservas potenciais significa condenar o Brasil a perder alguns trilhões de reais, algo especialmente grave para um país que ainda não cumpriu a trajetória esperada de desenvolvimento.

Faz mais sentido admitir que há demanda remanescente por petróleo até que a transição energética se complete do que negá-la. E, mais ainda, concentrar essa produção nos países onde a extração e o refino emitem menos gases, como é o caso do Brasil – tanto que boa parte das emissões brasileiras vem do desmatamento. Mas esse reconhecimento não exime o governo de suas contradições. Uma das maiores é menos a projeção de aumento na produção de petróleo e mais a ausência do que fazer e dizer em relação à transição energética. Planos e marcas não lhe faltam. Os Ministérios da Fazenda e do Meio Ambiente conduziram o chamado Plano de Transformação Ecológica, batizado de “Novo Brasil” – oficialmente é uma agenda que conecta “desenvolvimento econômico a uma nova relação com o meio ambiente e à redução das desigualdades”. Já o Ministério de Minas e Energia liderou a apresentação da Política Nacional de Transição Energética, destinada, segundo seus arquitetos, a reestruturar a matriz energética do País, “tornando-a mais sustentável e alinhada com os objetivos de redução de emissões”.

Em tese, são iniciativas que abrangem ações interministeriais, com o envolvimento de múltiplas pastas. Apenas em tese, porque na prática faltam vasos comunicantes entre ministros e sobram dissonâncias, enquanto o chefe deles, Lula da Silva, a quem caberia cobrar uma visão mais uniforme, divide-se entre o agrado de todos os lados, ao sabor das conveniências. Ora Lula é o entusiasta das potenciais maravilhas advindas da exploração do petróleo, ora é o salvador das florestas e o fiscal do mundo em relação às mudanças climáticas, fantasia ainda mais eloquente conforme se aproxima a COP-30, em Belém.

Não há dúvida de que o Brasil precisa realizar a transição energética definitiva para fontes limpas. Mas também é inquestionável que transição é, por definição, um processo, não uma ruptura. Como tal, não combina com imediatismos, tampouco com restrições voluntaristas à oferta, e sim com políticas claras, adequadas, pactuadas e direcionadas à redução voluntária da demanda. Para que isso ocorra na prática, não há milagres nem salvacionismo, e sim estratégia bem definida, planejamento, prazos e participação dos setores econômicos – um itinerário prudente e racional, capaz de nos levar ao futuro, sem que fiquemos à mercê de planos no papel, retóricas triunfalistas ou batalhas ideológicas em torno do clima e da vida.

Demagogia previdenciária

Por O Estado de S. Paulo

A mesma Câmara que rejeita impostos aprova gasto bilionário com aposentadoria de agentes comunitários

É fácil culpar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela evidente disposição de aumentar gastos, mas a Câmara dos Deputados provou, na semana passada, que o desequilíbrio fiscal é uma obra de muitas mãos, inclusive as dos deputados. Depois de meses de negociações entre o Executivo e o Legislativo, os parlamentares decidiram rejeitar uma medida provisória que aumentaria a arrecadação em R$ 20,9 bilhões no ano que vem. Na mesma semana, no entanto, aprovaram em menos de três horas uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pode gerar uma despesa de até R$ 800 bilhões nos próximos anos.

O texto cria regras mais que generosas para a aposentadoria de cerca de 400 mil agentes comunitários de saúde e combate a endemias em todo o País. Aprovada por 446 votos a 20, no primeiro turno de votação, e por 426 a 10, no segundo, a PEC garante aos servidores o direito de se aposentar com salário integral e com o mesmo reajuste concedido aos que estão na ativa, privilégios extintos há mais de 20 anos na administração pública.

A maioria dos agentes é formalmente vinculada a municípios e Estados, mas a PEC garante que caberá à União arcar com o custo dessa bondade. E que bondade. Se tiverem exercido essas atividades por 25 anos até o fim de 2030, mulheres poderão se aposentar aos 50 anos de idade, e homens, aos 52; até 2041, a idade mínima subirá até chegar a 57 e 60 anos, respectivamente, mas permanecerá inferior à regra válida para a maioria dos brasileiros atualmente.

Não por acaso, a proposta ganhou a alcunha de contrarreforma da Previdência – e antes fosse mero exagero retórico. Ao jornal O Globo, o economista Paulo Tafner, especialista em Previdência e diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), disse que a PEC representa o “maior retrocesso previdenciário em 70 anos”.

A tranquilidade com que os deputados aprovaram a proposta só se justifica pelo misto entre populismo e negacionismo econômico. A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) alertou que o texto causaria um impacto de R$ 69,9 bilhões nos regimes próprios dos municípios. Já o Ministério da Previdência estimou o déficit atuarial em R$ 800 bilhões nos próximos 50 anos, sendo R$ 270 bilhões para as prefeituras e R$ 530 bilhões para a União. Mas o relator, Antonio Brito (PSD-BA), apresentou números bem mais modestos, de R$ 5,5 bilhões até 2030. “Nenhum prefeito e governador pagará nada, estará tudo arcado pela União”, afirmou, durante a votação.

A liderança do governo, a despeito de ter números bem mais realistas em mãos, liberou os deputados para se posicionarem como preferissem. Pudera. Com as galerias ocupadas por dezenas de agentes comunitários e o apoio explícito do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que chegou a vestir o colete da categoria, a votação era um jogo de cartas marcadas para limpar a barra da Casa após a aprovação do requerimento de urgência para o projeto da anistia e da PEC da Blindagem. Espera-se que o Senado enterre essa sandice, que, se promulgada, será um incentivo para que outras categorias profissionais busquem assegurar o mesmo benefício.

Compromisso com a ciência

Por Correio Braziliense

O desenvolvimento de um imunizante totalmente nacional significa um passo da maior relevância para a soberania científica do Brasil

Na semana passada, o Brasil publicou os primeiros resultados de uma vacina 100% nacional contra a covid-19. Em testes clínicos, com a participação de aproximadamente 350 voluntários, o imunizante mostrou-se seguro e eficaz. Além de preparar as células do organismo humano a resistir a uma eventual transmissão da doença, em caso de infecção, a vacina SpiN-Tec habilita o sistema imunológico a atacar apenas as células atingidas pelo coronavírus. Essa característica, segundo os pesquisadores envolvidos no projeto, representa uma inovação no combate ao patógeno causador da pandemia. 

Vencidas essas primeiras etapas, os cientistas pretendem obter autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para realizar a fase 3 dos testes, com 5,3 mil voluntários de todas as partes do país. Mantido o andamento do processo, a expectativa é de que o imunizante nacional contra a covid-19 esteja disponível para os brasileiros em 2027.  

A vacina SpiN-Tec é fruto de um trabalho desenvolvido pelo Centro de Tecnologia de Vacinas (CT-Vacinas) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com a Fundação Ezequiel Dias (Funed), com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), gerido pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Para fomentar a iniciativa, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) investiu R$ 140 milhões.

Trata-se de um avanço extraordinário para o Brasil, considerando que a pandemia de covid-19 matou mais 700 mil pessoas no país. No período mais crítico, em abril de 2021, a doença ceifou mais de 4 mil vidas em apenas um dia. Todos ainda se recordam da angústia que o país viveu à espera de imunizantes — e a dura constatação de que éramos dependentes de tecnologia e conhecimento científico acumulado no exterior.  

Registre-se que a vacina brasileira contra a covid-19 se junta a outra iniciativa relevante em nosso território: a partir do próximo ano, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) deverá oferecer 60 milhões de doses da vacina doméstica contra a dengue. A intenção é atender a população de 2 a 59 anos, com possibilidade de ampliação da faixa etária e coadministração com a vacina contra a chikungunya. 

O desenvolvimento de um imunizante totalmente nacional significa um passo da maior relevância para a soberania científica do Brasil. Além de fortalecer toda a rede de pesquisa voltada ao aprimoramento da saúde pública, confirma o papel do país como referência em políticas de imunização. Ainda está na memória de muitos a espetacular vitória contra a poliomielite nos anos 1970-1980, apesar das recidivas em anos recentes. Diga-se, ainda, que esses avanços colocam o Brasil como um fornecedor relevante de vacinas no exterior, especialmente para países gravemente acometidos por doenças infecciosas. 

Por fim, no caso específico da covid-19, o desenvolvimento de uma vacina totalmente brasileira reforça o compromisso do país com a ciência, após o tenebroso período de charlatanismo no governo Bolsonaro. É o resgate da vida, em que pese a tristeza com a morte das vítimas de tanta irresponsabilidade, incompetência, negacionismo e falta de empatia.

O POVO e FDR na Bienal do Livro de Pernambuco

Por O Povo (CE)

Termina neste domingo, 12, a XV Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, no Centro de Convenções de Olinda (PE). Pela primeira vez, participam a Fundação Demócrito Rocha (FDR) e O POVO, com estande cuja programação incluiu lançamento de livros, bate-papos e promoções. Mais do que isso, o evento representa o Nordeste em foco, promovendo encontros com outros estados e acolhendo diferentes propostas em conexões literárias que ultrapassam fronteiras.

O tema da Bienal de Pernambuco é "Ler é sentir cada palavra" e propôs ampliar a valorização da leitura enquanto experiência sensorial e acessível. Declarada Patrimônio Cultural Imaterial do Recife, a Bienal, com 30 anos e 15 edições, apresenta a palavra que pode ser tocada, ouvida, estudada e compartilhada. Na festa literária, o encontro entre escritores, editoras, público e estados brasileiros movimentam a economia e a cultura, colocando o Nordeste no centro da literatura brasileira. Isso se refere à numerosa quantidade de autores que têm surgido e aos livros vendidos.

O Grupo de Comunicação O POVO, que tem feito uma cobertura multiplataforma da Bienal para leitores, espectadores, ouvintes e público em geral, destacou a homenagem ao dramaturgo pernambucano Luiz Marinho, ressaltando a celebração do seu centenário de nascimento.

A participação da FDR na Bienal do Livro de Pernambuco buscou fortalecer a sua linha editorial no Nordeste, como um primeiro passo para a ampliação, aproveitando o momento dos 100 anos de Luiz Marinho para lançar mais títulos de autores nordestinos. A presença se alinha ao tema da Bienal, com o propósito da editora de tornar a literatura mais acessível por meio de diferentes formatos, como audiobooks, livros digitais e peças de teatro.

É preciso ressaltar que uma das peças teatrais de Luiz Marinho, "Foi um dia...", editada em livro com pela FDR, foi lançada na Bienal com a presença dos quatro filhos do autor. O livro resgata a tradição oral e o teatro popular. O dramaturgo escreveu 14 peças teatrais que lhe renderam prêmios como o Molière e a premiação da Academia Brasileira de Letras. A ilustração do estande do O POVO e da FDR e do livro "Foi um dia..." é assinada pelo pernambucano Hugo Melo, que usou elementos baseados no Movimento Armorial para ressaltar a arte com base na cultura popular nordestina, trazendo muitas cores, numa rica convergência intercultural.

Assim, o fundamental tem sido mostrar que somos, acima de tudo, nordestinos, unidos por elos culturais e históricos que mais nos aproximam do que nos afastam. Estabelecer parcerias com eventos literários dos demais estados do Nordeste reforça o setor editorial da região e contribui para incentivar a leitura, a literatura, a educação, as artes e o intercâmbio de conhecimentos. Formar novos leitores e despertar a consciência crítica é responsabilidade também para os que atuam no mundo do livro e da leitura. Que esse seja o início de uma expansão que vise sempre vivenciar a literatura de modo democrático e acessível. 

 

 

 


 

 

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