quarta-feira, 15 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Apagão deve acender alerta em Brasília

Por O Globo

Acidentes acontecem, mas sistema elétrico brasileiro está mais instável em razão da regulação deficiente

Ainda estão sob investigação as causas do apagão que atingiu todas as unidades da Federação na madrugada desta terça-feira, provocando interrupções no fornecimento de energia a partir de 0h32. A falta de luz durou entre menos de dez minutos e duas horas. Tivesse acontecido durante o dia, certamente o apagão teria levado o caos à população, como já se viu noutras ocasiões. Por isso o episódio deve servir de alerta em Brasília.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, minimizou a falha, dizendo que o dano foi “pontual”. “Não é falta de energia, é um problema na infraestrutura que transmite a energia. Não houve grandes danos ao sistema”, afirmou. Pelas informações divulgadas pelo ministério, um incêndio na subestação de Bateias, na Região Metropolitana de Curitiba (PR), derrubou o fornecimento, desconectando o fluxo de energia entre as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Com isso, foi necessário desligar 10 megawatts de carga, por prevenção. O sistema, diz o governo, cortou de forma controlada a energia em cada estado próximo para que não houvesse interrupção de maior porte.

Acidentes acontecem. Mesmo assim chama atenção a proporção que a situação tomou. “Esperava-se que o problema ficasse restrito àquela região, mas não foi o que aconteceu. Repercutiu por todo o Brasil, chegando até o Amazonas”, afirma Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “Foi um apagão de grandes proporções num período em que o consumo estava em declínio. Não há dúvida de que houve falha grave. Precisa ser investigado. Tudo isso mostra a fragilidade do sistema elétrico brasileiro, que perdeu confiabilidade.”

É o segundo apagão de grandes proporções no atual governo. Em agosto de 2023, a falta de energia se espalhou por ao menos 20 estados e pelo Distrito Federal, afetando 29 milhões de brasileiros e causando transtornos em todas as regiões. Em alguns locais a energia só foi restabelecida mais de seis horas depois da queda. À época, o Operador Nacional do Sistema (ONS) informou que a causa foi uma falha no funcionamento de equipamentos de controle de tensão de usinas eólicas e solares de uma linha de transmissão no Ceará.

O sistema elétrico brasileiro, por muitos anos baseado exclusivamente na geração hidrelétrica, passa por um período de diversificação, em que têm ganhado espaço fontes alternativas (eólica e solar) e termelétricas a gás. Em princípio, a diversificação entre fontes de geração contínua e intermitente permite uma gestão eficiente, otimizando o uso de recursos e controlando as emissões de gases. Parece evidente, porém, que a regulação do setor tem deixado a desejar, refém de todo tipo de lobby, sempre pronto a espalhar seus “jabutis” por qualquer legislação.

Um dos efeitos dos incentivos a fontes alternativas tem sido o excesso de energia gerada durante o dia, obrigando o ONS a jogar fora eletricidade subsidiada por falta de demanda (mecanismo conhecido como curtailment). Tal desequilíbrio deteriora a confiabilidade e aumenta a chance de apagões. Aparentemente não foi o problema desta vez, mas o risco só tem crescido.

Em vez de minimizar o apagão, o governo precisa identificar e sanar as falhas. E cuidar para que um sistema outrora considerado exemplar em razão da matriz energética limpa não se torne uma rede instável, sujeita a apagões recorrentes, cuja única razão de ser é a pressão de grupos de interesse.

Censo 2022 mostra necessidade de estímulo ao transporte coletivo

Por O Globo

Quase um terço dos brasileiros vai de carro ao trabalho, e apenas 1,6% usa trens ou metrô, segundo IBGE

Pela primeira vez o IBGE mapeou, no Censo 2022, o uso dos diversos meios de locomoção em todo o Brasil. O resultado não surpreendeu: quase um terço da população (32,3%) se desloca de carro para o trabalho. O ônibus é o principal meio de transporte de 21,4%; a moto de 16,4%, 17,8% andam a pé — e apenas 1,6% usa meios de locomoção de alta capacidade, como trens ou metrô. O dado ajuda a explicar resultado anterior que constatou, nas dez maiores capitais brasileiras, um tempo médio diário de deslocamento de quase duas horas (ou 116,5 minutos). O tempo perdido no trânsito e em engarrafamentos resulta não apenas em perda de produtividade para a economia, mas também cobra seu custo em termos de saúde da população e poluição ambiental.

Tal quadro é resultado da opção que a sociedade brasileira fez por meios de transportes individuais e motorizados desde os anos 1960. A distorção do rodoviarismo também contaminou o transporte nas regiões metropolitanas brasileiras. A última edição da tradicional pesquisa Origem e Destino do Metrô Paulistano, um dos levantamentos mais bem feitos e consistentes a respeito do uso do transporte, constatou que, num período de cinco anos, o transporte individual na maior metrópole do país manteve aproximadamente o mesmo patamar de viagens, ao passo que os ônibus registraram queda de 32%, o metrô de 18%, e o trens de 13%. Ao todo, houve 15% menos deslocamentos, ainda que a população tenha aumentado 2%, a frota de automóveis 22%, e os empregos 12%.

Mesmo que parte da mudança de comportamento possa ser atribuída ao trabalho remoto, a radiografia do IBGE reforça a preferência pelos meios individuais. No Rio e em São Paulo, apesar da rede de metrô e trens metropolitanos, 33,2% da população se deslocam por automóveis, causa de engarrafamentos infernais. Em São Paulo, a média de congestionamentos por dia útil aumentou 8% entre janeiro e abril, ante idêntico período de 2024. Às quintas-feiras, há em média 378 quilômetros de vias paradas, pelos dados oficiais. Em dezembro, mês de compras e festas, os engarrafamentos podem chegar a 500 quilômetros ou mais.

Não é casual a opção da população por meios individuais como carros ou motos. A alternativa é a rotina de atrasos e aperto para quem se desloca por serviços cuja qualidade deixa a desejar. Rio e São Paulo, as duas maiores cidades do país, padecem do ritmo lento na construção de uma rede confiável de transportes coletivos. A prioridade devem ser veículos sobre trilhos ou eletrificados, uma forma de reduzir as emissões de gás carbônico. E é impossível melhorar e expandir redes de trens urbanos ou metrôs sem participação da iniciativa privada. Os dados do Censo são mais uma prova da urgência de investimentos e incentivo ao transporte público.

Muitos passos para a paz no Oriente Médio

Por Folha de S. Paulo

Trump obtém vitória com soltura de 20 reféns israelenses e quase 2.000 prisioneiros palestinos

Republicano celebra "o fim da era de terror", mas governo de Gaza, desarmamento do Hamas e solução de dois Estados são incertezas

Por repugnante que sua administração seja em inúmeros aspectos, inclusive na fanfarronice ligeira com que trata de temas da paz mundial, é de Donald Trump o crédito pelas cenas emocionantes recém-vistas no Oriente Médio.

O presidente americano foi decisivo, sim, para tornar viável a primeira etapa de um acordo para pôr fim ao conflito iniciado pelo Hamas ao atacar Israel em 7 de outubro de 2023.

Coube a Trump, incomodado por ofensiva israelense em território do seu aliado Qatar e obcecado por reconhecimento como pacifista, pressionar o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu até obter um cessar-fogo.

Ao Hamas, sobraram poucas opções, dada a obliteração militar a que foi submetido em dois anos de guerra na Faixa de Gaza, que outrora governava de forma ditatorial, e o enfraquecimento de seu patrono, o Irã.

Com 67 mil cadáveres na conta, países árabes se convenceram da impossibilidade de manter os terroristas no comando, algo que até o ataque era confortável inclusive para Netanyahu, desejoso do cisma palestino com a autoridade corrupta da Cisjordânia.

Com isso, as imagens de 20 reféns debilitados voltando para o lar, e quase 2.000 palestinos deixando prisões israelenses, são um sopro raro de otimismo no ar carregado da região.

Trump fez uma aposta. Quando o democrata Bill Clinton costurou os Acordos de Oslo, que selaram a paz de 1994, o pacote era completo: previsão do Estado palestino, criação de uma governança local, reconhecimento mútuo e negociações futuras.

A empreitada foi um fracasso pelo seu escopo, inalcançável. Agora, o republicano buscou trabalhar uma etapa por vez —e talvez tenha mais sucesso ao tirar da equação os reféns, cuja situação trágica paralisava Israel.

Daí a celebrar "o fim da era de terror" e a "paz no Oriente Médio", como fez Trump, há longa distância. O caminho que levava ao acerto final entre Israel e a referencial Arábia Saudita, aberto em 2020, está bem interditado.

Além do mais, há a novela inconclusa em Gaza, já com as primeiras rusgas devido ao atraso do Hamas em devolver todos os 28 reféns mortos. O plano prevê agora que o grupo se desarme e desista do poder —só não dizendo como isso ocorrerá.

Em princípio, será tarefa de uma força multinacional árabe e muçulmana cuidar dessa transição. Mas não há uma palavra sobre criação de Estado e sob que condições, até porque a Cisjordânia é um ente corroído por colônias judaicas ilegais, e Gaza, uma ruína a ser reconstruída.

Com o Irã e seu arcabouço recolhidos, a oportunidade para avançar é agora. Manietado por Trump, Netanyahu enfrenta a revolta da extrema direita que o mantém no poder. Poderoso, mas isolado, o Estado judeu pode celebrar o fim de um pesadelo, assim como os gazenses ora poupados de bombardeios. Mas o sonho da paz demandará trabalho.

Foco global em doenças crônicas e saúde mental

Por Folha de S. Paulo

Aumenta o impacto de enfermidades não transmissíveis em taxas mundiais de mortalidade e incapacitação

Com o processo de envelhecimento da população, governos precisam alocar recursos para cuidar da prevenção monitorando fatores de risco

O relatório Global Burden of Disease 2023, publicado recentemente na revista científica The Lancet, mostra que, desde 2010, houve reduções significativas no impacto de doenças infeciosas, maternas, neonatais e nutricionais nas taxas de mortalidade e incapacidade.

Contudo surgem novos desafios. O aumento expressivo da carga de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e transtornos psicológicos é o principal deles.

Considerando a elevação da expectativa de vida global, pressionando sistemas de saúde, governos precisam direcionar atenção para as DCNT, que surgem ou se intensificam com o avançar da idade e muitas vezes exigem tratamento por toda a vida.

De 2010 a 2023, o número global de anos de vida saudável perdidos devido a incapacitação ou morte por causa de doenças crônicas não transmissíveis passou de 1,45 bilhão para 1,8 bilhão.

Cardiopatia isquêmica, acidente vascular cerebral (AVC) e diabetes foram as condições que mais contribuíram para a alta. Transtornos depressivos e de ansiedade e diabetes foram as doenças que apresentaram crescimento mais acelerado no período.

Globalmente, os casos de ansiedade e depressão subiram respectivamente 70% e 30% desde 2010, com piora preocupante na faixa etária entre 15 e 19 anos. Ademais, verificou-se expansão nas mortes causadas por suicídio, overdose de drogas e álcool entre jovens adultos (20 a 39 anos) nas Américas do Norte e Latina.

Não há dados sobre o Brasil no relatório, mas, segundo o Ministério da Saúde, de 2016 a 2021 a taxa de suicídios na faixa de 15 a 19 anos cresceu 49,3% —ante alta de 17,8% na população total. Já o Datafolha mostrou que 8 em cada 10 pessoas entre 15 e 29 anos haviam apresentado recentemente algum problema de depressão ou ansiedade em 2022.

O bullying online, o aumento do tempo de uso de telas e a pressão por aprovação em redes sociais podem produzir impactos psicológicos. Cuidado maior, por meio de protocolos, com crianças e adolescentes na atenção básica à saúde e ações de conscientização e de educação midiática nas escolas são medidas indicadas.

Com relação a DCNT, é preciso conter fatores de risco, como alta pressão arterial, glicemia, obesidade, sedentarismo e tabagismo.

Em 2023, 7 em cada 10 municípios brasileiros não mediram hemoglobina glicada e pressão arterial em ao menos 50% dos pacientes com essas condições. Dado o progressivo envelhecimento da população e orçamentos públicos deficitários, é necessário que o país dê mais atenção à prevenção.

Aumento de déficits fiscais é risco para expansão global

Por Valor Econômico 

Déficit e endividamentos altos reduzem espaço para respostas do Brasil a adversidades futuras

A economia global manterá seu ritmo de crescimento um pouco mais lento que o do período pré-pandemia, de 3,2% até 2030, mesmo com o choque tarifário inédito dos Estados Unidos, segundo prevê o Panorama Econômico Mundial do Fundo Monetário Internacional (FMI). Há uma grande variedade de riscos rondando o planeta, e o tarifaço de Trump é mais um entre eles. Para o Brasil, pouco afetado até agora pelo fechamento comercial do mercado americano, o risco maior advém de sua fragilidade fiscal, um dos elos tradicionais de transmissão de turbulências financeiras aos indicadores domésticos. Elas poderão ser desencadeadas pelo fim da valorização exuberante das bolsas americanas com a mudança de preços dos ativos relacionados à Inteligência Artificial, ou guinadas abruptas em rendimentos de títulos soberanos e reversão de expectativa sobre rumos da economia dos Estados Unidos.

O FMI mudou muito suas projeções sobre o crescimento mundial, lembrando os erros cometidos pelos economistas brasileiros sobre desempenho do PIB doméstico. Em julho, a previsão do Fundo para a expansão global era de 0,2%, enquanto agora vê um avanço de 3,2%. Para 2026, em vez de 0%, projeta 3,1%.

Há dois mistérios principais após o tarifaço americano: a inflação ainda não subiu de forma significativa nos Estados Unidos, nem o crescimento global encolheu drasticamente, aproximando-se de uma recessão. No primeiro caso, o FMI aponta que os aumentos das tarifas foram menores do que se poderia imaginar pelo anúncio inicial e que os estoques preventivos feitos para conter seus efeitos contribuíram para dilatar a pressão sobre o nível de preços. Uma parcela dos aumentos foi contida por esses estoques, outra pela redução da margem de lucro das empresas americanas, pelo não repasse total pelos exportadores para o país e, por fim, o que deve ser mais sentido agora, pelo reajuste de preços diretamente. O Fundo fala em “repasse retardado” e antevê que a inflação subirá nos próximos meses, como já vem sendo registrado pelo núcleo do índice de preços ao consumidor nos EUA.

Já o crescimento não apontou muito para baixo porque o tarifaço se iniciou com a economia americana, e a dos demais países desenvolvidos, em boa forma, o que deve prosseguir — a projeção é que os países avançados cresçam 1,6% neste ano e no próximo. Além disso, os países emergentes estão avançando ao dobro dessa velocidade, 4% neste ano e 3,8% no próximo, e, como a fatia dos emergentes no PIB mundial se aproxima dos 50%, isso impediu a desaceleração abrupta.

O enfraquecimento do dólar, que não era esperado, contribuiu para a manutenção de condições financeiras favoráveis e evitou pressões tradicionais sobre os preços dos países emergentes com inflação alta (caso do Brasil). Pela primeira vez houve desconfiança sobre a continuidade da moeda americana como defesa segura em ambientes de graves instabilidades.

Os riscos para o cenário principal pendem para o lado negativo. O primeiro deles é a incerteza prolongada sobre as tarifas, junto a um acirramento de medidas protecionistas. Um outro é o de choques na oferta de trabalho, mais provável nos Estados Unidos, onde a oferta de mão de obra imigrante recuou de 1 milhão a 1,4 milhão de trabalhadores no ano por causa das batidas feitas pelos EUA contra a mão de obra estrangeira. O FMI não deixa de apontar a “erosão na governança e independência institucional”, um eufemismo para qualificar os ataques ao Federal Reserve (Fed, o banco central americano) pelo governo Trump, que detém a maior quota na instituição multilateral e votos decisivos.

Duas ameaças parecem prementes. A primeira é a do fim da hipervalorização das ações de setores envolvidos na IA, que concentram um nível de risco que, pelos cálculos do Fundo, já supera o da bolha das pontocom no início de 2000. Qualquer desmonte nessas apostas pode causar grandes turbulências e reduzir as perspectivas de crescimento nos EUA, o epicentro dos investimentos em IA, com efeitos globais.

A ameaça maior, porém, vem dos déficits fiscais, em alta em todo o mundo, dos EUA aos emergentes. O aumento dos rendimentos dos títulos soberanos de França, Reino Unido e Japão nos últimos dias — em um ambiente de alto endividamento privado e público, baixos spreads entre títulos de alto e baixo risco, ampla liquidez e alavancagem - indica problemas que podem conduzir a estresses financeiros mais adiante. Pouco atingido pelo tarifaço, o Brasil está mais vulnerável a esse tipo de risco. Segundo o FMI, o país vai crescer 2,4% e 2,3% neste e no próximo ano, mas com uma inflação (5,2% e 4%, respectivamente) mais elevada que seus vizinhos da América do Sul, exceto Argentina e Venezuela. O Fundo aponta que o déficit fiscal subiu significativamente no Brasil, ao lado de China, EUA e França, e o endividamento elevado do país reduz o espaço para respostas a eventuais adversidades futuras e ampliando sua fragilidade ante fuga de capitais ou depreciações fortes do real.

Todos querem um pedaço do STF

Por O Estado de S. Paulo

Mal Barroso anunciou a aposentadoria, a disputa por sua vaga foi logo capturada por pressões políticas e identitárias, o que só prenuncia o agravamento da crise de credibilidade da Corte

O ministro Luís Roberto Barroso mal anunciou a antecipação de sua aposentadoria no Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 9 passado, e os telefones em Brasília já fervilhavam com lobbies por candidatos à sua sucessão. A nova indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deveria ser ocasião para um debate qualificado sobre o papel do STF e o perfil ideal de seus ministros à luz do interesse público, transformou-se, mais uma vez, em um balcão de reivindicações políticas e identitárias – o que só confirma o que todos já sabem: que o Supremo se tornou um Poder político.

Há quem defenda a indicação de uma mulher para a vaga aberta por Barroso. É um pleito legítimo. A presença feminina no STF, de fato, é ínfima – apenas três ministras em toda a história da Corte. Mas o critério de gênero, por si só, não pode se sobrepor à exigência do notório saber jurídico e da reputação ilibada, fundamentos da magistratura constitucional. Isso também vale para a mobilização de movimentos negros em favor da indicação de um ministro negro, pleito compreensível pela demografia e pelos marcadores de desigualdade, ainda presentes, de três séculos e meio de escravidão, mas que também não podem se sobrepor aos critérios fixados pela Constituição.

Já o PT defende o nome do advogado-geral da União, Jorge Messias. Próximo do presidente da República e visto como alguém de sua absoluta confiança, Messias reúne o apoio de setores da esquerda que veem em sua indicação uma garantia de alinhamento político entre o STF e o atual governo. Ademais, para seus patrocinadores, o fato de ser evangélico seria um ativo eleitoral para 2026 – o que só reforça a mixórdia entre a militância política e a função jurisdicional da Corte. O próprio líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), reconheceu em entrevista ao jornal O Globo que Messias é “com quem Lula tem mais convivência”, o que desnuda a natureza dos interesses que rondam seu nome.

No Congresso, parte dos políticos defende a escolha do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que conta com o apoio dos ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes e, sobretudo, do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). A força de Alcolumbre nesse tipo de decisão é conhecida. Basta lembrar que ele retardou por meses a sabatina de André Mendonça, indicado por Jair Bolsonaro em 2021, até que o Palácio do Planalto cedesse às suas pressões. Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União, é outro que aparece como “supremável”, como se diz, favorecido por seu bom trânsito entre políticos de diferentes partidos.

Essa profusão de articulações diz muito sobre o futuro do Supremo, que tende a seguir a trilha da politização e, assim, a degradar ainda mais a aura de imparcialidade que deve recobrir a judicatura. Em vez de discutir as credenciais acadêmicas, os compromissos institucionais e a leitura da Constituição que um ministro do STF há de ter, os lobbies em ação parecem interessados em saber o que cada um de seus protegidos poderia fazer pelo grupo, pela “causa” ou pelo governo – não o que poderia fazer pelo Brasil. O debate republicano sobre o papel da Corte e de seus ministros foi substituído por uma lógica pervertida segundo a qual um ministro do Supremo deve representar um segmento da sociedade ou uma corrente ideológica, ou ainda atender a uma conveniência política.

Essa distorção, alimentada pelo comportamento de ministros do próprio STF, explica a importância inédita que a eleição para o Senado assumirá em 2026. Ao se arvorar em protagonista da vida política nacional, o Supremo despertou a reação de parlamentares que hoje falam abertamente em “conter o ativismo” do tribunal. Na próxima eleição, serão renovados dois terços das cadeiras do Senado – e só cresce o número de pré-candidatos que apregoam usar o cargo para promover o impeachment de ministros. O fato de que essa retórica tenha ganhado corpo mostra o quanto o Supremo se permitiu bandear para o terreno da política.

O Brasil precisa de um STF que opere como contrapeso republicano, não como extensão do governo nem como “motor” de causas políticas e identitárias. Enquanto as indicações forem tratadas como oportunidade para presentear aliados ou satisfazer lobbies, o País seguirá pagando o altíssimo preço de ter um Supremo percebido como um tribunal político – e, portanto, parcial.

O passado ensina

Por O Estado de S. Paulo

Em alta no mundo, intervenção estatal na indústria é cheia de riscos. O FMI compara o passado de Brasil e Coreia do Sul e alerta para a importância de políticas bem desenhadas

Cada vez mais países têm utilizado as chamadas políticas industriais para apoiar setores e empresas, em um esforço para remodelarem suas economias, afirma o Fundo Monetário Internacional (FMI) em capítulo recente da publicação Perspectiva Econômica Global (WEO, na sigla em inglês).

De acordo com o fundo, os subsídios industriais estão em alta desde 2009, com marcada aceleração a partir da pandemia de covid-19, sobretudo no setor de energia. Várias nações decidiram apoiar esse segmento para reduzir a dependência das importações de combustíveis fósseis e promover a transição energética.

Embora reconheça que intervenções do tipo visam ao aumento da produtividade, bem como a redução da dependência de insumos e suprimentos estrangeiros, o FMI alerta que a eficácia das políticas industriais depende de características sensíveis do setor contemplado com a ajuda governamental, características essas difíceis de determinar antecipadamente.

Além disso, se o governo decide que o país deve ser forte num dado segmento, precisa estar ciente de que tal iniciativa pode levar, por exemplo, a um período prolongado de preços mais altos ao consumidor, que é quem paga a conta da estratégia como um todo. Tradução: toda política industrial, por melhor que seja a intenção, embute riscos.

Esse contexto é especialmente relevante em uma era de países altamente endividados, com grandes desafios de ordem fiscal, caso do Brasil. Mas se a realidade de momento não basta para refrear a conhecida fixação dos governos petistas por conteúdo local, o passado recente oferece lições que o Brasil não deveria ignorar.

Nos anos 1970, tanto o Estado brasileiro quanto o sul-coreano adotaram políticas industriais de larga escala com o objetivo de transformar suas economias. Mas enquanto o Brasil focou primordialmente na substituição de importações, tendo o Estado como principal ator de tal estratégia, a Coreia do Sul adotou um caminho bem diferente.

O país asiático perseguiu um modelo exportador, com base nos chamados chaebols, grandes conglomerados industriais privados. Os conglomerados tinham de cumprir metas para manter o apoio estatal. Internamente, as fábricas competiam entre si, tentando fazer domesticamente versões ainda melhores do que vinha de fora.

Segundo a análise do FMI, as duas experiências revelam o papel crucial da boa modelagem de políticas industriais. No caso sul-coreano, as empresas privilegiaram a contratação de engenheiros, e não de burocratas. No chão de fábrica, sul-coreanos absorveram tecnologias estrangeiras, o que lhes permitiu desenvolver soluções domésticas.

O modelo sul-coreano voltado à exportação também permitiu às empresas do país ter acesso aos mercados globais, beneficiando-se de economias de escala.

No caso brasileiro, a política de substituição de importações tocada pelo Estado prescindiu do setor privado, aquele que na Coreia se beneficiou imensamente do processo de aprender fazendo. Voltado para si mesmo, sem metas ou supervisão, o Brasil desperdiçou oportunidades e dinheiro público.

Não por acaso, poucas décadas mais tarde, a Coreia do Sul converteu-se em um país desenvolvido, enquanto o Brasil, apesar de seu imenso potencial, segue sendo uma nação de status emergente. Enquanto os sul-coreanos produzem carros vendidos no mundo todo e equipamentos eletrônicos de alta inovação tecnológica, o Brasil continua a ser basicamente um grande exportador de commodities, de menor valor agregado.

Ser um grande fornecedor de grãos e minerais para o mundo não é demérito algum nem exclusividade brasileira. Mas países da estatura do Brasil não devem abdicar do seu potencial industrial, o que passa bem longe da distribuição de subsídios e benesses governamentais para os eleitos de sempre.

Em momento em que as tentações intervencionistas estão em alta mundo afora, o Brasil não precisa nem deve apostar naquilo que, como prova o passado, já deu errado. Como destaca o FMI, políticas industriais efetivas dependem de planejamento e implementação cuidadosos, instituições robustas, reformas estruturais complementares e política macroeconômica sólida.

Nem juro zero resolve

Por O Estado de S. Paulo

Baixa adesão à generosa renegociação de dívidas estaduais mostra que governadores só se contentam com o perdão

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu facilitar a vida dos governadores que ainda relutam em aderir à sua generosa proposta de renegociação de dívidas dos Estados. Reduzir os juros reais das dívidas estaduais de 4% para zero, aparentemente, foi visto como insuficiente, haja vista que apenas Goiás aderiu à proposta até o momento. Assim, um decreto publicado na semana passada estendeu o prazo de aderir ao programa e concluir as negociações, que se encerrava ao fim deste ano, para 31 de dezembro de 2026.

Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo, os quatro mais endividados do País, ainda não aderiram porque alimentam a esperança de que o Congresso derrube vetos presidenciais ao projeto de refinanciamento das dívidas dos Estados e reduzam ao mínimo o esforço que teriam de fazer para renegociar seus débitos. Eles querem utilizar receitas futuras de um fundo que ainda será criado após a implementação da reforma tributária sobre o consumo, aprovada no fim de 2023, para diminuir o estoque de suas dívidas.

Talvez na expectativa de que haja um acordo para que os vetos sejam mantidos, o governo decidiu contrariar a orientação dos técnicos da área econômica e flexibilizar ainda mais as contrapartidas do programa. Adotar um teto para limitar o crescimento dos gastos dos Estados que aderirem à proposta, por exemplo, deixará de ser obrigatório. Já a precificação das estatais que serão utilizadas para abater parte das dívidas dos Estados com a União, que seria feita pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), poderá ser feita por outras empresas.

O decreto escancara a disposição do governo Lula em perder dinheiro já de saída. Sem as mudanças, o governo estimava abrir mão de até R$ 1,3 trilhão em receitas financeiras até 2048 se todos os Estados aderissem ao programa. Com elas, essa renúncia deve aumentar ainda mais.

Exigir um teto para limitar o crescimento das despesas dos Estados é o mínimo, até por uma questão de princípios. Em primeiro lugar, porque a União já se submete a um dispositivo dessa natureza. E em segundo lugar, porque é ela quem garante essas dívidas caso os Estados deixem de pagá-las.

Já abrir mão da exclusividade do BNDES no processo de precificação de estatais é contratar longas e caras disputas judiciais no futuro. Não faltarão Estados dispostos a brigar com a União no Supremo Tribunal Federal (STF) apresentando laudos com valores diferentes e maiores para as estatais federalizadas.

A baixa adesão que o programa registrou até agora pode dar a falsa impressão de que a União exige demais dos Estados endividados. Não é nada disso. Eles nem sequer precisariam cortar gastos, mas direcioná-los para áreas que o Executivo considera prioritárias, como o ensino médio técnico.

A realidade é que, de um lado, a maioria dos Estados não está em dificuldades financeiras e consegue pagar suas dívidas sem muita dificuldade. Do outro, estão os poucos Estados encalacrados, que estão entre os mais ricos do País e que não buscam nada menos que o perdão de suas dívidas à custa dos contribuintes.

O necessário cerco aos cursos de medicina

Por Correio Braziliense

A categoria médica reclama há anos da necessidade de melhoria em determinados cursos de graduação da iniciativa privada, que visam somente o lucro diante das altas mensalidades pagas por esses estudantes

O Ministério da Educação aplica, neste domingo, pela primeira vez em sua história, o Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed). Com selo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a mesma instituição que organiza o Enem, a prova vem para medir a qualificação dos cursos de medicina no Brasil, após o setor apontar uma queda na qualidade da formação superior.

A ideia do Inep, que conduzirá a prova em parceria com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), é realizaro exame anualmente. Na prática, o teste vem para verificar se os estudantes concluintes dos cursos de medicina adquiriram as competências e habilidades exigidas pelas diretrizes curriculares. Em outras palavras, se estão realmente preparados para exercer a profissão.

Em entrevista recente, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, reconheceu a necessidade da criação do exame para evitar que médicos despreparados cheguem ao SUS. "A gente precisa dar um grande freio de arrumação (nos cursos de medicina atualmente em vigor). [...] Um médico mal preparado pode ser mais prejudicial à saúde do que a ausência dele", disse na semana passada.

Para as instituições de educação superior, o Enamed representa um desafio que pode mexer diretamente na arrecadação, sobretudo daquelas que promovem cursos de nível baixo.

O MEC estabeleceu cinco níveis de notas globais para classificar os cursos. As formações com conceito 2 terão redução de vagas para ingresso de novos alunos de medicina. Aqueles com conceito 1 terão suspensão total das matrículas, ou seja, fecharão.

Serão 100 questões de múltipla escolha cobrando conteúdos, habilidades e competências nas áreas previstas nos cursos de medicina. A prova é obrigatória para estudantes concluintes da graduação, portanto, ninguém conseguirá o diploma sem antes fazê-la.

A iniciativa é importante e vem em boa hora, apesar de contar com certo atraso. A categoria médica reclama há anos da necessidade de melhoria em determinados cursos de graduação da iniciativa privada, que visam somente ao lucro diante das altas mensalidades pagas por esses estudantes.

É óbvio que o Brasil ainda vive uma crise de assistência em saúde, sobretudo nos municípios mais interioranos de um país com dimensões continentais. Esse foi um dos motivos de o governo recorrer ao Programa Mais Médicos na década passada, quando trouxe mão de obra estrangeira para ampliar e qualificar a oferta médica.

No entanto, esse problema histórico não pode ser porta de entrada para formação de médicos despreparados, longe do rigor que qualquer profissão exige, sobretudo aquelas ligadas à área da saúde, onde um erro é capaz de ceifar a vida do paciente - vide a recente indenização obtida pelo ministro Flávio Dino, que perdeu o filho Marcelo Dino em 2012, vítima da negligência médica durante tratamento de uma asma.

O exemplo usado na saúde, inclusive, deveria se estender a outras áreas do conhecimento. Engenheiros mal formados, por exemplo, trazem risco à população ao assinarem pareceres técnicos com erros, sejam eles básicos ou não. O mesmo vale para professores responsáveis pela educação básica, média e superior; advogados; jornalistas; contadores; e qualquer outro profissional.

Presidencialismo de coalizão sofre abalo

Por O Povo (CE)

O que dificulta a governabilidade, no caso específico da atual gestão de Lula, é a desconexão entre um presidente de esquerda e a maioria do Congresso Nacional de direita ou de centro-direita

A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT-PR), começou a "meter a faca" — expressão usada pelo líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE) — para retirar dos cargos públicos os indicados por partidos que derrubaram a medida provisória 1303/25.

A MP taxaria rendimentos de aplicações financeiras e casas de apostas onlines — e era fundamental para o governo equilibrar as pontas públicas. Aliados do presidente Lula acusam o Centrão de ter quebrado um acordo para aprovar a medida. O presidente teria então decidido manter nos cargos somente indicados por partidos que mantiveram a fidelidade às propostas do governo.

As demissões começaram na sexta-feira e já foram exonerados de cargos que ocupavam os indicados pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI), por Gilberto Kassab, presidente do PSD, além de aliados do União Brasil e do MDB. Segundo o Uol, o Centrão tem cerca de 380 filiados com cargos comissionados na Esplanada dos Ministérios. Estatais também entram nessa conta; a Caixa Econômica Federal tem aliados do PP e PL ocupando vices-presidências e outros cargos no banco, que também estão sendo demitidos.

O governo age em coerência com a lógica vigente, qual seja, a troca de cargos e de emendas parlamentares por apoio político, portanto, quem não cumpre esse acordo não escrito fica sujeito a retaliações. Mas o problema é que esse modo de fazer política, ainda que não seja ilegal, arranha os princípios que devem nortear a administração pública.

Se há partidos dispostos a oferecer apoio ao governo em troca de cargos, é um forte indicativo de que estão mais preocupados com as benesses que vão auferir do que em diferenciar o certo e o errado ou afinados com os interesses da população. Por outra vista, se o governo abdica dessa fórmula, a governabilidade fica em risco, assim, o mandatário termina por resolver o dilema optando pela ética da responsabilidade.

O que também dificulta a governabilidade, no caso específico da atual gestão de Lula, é desconexão entre um presidente de esquerda e a maioria do Congresso Nacional de direita ou de centro-direita. Reconheça-se ser difícil ao eleitor identificar a ideologia que move cada sigla entre os 29 partidos com registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Frise-se, no entanto, que o problema se repete um governo após outro, provocando crises e instabilidades políticas, com repercussão na vida das pessoas. A ver agora como a realidade vai se desenrolar com esse abalo sofrido pelo presidencialismo de coalização, que já vinha rateando.

 

 

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