O Globo
Presidente planeja insistir em tentativa de
obter receita frustrada com a MP que caducou usando vitórias recentes, mas
chance de êxito é incerta
Lula está diante de um daqueles
momentos-chave na trajetória de um governo. No prazo de uma semana, colheu sua
maior vitória no Congresso e uma derrota considerável. Agora, parece disposto a
testar o cacife que acumulou nas últimas rodadas do jogo da política. Trata-se
de movimento ousado.
A maior vitória foi a aprovação rápida e unânime da reforma do Imposto de Renda na Câmara. Uma conjunção astral rara permitiu aquele resultado: a ousadia dos deputados uma semana antes, ao se lambuzarem com a PEC da Blindagem, levou uma multidão às ruas contra a sem-vergonhice na política, algo que não acontecia havia muito tempo. O jeito para os senhores deputados foi enfiar a viola no saco e dar ao presidente seu principal trunfo eleitoral.
Menos de uma semana depois, os mesmos
parlamentares viram a chance de se vingar com a luz apagada. Aproveitaram que a
Medida Provisória para fechar a meta fiscal estava prestes a caducar e deram um
jeito de empurrá-la do barranco.
Como num livro de detetive à Agatha Christie,
muitas mãos agiram para derrubar a MP: a direita e o Centrão, inconformados com
a derrota na blindagem e com o fato de terem dado de lambuja a Lula a isenção
de IR para milhões de eleitores; os lobbies das bets, fintechs e do agro; e os
governadores-candidatos, que chegaram a ameaçar bancadas caso não fechassem
questão contra a medida que daria mais alguns bilhões ao governo em pleno ano
eleitoral.
Agora, Lula está disposto a dobrar a aposta e
enviar ao mesmo Congresso uma nova proposta para alcançar os cerca de R$ 20
bilhões que a equipe econômica estima faltar para manter o arcabouço fiscal em
pé. Ele tem dito a interlocutores que essa é uma briga que vale a pena comprar
porque a Câmara está com a imagem para lá de afetada.
Também acredita que contará com o apoio do
Senado e acha que tem em mãos um bom punhado de cartas, com o discurso da
justiça tributária, a defesa da soberania nacional e o fato de os Estados
Unidos terem acenado com um acordo. Tudo isso dado de bandeja ao petista pela
oposição bolsonarista, diga-se.
O problema é que o arsenal de medidas reunido
para a nova investida é uma variação das mesmas que enfrentaram essas forças
descritas acima: taxação de fintechs e bets, aumentos pontuais de IOF (também já
rechaçados), mudança na incidência da Cide.
O expediente de ficar vasculhando escaninhos
em busca de mais arrecadação já se mostrou infrutífero e tem sido fonte de
profundo desgaste para Lula. O discurso de que ele seria uma espécie de Robin
Hood dos tributos procurando fazer os malvados pagarem o que devem tem alcance
eleitoral bastante limitado — certamente não foi isso, mas sim as barbaridades
de Eduardo Bolsonaro e companhia, que deu a Lula o respiro que ele desfruta nas
pesquisas.
Querer usar as poucas moedas amealhadas em
setembro e outubro para testar o cacife à base de medidas impopulares, que
invariavelmente levarão à mobilização dos mesmos que agiram para derrubar a MP
1303 há apenas alguns dias, não parece cauteloso. Denota um salto alto
semelhante ao que explica a derrota da Seleção Brasileira para o outrora
inofensivo Japão no amistoso desta terça-feira.
Certamente o projeto do IR tem o potencial de
trazer ovos de ouro para Lula, mas eles não serão postos agora, e sim depois que
o projeto passar pelo Senado. E no ano que vem, quando passará a surtir efeito
no bolso dos contribuintes. Outro evento que poderá render dividendos e, aí
sim, fazer com que o caminho no Congresso desanuvie a ponto de permitir a
aprovação de medidas arrecadatórias, é o sucesso da rodada de negociações com
Donald Trump. Conviria ao governo trabalhar com afinco por esses trunfos antes
de apostar tudo numa mesa de jogos para a qual não tem na mão cartas tão boas
como parece acreditar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.