segunda-feira, 27 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

 

Não tem nexo subordinar agências reguladoras à Câmara

Por O Globo

Se aprovada, PEC as sujeitaria às ingerências políticas de que, por definição, devem ser preservadas

A independência das agências reguladoras está mais uma vez em risco. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição relatada pelo deputado Danilo Forte (União-CE), que transfere do Executivo aos deputados a prerrogativa de fiscalizá-las. Se for adiante, será um enorme retrocesso.

As agências, que atuam em setores como telefonia, energia elétrica ou petróleo e combustíveis, não surgiram do nada. Foram criadas na gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), sob a inspiração dos melhores modelos internacionais de supervisão dos serviços públicos prestados por empresas. Mesmo vinculadas ao Executivo, precisam ter liberdade para zelar pela qualidade desses serviços e ser blindadas contra influências político-partidárias e ideológicas, para que prevaleçam critérios técnicos. Aprovar a PEC equivale justamente a submeter as agências às ingerências de que, por definição, elas devem ser preservadas.

Da justificativa da Proposta de Emenda à Constituição consta que as “agências acabaram se transformando em entes com funções quase absolutas — legislam, executam e julgam sem a devida fiscalização política”. Tal descrição não corresponde à realidade. Além de ser supervisionadas pelo Executivo, elas não estão fora do alcance da fiscalização do Legislativo. Só não faz sentido que passem a estar vinculadas à Câmara ou ao Senado. Seria um desvio de função, já que elas precisam de independência administrativa para cumprir à risca a missão para a qual foram criadas. Além de tudo, a PEC contraria o equilíbrio entre os Poderes.

Não é novidade a incompreensão do papel das agências reguladoras. Ao assumir seu primeiro mandato, em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que elas “terceirizam” atividades do governo. Nada mais distante dos fatos. As agências, na verdade, complementam a atuação do Executivo. Até hoje continuam mal compreendidas. Em seu terceiro mandato, Lula as tem tratado como um segmento irrelevante do Estado. Reportagem do GLOBO revelou que o conjunto de 11 agências terá em 2026, em valores corrigidos, menos recursos do que tinha em 2016. Entre 2010 e 2022, as agências arrecadaram R$ 179 bilhões e só receberam R$ 75 bilhões nos seus orçamentos. Enquanto elas são sufocadas financeiramente, as demandas da sociedade aumentam.

A Agência Nacional do Petróleo (ANP) teve de suspender por dias o monitoramento da qualidade dos combustíveis nos postos, num momento em que o crime organizado se infiltra na atividade. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) ficou momentaneamente sem a possibilidade de agendar exames teóricos de habilitação para pilotos e mecânicos, num momento de alta na demanda pelo transporte aéreo. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) demitiu funcionários e interrompeu serviços de fiscalização, num momento de seguidos apagões. Em vez de tentar cercear as agências por meio de uma PEC descabida, os parlamentares deveriam fortalecê-las com orçamentos à altura da necessidade do Brasil.

Pesquisa revela quadro perturbador de exposição infantil na internet

Por O Globo

Um quinto dos adolescentes já foi alvo de contato sexual, e 4% foram instados a enviar fotos ou vídeos nus

Um quinto dos adolescentes já foi alvo de contato sexual na internet, revela a última pesquisa TIC Kids Online Brasil, realizada com 2.370 entrevistas. É perturbador o retrato do ambiente digital infantojuvenil revelado em reportagem do GLOBO. Um em cada cinco jovens de 11 a 17 anos relatou ter recebido mensagem ou solicitação com conteúdo sexual. O assédio não se resume a conversas impróprias: 4% foram instados a enviar foto ou vídeo nus — proporção que chega a 9% na faixa entre 15 e 17 anos.

De acordo com o levantamento, 92% da população brasileira entre 9 e 17 anos usa a internet, o equivalente a 24,5 milhões. O primeiro acesso acontece cada vez mais cedo. Em 2016, ocorria até os 6 anos para 10%. No levantamento atual, a proporção chega a 28%. Apesar de haver algum conhecimento sobre autoproteção, apenas 57% dizem saber se um site é confiável.

É preciso reconhecer que as autoridades têm agido. Polícias civis e federal têm deflagrado operações recorrentes contra pedofilia. Houve prisões, redes foram desarticuladas, computadores apreendidos e grupos derrubados. O avanço tecnológico, porém, tem beneficiado o crime. Conteúdos se replicam em nuvem, aplicativos cifrados de mensagens e fóruns fechados. Migram de uma plataforma a outra; ressurgem minutos após a remoção. A investigação chega depois do dano. As operações policiais são indispensáveis, mas sozinhas não dão conta do problema.

As responsabilidades são compartilhadas. As autoridades devem prosseguir no combate que tem dado resultado, por meio de bases de dados integradas, delegacias especializadas e ação ágil do Judiciário. Aos pais, cabe uma rotina de conversa franca e supervisão dos filhos, com regras claras de uso e atenção especial a desvios.

Mas o mais importante cabe às plataformas digitais. Recentemente, um vídeo do influenciador Felipe Bressanim Pereira, o Felca, mostrou como os algoritmos, num mecanismo perverso, disseminam rapidamente imagens de menores, não raramente capturadas por redes de pedofilia. Depois da viralização, o Congresso aprovou um PL para tentar proteger as crianças. É medida bem-vinda, porém insuficiente.

Quem lucra com engajamento precisa mitigar os riscos. Já há contas específicas para proteção de menores e detecção automática de material ilegal. Mas é preciso mais. As plataformas precisam publicar relatórios de transparência com métricas verificáveis de remoção e tempo de resposta, abrir canais diretos para vítimas solicitarem remoção e implementar verificação etária com preservação de privacidade. Tudo isso consta do PL das Redes Sociais, infelizmente parado no Congresso. É essencial, por fim, conter o uso de inteligência artificial para sexualizar ou gerar imagens de menores. A tecnologia deve ser aliada na vigilância.

A pesquisa mostra jovens conectados cedo demais e expostos a riscos que avançam mais rápido que as defesas. Crianças e adolescentes têm direito a um ambiente digital seguro. Cabe ao Estado exigir e às plataformas provar que conseguem zelar por ele.

Contra facções, mais inteligência

Por Folha de S. Paulo

Projeto do governo parece fazer concessão à direita ao endurecer penas contra organizações criminosas

Populismo penal pode ser mal menor se gestões federal e estaduais articularem esforços, na prática, e abandonarem querelas ideológicas

A onipresença e a ousadia crescente do crime organizado no país despertam, já tardiamente, os sensos de urgência e oportunidade de instituições e políticos. No caso mais recente, a Polícia Civil e o Ministério Público de São Paulo deflagraram na sexta (24) operação contra o que seria um plano do Primeiro Comando da Capital (PCCpara matar autoridades públicas.

Dois dias antes, o Ministério da Justiça divulgou a minuta de um projeto de lei de combate a facções, que ainda passará pelo crivo da Casa Civil antes de ser de fato enviado ao Congresso. Foi o bastante para que se percebesse que o debate essencial sobre segurança pública será mais uma vez pautado por polarização ideológica.

No que parece ser uma concessão do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à direita linha dura que dá as cartas do Legislativo, o texto propõe o endurecimento de penas —velho recurso populista de comprovada baixa eficácia.

Institui-se o crime de organização criminosa qualificada, considerado hediondo e punido com 8 a 15 anos de prisão, além de 12 a 30 anos para o homicídio por ordem ou em benefício da organização.

Clareza conceitual é bem-vinda, mas depende de como os parâmetros serão aplicados pelo Judiciário. O sistema vigente já impõe punições semelhantes às propostas por meio da prática de somar penas de diversos crimes.

Pelo projeto, os processados e condenados não terão direito a fiança nem serão beneficiados por qualquer tipo de perdão (graça, indulto ou anistia). Resta saber se mais encarceramento levará ao desmantelamento de facções ou, ao contrário, resultará em seu fortalecimento com a mão de obra disponível nas prisões.

Ainda assim, vozes do Congresso e de governos estaduais já indicaram que querem endurecimento adicional, como restrições a audiências de custódia e progressões de penas.

No que tem de meritório, o texto da Justiça procura dar ao poder público mais meios de enfrentar o crime organizado, como ao permitir o monitoramento de encontros entre integrantes de facções em unidades prisionais com captação audiovisual e gravação autorizada judicialmente.

Outros dispositivos miram a penetração das facções no Estado e no setor privado.

O projeto autoriza infiltração policial nas organizações e sistematiza sanções a agentes públicos envolvidos, como afastamento do cargo e impossibilidade de receber benefícios. Prevê ainda o compartilhamento de informações entre autoridades, com a criação do Banco Nacional de Organizações Criminosas.

Por demandarem trabalho investigativo de qualidade, essas intenções só ganharão concretude com maior integração entre as forças de segurança e mais prioridade à inteligência policial. O populismo penal pode ser um mal menor se os governos federal e estaduais forem capazes de articular seus esforços, na prática, e deixarem querelas ideológicas em segundo plano.

Sexo e gênero na sala de aula

Por Folha de S. Paulo

Supremo derruba leis municipais que proíbem a abordagem dos temas no currículo escolar

Além do fato de que normase diretrizes nesse sentido são de exclusividade da União, educação de qualidade precisa ser pluralista

Na guerra cultural travada num terreno político polarizado não só no Brasil, mas em diversos países, os temas da sexualidade e da identidade de gênero são alvos de disputas acaloradas, principalmente quando estão relacionados à infância.

Por óbvio, crianças merecem atenção especial na formulação de políticas públicas, dada sua vulnerabilidade. Mas esse cuidado deve se dar com base em evidências, não em crenças e ideologias, e a partir do respeito a fundamentos constitucionais.

Nesse sentido, é correta a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade de leis de Tubarão (SC), Petrolina (PE) e Garanhuns (PE) que proibiam menções a gênero e orientação sexual no currículo escolar. Segundo a corte, normas e diretrizes no setor exigem aplicação uniforme no país e são de competência exclusiva da União.

A medida não é novidade. Em 2020, o Supremo julgou várias leis municipais que vetavam esses temas em sala de aula e chegou à mesma conclusão.

Tal movimento de interferência no currículo ganhou impulso com Jair Bolsonaro (PL), que tinha no combate à chamada ideologia de gênero uma de suas bandeiras reacionárias. As ações se inseriam na pauta mais ampla da chamada Escola sem Partido, que, sob o pretexto de conter doutrinações ideológicas de esquerda nas escolas, tentava limitar o trabalho de professores.

Na decisão recente, os ministros Flávio Dino, Nunes Marques e Cristiano Zanin, que votaram pela derrubada das leis, também fizeram ponderações sobre a necessidade de adequar conteúdos ao nível de maturidade dos alunos e de evitar a hiperssexualização ou a adultização de crianças —fenômenos relacionados a abusos de menores na internet.

O fato é que o silêncio não é bom educador. Abordar sexualidade e gênero nas escolas, a partir de metodologia técnica, é ferramenta importante tanto de aprendizagem sobre o próprio corpo e sua saúde como de conscientização sobre graves problemas sociais, como preconceito contra homossexuais e pessoas trans, violência contra mulheres, bullying e abuso infantil.

É compreensível que pais, conservadores ou não, queiram transmitir suas crenças e valores aos filhos, e é indicado que escolas evitem confronto nessa seara no caso de crianças pequenas.

Contudo a pluralidade de visões de mundo é aspecto fundamental de uma educação que preze por princípios democráticos e pelos direitos humanos —iniciativa cada vez mais necessária num cenário político sectário.

STF permite nomeações de parentes na política e abre brecha

Por Valor Econômico

Supremo muda um princípio vital em um país cuja tradição política de longa data é a do compadrio e do patrimonialismo

Do dia para a noite, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para permitir a contratação de familiares e parentes para ocupar cargos de natureza política. O julgamento, que analisa um caso específico da prefeitura de Tupã - se prefeito ou vice pode escolher membros da família até terceiro grau para as secretarias municipais -, terá repercussão geral e sua decisão terá de ser seguida por todas as instâncias em casos semelhantes. Por 6 votos a 1, o Supremo adotou posição que abrirá enorme brechas em várias legislações que até agora impediram, nem sempre com sucesso, o nepotismo, no passado prática comum, de se revigorar no Estado brasileiro.

Por mais extensa e detalhada que seja a Constituição e numerosas que sejam as leis ordinárias, o STF levantou um ponto em que julgou haver uma lacuna: no caso dos cargos políticos, diferentemente dos de natureza técnica, não estava claro se a regra que proíbe a contratação de familiares e parentes se aplicaria, ao contrário dos cargos de comissão, direção e asessoramento. O relator Luiz Fux e os ministros André Mendonça, Dias Toffoli, Cristiano Zanin, Nunes Marques e Alexandre de Moraes entenderam que não existe a limitação. Até agora há um voto contrário, o do ministro Flávio Dino, que, com uma chiste, expôs claramente o cerne do problema: "Uma reunião de governo não pode ser um almoço de domingo, uma ceia de Natal". Pela decisão que o Supremo está prestes a consolidar, a cena é plausível.

A posição anterior do Supremo sobre o assunto foi a súmula vinculante 13, de 2008: "A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola  a Constituição Federal". O Congresso reforçou a proibição quase com as mesmas palavras da súmula ao aprovar a lei 14.230, em 2021.

Até o Supremo decidir escancarar a brecha, nenhuma legislação abria exceção aos cargos políticos, e prevalecia a máxima de que o nepotismo, em qualquer nível, feria os princípios republicanos de impessoalidade, eficiência, igualdade e moralidade, inscritos na Constituição Federal de 1988. O Supremo, ao longo do tempo, permitiu exceções.

Há no entanto um decreto que torna explícito o que estava implícito em várias leis, o 7.203, de 4 de junho de 2010, assinado pelo presidente Lula. Ele proíbe a contratação de familiares - "o cônjuge, o companheiro ou o parente em linha reta ou colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau" - e estabelece que a proibição estende-se "aos familiares do Presidente e do Vice-Presidente da República e, nesta hipótese, abrangem todo o Poder Executivo Federal" (artigo 3), inclusive ministros.

O reposicionamento do Supremo parte de uma distinção teórica de difícil separação na prática, a de cargos de natureza política e técnicos, para os quais se manteria a proibição do nepotismo. Segundo Fux, o presidente, os Executivos estaduais e os municipais têm o direito de indicar quem quiserem para os cargos de ministros e secretários. No entanto, a distinção feita antes volta a se desfazer quando, ao defender a nomeação de parentes para cargos políticos, o relator ressalva que os nomeados precisam ter qualificação técnica, o que nunca se exigiu. Levada ao pé da letra, a exigência não segue a letra da Constituição, que, para o cargo, em seu artigo 87, exige apenas que seja brasileiro, maior de 21 anos e esteja "no exercício dos direitos políticos".

O STF muda um princípio vital em um país cuja tradição política de longa data é a do compadrio e do patrimonialismo, da apropriação privada da esfera pública, para objetivos muitas vezes inconfessáveis. Para o ministro Flávio Dino, as leis anteriores não abrem exceções e deveria ser assim. Além disso, citou o caráter dissolvente que relações familiares teriam sobre as hierarquias na administração pública. De fato, ministros, escolhidos por parentesco, não se sentiriam tolhidos em tentar usar o mesmo critério para escolher seus assessores de confiança, seja promovendo parentes que já trabalhem na máquina pública, seja os que ainda nela não entraram. A prática comum da entrega de Ministérios aos partidos "de porteira fechada", ou seja, com provimento de cargos a seu livre dispor, torna ainda pior o novo entendimento.

Na sessão de quinta do STF, a ministra Cármen Lúcia, que ainda não votou, disse que "o princípio da impessoalidade decorre do fato de que, se a coisa é pública, deve ser tratada de forma impessoal. Este tem sido, nos 37 anos de vigência da Constituição, o princípio mais difícil de se dar cumprimento". (site Migalhas, 24-10). É possível que, com os demais votos e mais discussão, se chegue a melhor resultado, que não contribua para piorar a avaliação dos cidadãos sobre a administração pública e os serviços que dela recebe.

O poderoso Alcolumbre

Por O Estado de S. Paulo

O discreto senador compreendeu perfeitamente o significado do poder ao distribuir emendas entre seus pares e cobrar caro para tirar o governo das cordas quando ele mais precisa

Quem manda não precisa dizer que manda, e se há alguém que compreendeu o significado do poder é o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).

Faz anos que nada de realmente importante acontece em Brasília sem que ele seja consultado – um feito e tanto, considerando que o parlamentar vem de um Estado que não se destaca nem pelo vigor de sua economia nem pelo tamanho de sua população. Sua especialidade é tirar o governo das cordas nas horas em que ele mais precisa e cobrar caro por essa ajuda.

Há alguns dias, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva estava prestes a passar pela humilhação de assistir à derrubada de praticamente todos os 63 vetos que impôs à Lei Geral do Licenciamento Ambiental às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30), em Belém.

Quem impediu – ou melhor, adiou – o vexame foi Alcolumbre. Para isso, o senador não precisou procurar os pares para convencê-los da importância de manter os vetos neste momento, mesmo porque é favorável à flexibilização da legislação ambiental. Bastou cancelar a sessão conjunta do Congresso que ele mesmo havia marcado.

A recompensa veio na semana seguinte, quando o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), depois de anos, finalmente concedeu a licença de operação à Petrobras para perfurar um poço exploratório na Bacia da Foz do Amazonas. Trata-se do pontapé inicial para a exploração de petróleo na Margem Equatorial, uma das prioridades do senador.

Embora prefira a discrição aos holofotes, os últimos dias têm colocado a atuação de Alcolumbre em evidência. Ignorando solenemente a pressão para que indique uma mulher à vaga que se abrirá no Supremo Tribunal Federal (STF) com a saída de Luís Roberto Barroso, Lula pretendia formalizar, antes de viajar à Ásia, a indicação do ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias. O presidente, que faz ouvidos moucos aos apelos de sua base eleitoral, escuta com atenção e deferência as palavras de Alcolumbre. O senador, que não esconde a preferência pelo nome de seu colega e antecessor, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), avisou que não trabalharia contra Messias, mas que lavaria as mãos caso seu nome chegasse ao Senado.

Lula, que não é bobo, decidiu aguardar mais uns dias até que seja possível chegar a um acordo que satisfaça Alcolumbre. Messias, ao final, deve ser indicado de qualquer forma, mas o petista sabe que a diferença entre uma vitória e uma derrota política, muitas vezes, depende mais de timing do que do mérito da discussão.

O presidente deve muito a Alcolumbre. O fracasso da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é obra do senador. Foi ele quem providencialmente segurou a instalação da CPMI por três meses, dando tempo para que o Executivo ressarcisse os aposentados pelos descontos ilegais em seus benefícios antes que a comissão iniciasse seus trabalhos, esvaziando seu objeto.

Foi Alcolumbre, também, quem enterrou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem após protestos que reuniram milhares de pessoas nas ruas. É Alcolumbre quem impede o avanço de projetos para anistiar o ex-presidente Jair Bolsonaro, reduzir penas de condenados pelo 8 de Janeiro e afastar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Isso nem de longe significa que o senador seja simpatizante do PT. Alcolumbre mantinha excelentes relações com Bolsonaro quando este era presidente. Sem o senador, o governo do ex-presidente não teria conseguido aprovar os projetos de seu interesse às vésperas da eleição.

Foi esse pacto entre Bolsonaro e Alcolumbre que permitiu às emendas parlamentares chegarem a R$ 50 bilhões, um patamar que nem o governo Lula nem o STF conseguiram reduzir – que o digam os municípios amapaenses, alguns dos maiores beneficiários dessas transferências.

É assim que Alcolumbre mostra como e por que é ele quem realmente manda no Brasil. Enquanto isso, a esquerda depende de Lula para sobreviver e a direita se digladia para escolher o sucessor de Bolsonaro nas urnas.

Novos personagens na novela de Angra 3

Por O Estado de S. Paulo

Irmãos Batista compram participação da Eletrobras na Eletronuclear, ampliam presença no setor elétrico e passam a ser sócios do governo num negócio arriscado e controvertido

No início do mês, o governo decidiu que os estudos sobre a conclusão de Angra 3 deverão ser atualizados pela Eletronuclear e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com obras paradas desde 2015, a usina nuclear já consumiu ao menos R$ 12 bilhões em valores históricos e tem sido uma pedra no sapato de diferentes governos desde a década de 1980, mas eis que algo mudou nessa novela.

Depois de dois anos, a Eletrobras, agora Axia, finalmente conseguiu vender sua participação na Eletronuclear para a J&F, holding dos irmãos Wesley e Joesley Batista, por R$ 535 milhões. O grupo assumirá as garantias prestadas pela Eletrobras em favor da Eletronuclear em empréstimos tomados para a construção de Angra 3 e a responsabilidade pela integralização de debêntures de R$ 2,4 bilhões.

Como se viu pela alta nas ações da Eletrobras nos últimos dias, a empresa só tem a ganhar com o negócio. Em acordo com o governo, a companhia já havia aceitado ceder três de seus assentos no Conselho de Administração para a União, para se livrar da obrigação de realizar novos investimentos na usina, mas ainda era preciso encontrar alguém disposto a assumir a Eletronuclear.

Isso exigiu certo grau de realismo por parte da Eletrobras. A empresa bem que tentou empurrar sua participação na Eletronuclear ao próprio governo, mas queria receber nada menos que R$ 7 bilhões – valor que a equipe econômica considerou inaceitável. Fato é que até mesmo um valor simbólico já seria excelente para a companhia.

O desafio de Angra 3 não é trivial. Segundo o BNDES, a conclusão da usina custará ao menos R$ 23 bilhões, valor que certamente subirá quando o estudo for atualizado. Já o custo para abandonar a usina seria de R$ 21 bilhões, incluindo rescisão de contratos, devolução de benefícios fiscais, desmobilização da obra e custo de oportunidade sobre o capital investido.

A diferença de valores parece tão pequena que parece lógico retomá-la, mas nada é tão simples no setor elétrico. A parte civil da obra está 67% concluída, e o progresso global, 58%. Na melhor das hipóteses, Angra 3 entraria em operação em 2031.

Para que o investimento dê retorno, o preço da energia da usina nuclear teria de ser de pelo menos R$ 653,31 por megawatt-hora (MWh), maior que o cobrado por termoelétricas a gás. A questão é que há excesso de eletricidade disponível no sistema, situação que tende a reduzir os preços no futuro.

O momento em que o negócio foi anunciado também parece inoportuno. No início de outubro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse, por meio de ofício enviado à equipe econômica, que a Eletronuclear estava sob “risco iminente de insolvência” e que precisava de uma medida de liquidez extraordinária – ou seja, um aporte bilionário – para honrar dívidas com BNDES, Caixa, bancos privados e um fundo setorial do próprio governo ainda em outubro.

É difícil compreender o que atraiu os irmãos Batista para um negócio tão controvertido. Embora tenham comprado 68% do capital total, eles terão apenas 35,3% do capital votante na empresa nuclear. Mas bem se sabe que a dupla mantém excelentes relações com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e não costuma rasgar dinheiro.

Ninguém havia entendido por que a J&F havia comprado termoelétricas da Eletrobras no Norte do País e uma distribuidora à beira da falência como a Amazonas Energia no ano passado, até que uma medida provisória editada pelo governo transformou o mico em um negócio da China – pura “coincidência”, como disse o ministro Silveira à época.

Por ora, a J&F celebra o fato de se tornar a sexta maior geradora de energia do Brasil, ampliar seu portfólio e deter ativos “estratégicos” para o País. Até o fim deste ano, Angra 3 deve voltar à pauta do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão composto por 16 ministérios, muitos dos quais temem que o rombo associado à usina recaia sobre a União. A ver quais serão os próximos capítulos dessa novela, agora com os irmãos Batista, sempre eles, como protagonistas.

Lula dobra aposta no embate

Por O Estado de S. Paulo

Após ser derrotado na MP dos impostos, governo reempacota propostas para enquadrar a oposição e o Centrão

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva não engoliu a derrota da Medida Provisória (MP) que aumentava impostos na Câmara e vai dobrar a aposta no embate político. Desta vez, o Executivo vai segregar as propostas da MP em dois projetos de lei diferentes, deixando em um deles os trechos que ampliam a arrecadação e em outro aqueles que cortam gastos. De acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ideia é mesmo encurralar a oposição, que não terá o “pretexto de não votar o que eles reivindicam como agenda deles” – no caso, as medidas de contenção de despesas.

Ressentidos por terem entregado de bandeja uma bandeira eleitoral para Lula – a aprovação, por unanimidade, da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, o desconto para quem recebe até R$ 7.350 mensais e a taxação da alta renda –, Centrão e oposição aproveitaram a MP para impor uma derrota política ao governo com o discurso de que a sociedade não aguenta mais aumento de impostos.

Mais que rejeitar o aumento da carga tributária ou obrigar o governo a apresentar medidas efetivas de cortar gastos, o que a Câmara queria mesmo era travar o ímpeto de Lula de lançar programas eleitoreiros até o ano que vem. Sem a MP, nem a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) nem o Orçamento ficam de pé, um impasse que Lula precisa contornar.

Sabendo disso, o governo se esforçou muito para aprovar a MP e aceitou esvaziar sua capacidade de arrecadação, assentindo até mesmo com o fim da isenção das Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA). O fato de que nem essa concessão foi capaz de convencer a bancada ruralista a dar seu aval e a participação do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, nas articulações evidenciaram que a resistência não tinha nada a ver com o mérito da MP.

As propostas, agora, serão reempacotadas. As medidas para conter despesas e limitar o uso de créditos tributários serão apensadas ao texto que torna crime hediondo falsificar bebidas, cuja tramitação foi acelerada em razão da crise do metanol. Já as propostas para elevar a tributação das bets e das fintechs e de elevar o imposto sobre os Juros sobre Capital Próprio (JCP) estarão em outro projeto, ainda não definido.

É improvável chegar a uma economia de R$ 15 bilhões apenas com a inclusão do Pé-de-Meia no piso constitucional da Educação e mudanças no seguro-defeso, pago a pescadores no período da piracema, e no Atestmed, sistema que garante a concessão de auxílio-doença sem a necessidade de perícia presencial. Tampouco parece crível esperar arrecadar R$ 8,3 bilhões com a tributação de bets, fintechs e JCP quando ainda nem há uma estratégia para aprová-las.

O que há de mais concreto é o limite para uso de créditos tributários pelas empresas para compensar o pagamento de impostos, que deve render R$ 10 bilhões e já foi negociado com o setor. Como os deputados vão receber essas propostas é uma incógnita, mas o importante para o governo é manter o embate com os parlamentares e garantir que o Orçamento funcione no papel, para não ter de alterar a meta fiscal. Que o eleitor não se deixe enganar: nem o governo nem a Câmara estão realmente preocupados com as contas públicas.

Violência escolar: matéria em que o Brasil é reprovado

Por Correio Braziliense

Os desafios se interseccionam e um debate aberto precisa ser feito, instigando a participação da sociedade

Um episódio dentro de uma escola no Distrito Federal, na segunda-feira passada, chamou a atenção do país. O pai de uma aluna foi ao Centro Educacional 4 do Guará e, descontrolado, atingiu um professor com socos. A filha do agressor teria dito ao seu responsável que o docente estava proferindo xingamentos contra ela — motivo apontado para o ataque. O caso acabou na polícia e, durante as investigações, outros estudantes teriam dito, em depoimento, que essa postura do educador era comum. A Corregedoria da Secretaria de Educação do DF entrou na história para averiguar a conduta do professor. Desfecho à parte, o fato evidencia um grave problema que se arrasta sem solução no Brasil: a violência escolar. 

Há décadas, essas ocorrências são registradas e, mais recentemente, transformaram-se em um fenômeno social preocupante. Segundo o Sistema de Informações de Agravos e Notificações (Sinan/SUS), que monitora esse tipo de atendimento nos serviços de saúde pública e privada, houve 60.985 vítimas de violência interpessoal em instituições de ensino de 2013 a 2023.

Por sua vez, o Ministério de Direitos Humanos e Cidadania aponta que, em 2013, foram 3.771 registros de violência interpessoal no âmbito escolar, número que subiu para 13.117 em 2023, revelando um pico significativo pós-pandemia de covid-19.

Já os dados organizados no relatório Ataques de violência extrema em escolas no Brasil (2025) indicam que, entre 2001 e 2024, foram registradas 42 agressões desse tipo no país. O levantamento apresenta um recorte que assusta: os casos se concentram em um período curto, também após a crise sanitária. Dos episódios, 64% ocorreram de 2022 a 2024.

A escalada revelada em pesquisas torna urgente a discussão sobre o tema. Estudantes, professores, demais membros da comunidade educacional e a sociedade como um todo não podem seguir cercados por esse cenário de violências que vem sufocando um ambiente que deveria oferecer segurança e respeito mútuo.

A banalização das agressões físicas e verbais, incluindo a prática de bullying, precisa ser combatida — e, muitas vezes, a tentativa de solução apenas a partir dos envolvidos não é eficaz. Arrancar as raízes sociais que sustentam a violência escolar exige um esforço amplo de ações, além de conscientização. A escassez de políticas para melhorar a convivência no espaço das instituições, assim como no entorno delas, e a precarização geral do ensino são pontos fundamentais a serem resolvidos.

Está claro que diversas condições colaboram para o avanço desse cenário perturbador, o que, consequentemente, escancara a necessidade de uma articulação entre educação, saúde, assistência social e Judiciário. A garantia de que as iniciativas sejam contínuas também é fundamental. 

O desenvolvimento do país depende de uma transformação estrutural do ensino e que, sem dúvida, atravessa a questão da violência escolar. Não se pode relativizar esse quadro. Discursos não resolvem o problema, muito menos propostas fáceis e rápidas. Os desafios se interseccionam, e um debate aberto precisa ser feito, instigando a participação da sociedade. A escola tem função social multifacetada, que vai além da instrução acadêmica. O Brasil não pode mais permitir que a violência siga presente nas salas de aula, prejudicando o presente e comprometendo o futuro.

As incertezas do STF

Por O Povo (CE)

Isolado na 1ª turma do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux decidiu pedir mudança de colegiado, passando para a 2ª turma, no que foi prontamente atendido por Edson Fachin, novo presidente do STF. A transferência, que deveria estar sendo lida apenas como ato corriqueiro e burocrático na corte, embute preocupações de ordem jurídica e política.

O motivo para a alteração se assenta, por exemplo, na esteira do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, para cuja soltura Fux votou favoravelmente. Ou seja, o magistrado restou solitário no seu entendimento de que o 8 de janeiro de 2023 foi tudo, menos uma tentativa de golpe de Estado deflagrada por influência do ex-mandatário.

Tiveram compreensão oposta os demais integrantes da turma, a saber, Flávio Dino, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e o relator, Alexandre de Moraes, fechando placar de 4 votos a 1 pela condenação do primeiro núcleo de réus da ação penal, do qual Bolsonaro era parte.

Para Moraes, de quem Fux divergiu sistematicamente no curso das discussões, trata-se de fato de uma organização criminosa liderada pelo então chefe do Executivo com o objetivo de embaraçar o processo eleitoral, impedindo a posse do presidente eleito mediante recursos de força.

No período que se seguiu ao início do julgamento, Fux acumulou episódios de desgaste com seus colegas de toga, a ponto de solicitar que, durante a leitura do seu voto, jamais fosse interrompido. E assim o país esteve por longas 12 horas entretido com a voz monocórdia do juiz, entregue à narração pormenorizada de um arrazoado caudaloso cujo resumo era basicamente este: o 8/1 foi obra de arruaceiros descoordenados ou coisa de aposentados serelepes.

O argumento não comoveu os demais membros da 1ª turma, que se manifestaram pela responsabilização de Bolsonaro e de outros sete réus. Na sessão seguinte, os magistrados se revezaram num desagravo a Moraes, reafirmando a consistência da tese do relator. Resultado: o ex-capitão do Exército foi sentenciado a quase 30 anos de prisão em regime fechado.

A permanência de Fux no colegiado era vista como insustentável. Afinal, o clima azedara. Mais importante: como havia alinhamento entre o quarteto, sua posição estava não só minoritária, mas francamente ilhada sob ângulo político, uma variável que, embora não admitida, está presente em qualquer julgamento no Supremo.

A ida do ministro para a 2ª turma pretende cumprir duas finalidades, portanto. Uma é reequilibrar os colegiados, com a formação de eventual maioria ao lado de Nunes Marques e André Mendonça. Outra é recuperar protagonismo para Fux, que espera figurar como um fiel da balança nos embates entre o bloco de indicados por Bolsonaro e o outro, constituído por Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

Se e quando pender para um ou para outro lado, tenderá a fazer diferença. O aspecto negativo disso é o risco de uma espécie de transposição da polarização eleitoral para o âmbito do STF, que poderia comprometer o funcionamento da corte. Esse é o cenário que a instituição tem de evitar. 

 

 

 

 

 

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