Não tem nexo subordinar agências reguladoras à Câmara
Por O Globo
Se aprovada, PEC as sujeitaria às ingerências
políticas de que, por definição, devem ser preservadas
A independência das agências reguladoras está
mais uma vez em risco. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara
aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição relatada pelo deputado Danilo
Forte (União-CE), que transfere do Executivo aos deputados a prerrogativa de
fiscalizá-las. Se for adiante, será um enorme retrocesso.
As agências, que atuam em setores como telefonia, energia elétrica ou petróleo e combustíveis, não surgiram do nada. Foram criadas na gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), sob a inspiração dos melhores modelos internacionais de supervisão dos serviços públicos prestados por empresas. Mesmo vinculadas ao Executivo, precisam ter liberdade para zelar pela qualidade desses serviços e ser blindadas contra influências político-partidárias e ideológicas, para que prevaleçam critérios técnicos. Aprovar a PEC equivale justamente a submeter as agências às ingerências de que, por definição, elas devem ser preservadas.
Da justificativa da Proposta de Emenda à
Constituição consta que as “agências acabaram se transformando em entes com
funções quase absolutas — legislam, executam e julgam sem a devida fiscalização
política”. Tal descrição não corresponde à realidade. Além de ser supervisionadas
pelo Executivo, elas não estão fora do alcance da fiscalização do Legislativo.
Só não faz sentido que passem a estar vinculadas à Câmara ou ao Senado. Seria
um desvio de função, já que elas precisam de independência administrativa para
cumprir à risca a missão para a qual foram criadas. Além de tudo, a PEC
contraria o equilíbrio entre os Poderes.
Não é novidade a incompreensão do papel das
agências reguladoras. Ao assumir seu primeiro mandato, em 2003, o presidente
Luiz Inácio Lula da
Silva declarou que elas “terceirizam” atividades do governo. Nada mais distante
dos fatos. As agências, na verdade, complementam a atuação do Executivo. Até
hoje continuam mal compreendidas. Em seu terceiro mandato, Lula as tem tratado
como um segmento irrelevante do Estado. Reportagem do GLOBO revelou que o
conjunto de 11 agências terá em 2026, em valores corrigidos, menos recursos do
que tinha em 2016. Entre 2010 e 2022, as agências arrecadaram R$ 179 bilhões e
só receberam R$ 75 bilhões nos seus orçamentos. Enquanto elas são sufocadas
financeiramente, as demandas da sociedade aumentam.
A Agência Nacional do Petróleo (ANP)
teve de suspender por dias o monitoramento da qualidade dos combustíveis nos
postos, num momento em que o crime organizado se infiltra na atividade. A
Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)
ficou momentaneamente sem a possibilidade de agendar exames teóricos de
habilitação para pilotos e mecânicos, num momento de alta na demanda pelo
transporte aéreo. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
demitiu funcionários e interrompeu serviços de fiscalização, num momento de
seguidos apagões. Em vez de tentar cercear as agências por meio de uma PEC
descabida, os parlamentares deveriam fortalecê-las com orçamentos à altura da
necessidade do Brasil.
Pesquisa revela quadro perturbador de
exposição infantil na internet
Por O Globo
Um quinto dos adolescentes já foi alvo de
contato sexual, e 4% foram instados a enviar fotos ou vídeos nus
Um quinto dos adolescentes já foi alvo de
contato sexual na internet, revela a última pesquisa TIC Kids Online Brasil,
realizada com 2.370 entrevistas. É perturbador o retrato do ambiente digital
infantojuvenil revelado em reportagem
do GLOBO. Um em cada cinco jovens de 11 a 17 anos relatou ter recebido
mensagem ou solicitação com conteúdo sexual. O assédio não se resume a
conversas impróprias: 4% foram instados a enviar foto ou vídeo nus — proporção
que chega a 9% na faixa entre 15 e 17 anos.
De acordo com o levantamento, 92% da
população brasileira entre 9 e 17 anos usa a internet, o equivalente a 24,5
milhões. O primeiro acesso acontece cada vez mais cedo. Em 2016, ocorria até os
6 anos para 10%. No levantamento atual, a proporção chega a 28%. Apesar de
haver algum conhecimento sobre autoproteção, apenas 57% dizem saber se um site
é confiável.
É preciso reconhecer que as autoridades têm
agido. Polícias civis e federal têm deflagrado operações recorrentes contra
pedofilia. Houve prisões, redes foram desarticuladas, computadores apreendidos
e grupos derrubados. O avanço tecnológico, porém, tem beneficiado o crime.
Conteúdos se replicam em nuvem, aplicativos cifrados de mensagens e fóruns fechados.
Migram de uma plataforma a outra; ressurgem minutos após a remoção. A
investigação chega depois do dano. As operações policiais são indispensáveis,
mas sozinhas não dão conta do problema.
As responsabilidades são compartilhadas. As
autoridades devem prosseguir no combate que tem dado resultado, por meio de
bases de dados integradas, delegacias especializadas e ação ágil do Judiciário.
Aos pais, cabe uma rotina de conversa franca e supervisão dos filhos, com
regras claras de uso e atenção especial a desvios.
Mas o mais importante cabe às plataformas
digitais. Recentemente, um vídeo do influenciador Felipe Bressanim Pereira, o
Felca, mostrou como os algoritmos, num mecanismo perverso, disseminam
rapidamente imagens de menores, não raramente capturadas por redes de
pedofilia. Depois da viralização, o Congresso aprovou um PL para tentar
proteger as crianças. É medida bem-vinda, porém insuficiente.
Quem lucra com engajamento precisa mitigar os
riscos. Já há contas específicas para proteção de menores e detecção automática
de material ilegal. Mas é preciso mais. As plataformas precisam publicar
relatórios de transparência com métricas verificáveis de remoção e tempo de
resposta, abrir canais diretos para vítimas solicitarem remoção e implementar
verificação etária com preservação de privacidade. Tudo isso consta do PL das
Redes Sociais, infelizmente parado no Congresso. É essencial, por fim, conter o
uso de inteligência artificial para sexualizar ou gerar imagens de menores. A
tecnologia deve ser aliada na vigilância.
A pesquisa mostra jovens conectados cedo demais e expostos a riscos que avançam mais rápido que as defesas. Crianças e adolescentes têm direito a um ambiente digital seguro. Cabe ao Estado exigir e às plataformas provar que conseguem zelar por ele.
Contra facções, mais inteligência
Por Folha de S. Paulo
Projeto do governo parece fazer concessão à
direita ao endurecer penas contra organizações criminosas
Populismo penal pode ser mal menor se gestões
federal e estaduais articularem esforços, na prática, e abandonarem querelas
ideológicas
A onipresença
e a ousadia crescente do crime organizado no país despertam, já
tardiamente, os sensos de urgência e oportunidade de instituições e políticos.
No caso mais recente, a Polícia Civil
e o Ministério
Público de São Paulo deflagraram na sexta (24) operação contra
o que seria um plano do Primeiro Comando da Capital (PCC) para matar
autoridades públicas.
Dois dias antes, o Ministério da
Justiça divulgou a minuta de um
projeto de lei de combate a facções, que ainda passará pelo crivo da
Casa Civil antes de ser de fato enviado ao Congresso. Foi o bastante para que
se percebesse que o debate essencial sobre segurança pública será mais uma vez
pautado por polarização ideológica.
No que parece ser uma concessão do governo
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
à direita linha dura que dá as cartas do Legislativo, o texto propõe o
endurecimento de penas —velho recurso populista de comprovada baixa eficácia.
Institui-se o crime de organização criminosa
qualificada, considerado hediondo e punido com 8 a 15 anos de prisão, além de
12 a 30 anos para o homicídio por ordem ou em benefício da organização.
Clareza conceitual é bem-vinda, mas depende
de como os parâmetros serão aplicados pelo Judiciário. O sistema vigente já
impõe punições semelhantes às propostas por meio da prática de somar penas de
diversos crimes.
Pelo projeto, os processados e condenados não
terão direito a fiança nem serão beneficiados por qualquer tipo de perdão
(graça, indulto ou anistia). Resta saber se mais encarceramento levará ao
desmantelamento de facções ou, ao contrário, resultará em seu fortalecimento
com a mão de obra disponível nas prisões.
Ainda assim, vozes do Congresso e de governos
estaduais já indicaram que querem endurecimento adicional, como restrições a
audiências de custódia e progressões de penas.
No que tem de meritório, o texto da Justiça
procura dar ao poder público mais meios de enfrentar o crime organizado, como
ao permitir o monitoramento de encontros entre integrantes de facções em
unidades prisionais com captação audiovisual e gravação autorizada
judicialmente.
Outros dispositivos miram a penetração das
facções no Estado e no setor privado.
O projeto autoriza infiltração policial nas
organizações e sistematiza sanções a agentes públicos envolvidos, como
afastamento do cargo e impossibilidade de receber benefícios. Prevê ainda o
compartilhamento de informações entre autoridades, com a criação do Banco
Nacional de Organizações Criminosas.
Por demandarem trabalho investigativo de
qualidade, essas intenções só ganharão concretude com maior integração entre as
forças de segurança e mais prioridade à inteligência policial. O populismo
penal pode ser um mal menor se os governos federal e estaduais forem capazes de
articular seus esforços, na prática, e deixarem querelas ideológicas em segundo
plano.
Sexo e gênero na sala de aula
Por Folha de S. Paulo
Supremo derruba leis municipais que proíbem a
abordagem dos temas no currículo escolar
Além do fato de que normase diretrizes nesse
sentido são de exclusividade da União, educação de qualidade precisa ser
pluralista
Na guerra cultural travada num terreno
político polarizado não só no Brasil, mas em diversos países, os temas da
sexualidade e da identidade de gênero são alvos de disputas acaloradas,
principalmente quando estão relacionados à infância.
Por óbvio, crianças merecem atenção especial
na formulação de políticas públicas, dada sua vulnerabilidade. Mas esse cuidado
deve se dar com base em evidências, não em crenças e ideologias, e a partir do
respeito a fundamentos constitucionais.
Nesse sentido, é
correta a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a
inconstitucionalidade de leis de Tubarão (SC), Petrolina (PE) e Garanhuns (PE)
que proibiam menções a gênero e orientação sexual no currículo escolar. Segundo
a corte, normas e diretrizes no setor exigem aplicação uniforme no país e são
de competência exclusiva da União.
A medida não
é novidade. Em 2020, o Supremo julgou várias leis municipais que
vetavam esses temas em sala de aula e chegou à mesma conclusão.
Tal movimento de interferência no currículo
ganhou impulso com Jair
Bolsonaro (PL), que tinha no combate
à chamada ideologia de gênero uma de suas bandeiras reacionárias. As ações se
inseriam na pauta mais ampla da chamada Escola sem Partido, que, sob o pretexto
de conter doutrinações ideológicas de esquerda nas escolas, tentava limitar o
trabalho de professores.
Na decisão recente, os ministros Flávio Dino,
Nunes Marques e Cristiano Zanin, que votaram pela derrubada das leis, também
fizeram ponderações sobre a necessidade de adequar conteúdos ao nível de
maturidade dos alunos e de evitar a hiperssexualização ou a adultização de
crianças —fenômenos relacionados a abusos de menores na internet.
O fato é que o silêncio não é bom educador.
Abordar sexualidade e gênero nas escolas, a partir de metodologia técnica, é
ferramenta importante tanto de aprendizagem sobre o próprio corpo e sua saúde
como de conscientização sobre graves problemas sociais, como preconceito contra
homossexuais e pessoas trans, violência contra
mulheres, bullying e
abuso infantil.
É compreensível que pais, conservadores ou
não, queiram transmitir suas crenças e valores aos filhos, e é indicado que
escolas evitem confronto nessa seara no caso de crianças pequenas.
Contudo a pluralidade de visões de mundo é aspecto fundamental de uma educação que preze por princípios democráticos e pelos direitos humanos —iniciativa cada vez mais necessária num cenário político sectário.
STF permite nomeações de parentes na política
e abre brecha
Por Valor Econômico
Supremo muda um princípio vital em um país
cuja tradição política de longa data é a do compadrio e do patrimonialismo
Do dia para a noite, o Supremo Tribunal
Federal (STF) formou maioria para permitir a contratação de familiares e
parentes para ocupar cargos de natureza política. O julgamento, que analisa um
caso específico da prefeitura de Tupã - se prefeito ou vice pode escolher
membros da família até terceiro grau para as secretarias municipais -, terá
repercussão geral e sua decisão terá de ser seguida por todas as instâncias em
casos semelhantes. Por 6 votos a 1, o Supremo adotou posição que abrirá enorme
brechas em várias legislações que até agora impediram, nem sempre com sucesso,
o nepotismo, no passado prática comum, de se revigorar no Estado brasileiro.
Por mais extensa e detalhada que seja a
Constituição e numerosas que sejam as leis ordinárias, o STF levantou um ponto
em que julgou haver uma lacuna: no caso dos cargos políticos, diferentemente
dos de natureza técnica, não estava claro se a regra que proíbe a contratação
de familiares e parentes se aplicaria, ao contrário dos cargos de comissão,
direção e asessoramento. O relator Luiz Fux e os ministros André Mendonça, Dias
Toffoli, Cristiano Zanin, Nunes Marques e Alexandre de Moraes entenderam que
não existe a limitação. Até agora há um voto contrário, o do ministro Flávio Dino,
que, com uma chiste, expôs claramente o cerne do problema: "Uma reunião de
governo não pode ser um almoço de domingo, uma ceia de Natal". Pela
decisão que o Supremo está prestes a consolidar, a cena é plausível.
A posição anterior do Supremo sobre o assunto
foi a súmula vinculante 13, de 2008: "A nomeação de cônjuge, companheiro
ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau,
inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica
investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de
cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na
administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante
designações recíprocas, viola a Constituição Federal". O
Congresso reforçou a proibição quase com as mesmas palavras da súmula ao
aprovar a lei 14.230, em 2021.
Até o Supremo decidir escancarar a brecha,
nenhuma legislação abria exceção aos cargos políticos, e prevalecia a máxima de
que o nepotismo, em qualquer nível, feria os princípios republicanos de
impessoalidade, eficiência, igualdade e moralidade, inscritos na Constituição
Federal de 1988. O Supremo, ao longo do tempo, permitiu exceções.
Há no entanto um decreto que torna explícito
o que estava implícito em várias leis, o 7.203, de 4 de junho de 2010, assinado
pelo presidente Lula. Ele proíbe a contratação de familiares - "o cônjuge,
o companheiro ou o parente em linha reta ou colateral, por consanguinidade ou
afinidade, até o terceiro grau" - e estabelece que a proibição estende-se
"aos familiares do Presidente e do Vice-Presidente da República e, nesta
hipótese, abrangem todo o Poder Executivo Federal" (artigo 3), inclusive
ministros.
O reposicionamento do Supremo parte de uma
distinção teórica de difícil separação na prática, a de cargos de natureza
política e técnicos, para os quais se manteria a proibição do nepotismo.
Segundo Fux, o presidente, os Executivos estaduais e os municipais têm o
direito de indicar quem quiserem para os cargos de ministros e secretários. No
entanto, a distinção feita antes volta a se desfazer quando, ao defender a
nomeação de parentes para cargos políticos, o relator ressalva que os nomeados
precisam ter qualificação técnica, o que nunca se exigiu. Levada ao pé da
letra, a exigência não segue a letra da Constituição, que, para o cargo, em seu
artigo 87, exige apenas que seja brasileiro, maior de 21 anos e esteja "no
exercício dos direitos políticos".
O STF muda um princípio vital em um país cuja
tradição política de longa data é a do compadrio e do patrimonialismo, da
apropriação privada da esfera pública, para objetivos muitas vezes
inconfessáveis. Para o ministro Flávio Dino, as leis anteriores não abrem
exceções e deveria ser assim. Além disso, citou o caráter dissolvente que
relações familiares teriam sobre as hierarquias na administração pública. De
fato, ministros, escolhidos por parentesco, não se sentiriam tolhidos em tentar
usar o mesmo critério para escolher seus assessores de confiança, seja promovendo
parentes que já trabalhem na máquina pública, seja os que ainda nela não
entraram. A prática comum da entrega de Ministérios aos partidos "de
porteira fechada", ou seja, com provimento de cargos a seu livre dispor,
torna ainda pior o novo entendimento.
Na sessão de quinta do STF, a ministra Cármen Lúcia, que ainda não votou, disse que "o princípio da impessoalidade decorre do fato de que, se a coisa é pública, deve ser tratada de forma impessoal. Este tem sido, nos 37 anos de vigência da Constituição, o princípio mais difícil de se dar cumprimento". (site Migalhas, 24-10). É possível que, com os demais votos e mais discussão, se chegue a melhor resultado, que não contribua para piorar a avaliação dos cidadãos sobre a administração pública e os serviços que dela recebe.
O poderoso Alcolumbre
Por O Estado de S. Paulo
O discreto senador compreendeu perfeitamente
o significado do poder ao distribuir emendas entre seus pares e cobrar caro
para tirar o governo das cordas quando ele mais precisa
Quem manda não precisa dizer que manda, e se
há alguém que compreendeu o significado do poder é o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP).
Faz anos que nada de realmente importante
acontece em Brasília sem que ele seja consultado – um feito e tanto,
considerando que o parlamentar vem de um Estado que não se destaca nem pelo
vigor de sua economia nem pelo tamanho de sua população. Sua especialidade é
tirar o governo das cordas nas horas em que ele mais precisa e cobrar caro por
essa ajuda.
Há alguns dias, o governo de Luiz Inácio Lula
da Silva estava prestes a passar pela humilhação de assistir à derrubada de
praticamente todos os 63 vetos que impôs à Lei Geral do Licenciamento Ambiental
às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas
(COP-30), em Belém.
Quem impediu – ou melhor, adiou – o vexame
foi Alcolumbre. Para isso, o senador não precisou procurar os pares para
convencê-los da importância de manter os vetos neste momento, mesmo porque é
favorável à flexibilização da legislação ambiental. Bastou cancelar a sessão
conjunta do Congresso que ele mesmo havia marcado.
A recompensa veio na semana seguinte, quando
o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), depois de anos, finalmente concedeu a licença de operação à Petrobras
para perfurar um poço exploratório na Bacia da Foz do Amazonas. Trata-se do
pontapé inicial para a exploração de petróleo na Margem Equatorial, uma das
prioridades do senador.
Embora prefira a discrição aos holofotes, os
últimos dias têm colocado a atuação de Alcolumbre em evidência. Ignorando
solenemente a pressão para que indique uma mulher à vaga que se abrirá no
Supremo Tribunal Federal (STF) com a saída de Luís Roberto Barroso, Lula
pretendia formalizar, antes de viajar à Ásia, a indicação do ministro da
Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias. O presidente, que faz ouvidos
moucos aos apelos de sua base eleitoral, escuta com atenção e deferência as
palavras de Alcolumbre. O senador, que não esconde a preferência pelo nome de
seu colega e antecessor, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), avisou que não trabalharia
contra Messias, mas que lavaria as mãos caso seu nome chegasse ao Senado.
Lula, que não é bobo, decidiu aguardar mais
uns dias até que seja possível chegar a um acordo que satisfaça Alcolumbre.
Messias, ao final, deve ser indicado de qualquer forma, mas o petista sabe que
a diferença entre uma vitória e uma derrota política, muitas vezes, depende
mais de timing do
que do mérito da discussão.
O presidente deve muito a Alcolumbre. O
fracasso da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) é obra do senador. Foi ele quem
providencialmente segurou a instalação da CPMI por três meses, dando tempo para
que o Executivo ressarcisse os aposentados pelos descontos ilegais em seus
benefícios antes que a comissão iniciasse seus trabalhos, esvaziando seu
objeto.
Foi Alcolumbre, também, quem enterrou a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem após protestos que
reuniram milhares de pessoas nas ruas. É Alcolumbre quem impede o avanço de
projetos para anistiar o ex-presidente Jair Bolsonaro, reduzir penas de
condenados pelo 8 de Janeiro e afastar ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF).
Isso nem de longe significa que o senador
seja simpatizante do PT. Alcolumbre mantinha excelentes relações com Bolsonaro
quando este era presidente. Sem o senador, o governo do ex-presidente não teria
conseguido aprovar os projetos de seu interesse às vésperas da eleição.
Foi esse pacto entre Bolsonaro e Alcolumbre
que permitiu às emendas parlamentares chegarem a R$ 50 bilhões, um patamar que
nem o governo Lula nem o STF conseguiram reduzir – que o digam os municípios
amapaenses, alguns dos maiores beneficiários dessas transferências.
É assim que Alcolumbre mostra como e por que
é ele quem realmente manda no Brasil. Enquanto isso, a esquerda depende de Lula
para sobreviver e a direita se digladia para escolher o sucessor de Bolsonaro
nas urnas.
Novos personagens na novela de Angra 3
Por O Estado de S. Paulo
Irmãos Batista compram participação da
Eletrobras na Eletronuclear, ampliam presença no setor elétrico e passam a ser
sócios do governo num negócio arriscado e controvertido
No início do mês, o governo decidiu que os
estudos sobre a conclusão de Angra 3 deverão ser atualizados pela Eletronuclear
e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com obras
paradas desde 2015, a usina nuclear já consumiu ao menos R$ 12 bilhões em
valores históricos e tem sido uma pedra no sapato de diferentes governos desde
a década de 1980, mas eis que algo mudou nessa novela.
Depois de dois anos, a Eletrobras, agora
Axia, finalmente conseguiu vender sua participação na Eletronuclear para a
J&F, holding dos irmãos Wesley e Joesley Batista, por R$ 535 milhões. O
grupo assumirá as garantias prestadas pela Eletrobras em favor da Eletronuclear
em empréstimos tomados para a construção de Angra 3 e a responsabilidade pela
integralização de debêntures de R$ 2,4 bilhões.
Como se viu pela alta nas ações da Eletrobras
nos últimos dias, a empresa só tem a ganhar com o negócio. Em acordo com o
governo, a companhia já havia aceitado ceder três de seus assentos no Conselho
de Administração para a União, para se livrar da obrigação de realizar novos
investimentos na usina, mas ainda era preciso encontrar alguém disposto a assumir
a Eletronuclear.
Isso exigiu certo grau de realismo por parte
da Eletrobras. A empresa bem que tentou empurrar sua participação na
Eletronuclear ao próprio governo, mas queria receber nada menos que R$ 7
bilhões – valor que a equipe econômica considerou inaceitável. Fato é que até
mesmo um valor simbólico já seria excelente para a companhia.
O desafio de Angra 3 não é trivial. Segundo o
BNDES, a conclusão da usina custará ao menos R$ 23 bilhões, valor que
certamente subirá quando o estudo for atualizado. Já o custo para abandonar a
usina seria de R$ 21 bilhões, incluindo rescisão de contratos, devolução de
benefícios fiscais, desmobilização da obra e custo de oportunidade sobre o
capital investido.
A diferença de valores parece tão pequena que
parece lógico retomá-la, mas nada é tão simples no setor elétrico. A parte
civil da obra está 67% concluída, e o progresso global, 58%. Na melhor das
hipóteses, Angra 3 entraria em operação em 2031.
Para que o investimento dê retorno, o preço
da energia da usina nuclear teria de ser de pelo menos R$ 653,31 por
megawatt-hora (MWh), maior que o cobrado por termoelétricas a gás. A questão é
que há excesso de eletricidade disponível no sistema, situação que tende a
reduzir os preços no futuro.
O momento em que o negócio foi anunciado
também parece inoportuno. No início de outubro, o ministro de Minas e Energia,
Alexandre Silveira, disse, por meio de ofício enviado à equipe econômica, que a
Eletronuclear estava sob “risco iminente de insolvência” e que precisava de uma
medida de liquidez extraordinária – ou seja, um aporte bilionário – para honrar
dívidas com BNDES, Caixa, bancos privados e um fundo setorial do próprio
governo ainda em outubro.
É difícil compreender o que atraiu os irmãos
Batista para um negócio tão controvertido. Embora tenham comprado 68% do
capital total, eles terão apenas 35,3% do capital votante na empresa nuclear.
Mas bem se sabe que a dupla mantém excelentes relações com o governo de Luiz
Inácio Lula da Silva e não costuma rasgar dinheiro.
Ninguém havia entendido por que a J&F
havia comprado termoelétricas da Eletrobras no Norte do País e uma
distribuidora à beira da falência como a Amazonas Energia no ano passado, até
que uma medida provisória editada pelo governo transformou o mico em um negócio
da China – pura “coincidência”, como disse o ministro Silveira à época.
Por ora, a J&F celebra o fato de se
tornar a sexta maior geradora de energia do Brasil, ampliar seu portfólio e
deter ativos “estratégicos” para o País. Até o fim deste ano, Angra 3 deve voltar
à pauta do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão composto por
16 ministérios, muitos dos quais temem que o rombo associado à usina recaia
sobre a União. A ver quais serão os próximos capítulos dessa novela, agora com
os irmãos Batista, sempre eles, como protagonistas.
Lula dobra aposta no embate
Por O Estado de S. Paulo
Após ser derrotado na MP dos impostos,
governo reempacota propostas para enquadrar a oposição e o Centrão
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva não
engoliu a derrota da Medida Provisória (MP) que aumentava impostos na Câmara e
vai dobrar a aposta no embate político. Desta vez, o Executivo vai segregar as
propostas da MP em dois projetos de lei diferentes, deixando em um deles os
trechos que ampliam a arrecadação e em outro aqueles que cortam gastos. De
acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ideia é mesmo encurralar a
oposição, que não terá o “pretexto de não votar o que eles reivindicam como agenda
deles” – no caso, as medidas de contenção de despesas.
Ressentidos por terem entregado de bandeja
uma bandeira eleitoral para Lula – a aprovação, por unanimidade, da isenção do
Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, o desconto para quem recebe
até R$ 7.350 mensais e a taxação da alta renda –, Centrão e oposição
aproveitaram a MP para impor uma derrota política ao governo com o discurso de
que a sociedade não aguenta mais aumento de impostos.
Mais que rejeitar o aumento da carga
tributária ou obrigar o governo a apresentar medidas efetivas de cortar gastos,
o que a Câmara queria mesmo era travar o ímpeto de Lula de lançar programas
eleitoreiros até o ano que vem. Sem a MP, nem a Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) nem o Orçamento ficam de pé, um impasse que Lula precisa contornar.
Sabendo disso, o governo se esforçou muito
para aprovar a MP e aceitou esvaziar sua capacidade de arrecadação, assentindo
até mesmo com o fim da isenção das Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e do
Agronegócio (LCA). O fato de que nem essa concessão foi capaz de convencer a
bancada ruralista a dar seu aval e a participação do governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas, nas articulações evidenciaram que a resistência não tinha
nada a ver com o mérito da MP.
As propostas, agora, serão reempacotadas. As
medidas para conter despesas e limitar o uso de créditos tributários serão
apensadas ao texto que torna crime hediondo falsificar bebidas, cuja tramitação
foi acelerada em razão da crise do metanol. Já as propostas para elevar a
tributação das bets e das fintechs e de elevar o imposto sobre os Juros sobre
Capital Próprio (JCP) estarão em outro projeto, ainda não definido.
É improvável chegar a uma economia de R$ 15
bilhões apenas com a inclusão do Pé-de-Meia no piso constitucional da Educação
e mudanças no seguro-defeso, pago a pescadores no período da piracema, e no
Atestmed, sistema que garante a concessão de auxílio-doença sem a necessidade
de perícia presencial. Tampouco parece crível esperar arrecadar R$ 8,3 bilhões
com a tributação de bets, fintechs e JCP quando ainda nem há uma estratégia
para aprová-las.
O que há de mais concreto é o limite para uso de créditos tributários pelas empresas para compensar o pagamento de impostos, que deve render R$ 10 bilhões e já foi negociado com o setor. Como os deputados vão receber essas propostas é uma incógnita, mas o importante para o governo é manter o embate com os parlamentares e garantir que o Orçamento funcione no papel, para não ter de alterar a meta fiscal. Que o eleitor não se deixe enganar: nem o governo nem a Câmara estão realmente preocupados com as contas públicas.
Violência escolar: matéria em que o Brasil é
reprovado
Por Correio Braziliense
Os desafios se interseccionam e um debate
aberto precisa ser feito, instigando a participação da sociedade
Um episódio dentro de uma escola no Distrito
Federal, na segunda-feira passada, chamou a atenção do país. O pai de uma aluna
foi ao Centro Educacional 4 do Guará e, descontrolado, atingiu um professor com
socos. A filha do agressor teria dito ao seu responsável que o docente estava
proferindo xingamentos contra ela — motivo apontado para o ataque. O caso
acabou na polícia e, durante as investigações, outros estudantes teriam dito, em
depoimento, que essa postura do educador era comum. A Corregedoria da
Secretaria de Educação do DF entrou na história para averiguar a conduta do
professor. Desfecho à parte, o fato evidencia um grave problema que se arrasta
sem solução no Brasil: a violência escolar.
Há décadas, essas ocorrências são registradas
e, mais recentemente, transformaram-se em um fenômeno social preocupante.
Segundo o Sistema de Informações de Agravos e Notificações (Sinan/SUS), que
monitora esse tipo de atendimento nos serviços de saúde pública e privada,
houve 60.985 vítimas de violência interpessoal em instituições de ensino de
2013 a 2023.
Por sua vez, o Ministério de Direitos Humanos
e Cidadania aponta que, em 2013, foram 3.771 registros de violência
interpessoal no âmbito escolar, número que subiu para 13.117 em 2023, revelando
um pico significativo pós-pandemia de covid-19.
Já os dados organizados no relatório Ataques
de violência extrema em escolas no Brasil (2025) indicam que, entre 2001 e
2024, foram registradas 42 agressões desse tipo no país. O levantamento apresenta
um recorte que assusta: os casos se concentram em um período curto, também após
a crise sanitária. Dos episódios, 64% ocorreram de 2022 a 2024.
A escalada revelada em pesquisas torna
urgente a discussão sobre o tema. Estudantes, professores, demais membros da
comunidade educacional e a sociedade como um todo não podem seguir cercados por
esse cenário de violências que vem sufocando um ambiente que deveria oferecer
segurança e respeito mútuo.
A banalização das agressões físicas e
verbais, incluindo a prática de bullying, precisa ser combatida — e, muitas
vezes, a tentativa de solução apenas a partir dos envolvidos não é eficaz.
Arrancar as raízes sociais que sustentam a violência escolar exige um esforço
amplo de ações, além de conscientização. A escassez de políticas para melhorar
a convivência no espaço das instituições, assim como no entorno delas, e a
precarização geral do ensino são pontos fundamentais a serem resolvidos.
Está claro que diversas condições colaboram
para o avanço desse cenário perturbador, o que, consequentemente, escancara a
necessidade de uma articulação entre educação, saúde, assistência social e
Judiciário. A garantia de que as iniciativas sejam contínuas também é
fundamental.
O desenvolvimento do país depende de uma transformação estrutural do ensino e que, sem dúvida, atravessa a questão da violência escolar. Não se pode relativizar esse quadro. Discursos não resolvem o problema, muito menos propostas fáceis e rápidas. Os desafios se interseccionam, e um debate aberto precisa ser feito, instigando a participação da sociedade. A escola tem função social multifacetada, que vai além da instrução acadêmica. O Brasil não pode mais permitir que a violência siga presente nas salas de aula, prejudicando o presente e comprometendo o futuro.
As incertezas do STF
Por O Povo (CE)
Isolado na 1ª turma do Supremo Tribunal
Federal, Luiz Fux decidiu pedir mudança de colegiado, passando para a 2ª turma,
no que foi prontamente atendido por Edson Fachin, novo presidente do STF. A
transferência, que deveria estar sendo lida apenas como ato corriqueiro e
burocrático na corte, embute preocupações de ordem jurídica e política.
O motivo para a alteração se assenta, por
exemplo, na esteira do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, para cuja
soltura Fux votou favoravelmente. Ou seja, o magistrado restou solitário no seu
entendimento de que o 8 de janeiro de 2023 foi tudo, menos uma tentativa de
golpe de Estado deflagrada por influência do ex-mandatário.
Tiveram compreensão oposta os demais
integrantes da turma, a saber, Flávio Dino, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e o
relator, Alexandre de Moraes, fechando placar de 4 votos a 1 pela condenação do
primeiro núcleo de réus da ação penal, do qual Bolsonaro era parte.
Para Moraes, de quem Fux divergiu
sistematicamente no curso das discussões, trata-se de fato de uma organização
criminosa liderada pelo então chefe do Executivo com o objetivo de embaraçar o
processo eleitoral, impedindo a posse do presidente eleito mediante recursos de
força.
No período que se seguiu ao início do
julgamento, Fux acumulou episódios de desgaste com seus colegas de toga, a
ponto de solicitar que, durante a leitura do seu voto, jamais fosse
interrompido. E assim o país esteve por longas 12 horas entretido com a voz
monocórdia do juiz, entregue à narração pormenorizada de um arrazoado caudaloso
cujo resumo era basicamente este: o 8/1 foi obra de arruaceiros descoordenados
ou coisa de aposentados serelepes.
O argumento não comoveu os demais membros da
1ª turma, que se manifestaram pela responsabilização de Bolsonaro e de outros sete
réus. Na sessão seguinte, os magistrados se revezaram num desagravo a Moraes,
reafirmando a consistência da tese do relator. Resultado: o ex-capitão do
Exército foi sentenciado a quase 30 anos de prisão em regime fechado.
A permanência de Fux no colegiado era vista
como insustentável. Afinal, o clima azedara. Mais importante: como havia
alinhamento entre o quarteto, sua posição estava não só minoritária, mas
francamente ilhada sob ângulo político, uma variável que, embora não admitida,
está presente em qualquer julgamento no Supremo.
A ida do ministro para a 2ª turma pretende
cumprir duas finalidades, portanto. Uma é reequilibrar os colegiados, com a
formação de eventual maioria ao lado de Nunes Marques e André Mendonça. Outra é
recuperar protagonismo para Fux, que espera figurar como um fiel da balança nos
embates entre o bloco de indicados por Bolsonaro e o outro, constituído por
Gilmar Mendes e Dias Toffoli.
Se e quando pender para um ou para outro lado, tenderá a fazer diferença. O aspecto negativo disso é o risco de uma espécie de transposição da polarização eleitoral para o âmbito do STF, que poderia comprometer o funcionamento da corte. Esse é o cenário que a instituição tem de evitar.

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