terça-feira, 28 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Voto de confiança em Milei é recado para toda a América Latina

Por O Globo

Apoio ao programa de ajuste fiscal mostra eleitor consciente de que déficit não deve ser tratado com leniência

Argentina não pode desperdiçar a oportunidade que seus eleitores deram ao presidente Javier Milei nas eleições do último domingo. O resultado foi um voto de confiança renovado no programa de ajuste fiscal — ambicioso e doloroso, mas necessário — de Milei. Seu êxito não apenas encerraria a sucessão de ciclos de incúria fiscal que amaldiçoa os argentinos, mas também serviria de exemplo a toda a América Latina, em especial ao Brasil, onde déficits públicos têm sido tratados com leniência, alimentando o endividamento de modo irresponsável e pondo em risco qualquer perspectiva de crescimento sustentado e desenvolvimento duradouro.

Contra as projeções e a opinião de analistas, o partido de Milei, A Liberdade Avança (LLA), obteve 41% dos votos, nove pontos à frente do bloco peronista e kirchnerista — chegou em primeiro mesmo em redutos peronistas como a Província de Buenos Aires. Com isso, Milei passará a contar com 93 dos 257 deputados e 19 dos 72 senadores. É o suficiente para barrar propostas de gastos, tentativas de suspender decretos ou mesmo pedidos de impeachment, embora reformas trabalhista ou tributária ainda exijam negociações. A valorização recorde dos títulos da dívida argentina sugere que a crise pré-eleitoral ficou para trás.

Em setembro, o cenário era outro. Os peronistas venceram por mais de 14 pontos eleições locais na Província de Buenos Aires, despertando o temor de que as legislativas sepultariam o plano de estabilização. Parte ponderável do pessimismo se deveu aos escândalos de corrupção envolvendo Milei e sua irmã e braço direito, Karina — acusações que ainda merecem investigação e punição rigorosa. Diante do noticiário negativo, nem o programa de socorro do Fundo Monetário Internacional bastou para conter a fúria do mercado contra o peso. Foi necessário que Milei obtivesse US$ 20 bilhões com seu aliado ideológico Donald Trump, além da promessa de mais US$ 20 bilhões do setor privado americano.

Milei chegou ao poder em dezembro de 2023 com inflação anual de 211% e recessão de mais de 1,5%. Desregulamentou mercados e enxugou a máquina estatal, fechando repartições e demitindo milhares de servidores. O déficit fiscal de 4,4% do PIB há dois anos foi reduzido a praticamente zero. Os resultados não demoraram a aparecer. A inflação no mês passado foi de 2,1% e, nos últimos 12 meses, 31,8%. A economia voltou a crescer, e os índices de pobreza refluíram. O desemprego caiu de 7,9% para 7,6% do primeiro para o segundo trimestre deste ano.

Os obstáculos diante de Milei não são triviais. As denúncias de corrupção continuarão a assombrá-lo, e a dependência de Trump é uma fragilidade. Mais que tudo, será essencial articular maioria sólida no Congresso. A perspectiva política que se desenha agora, contudo, é bem mais otimista. “O governo entendeu que convém ampliar sua coalizão”, afirmou o cientista político Andrés Malamud, da Universidade de Lisboa, ao La Nación.“Seu partido agora detém o capital político necessário para acelerar as reformas estruturais”, disse à Bloomberg Alejo Czerwonko, diretor do UBS Global Wealth Management. Ao dar nova chance a Milei, o eleitor demonstra entender a relevância do ajuste fiscal. E prova que a democracia é o melhor caminho para resolver os dilemas. São recados que valem para toda a América Latina — inclusive o Brasil.

Com maioria favorável ao nepotismo, STF incentiva o patrimonialismo

Por O Globo 

Rapidamente secretarias estaduais, municipais e ministérios virarão feudos da família de políticos

É lamentável que o Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição, esteja prestes a referendar uma das práticas mais nefastas da administração pública brasileira: a nomeação de parentes. A Corte formou maioria para autorizá-la em cargos de natureza política no Executivo. Significa que será possível nomear cônjuges ou parentes até terceiro grau para funções como ministros de Estado, secretários estaduais ou municipais — é o nepotismo com chancela do STF.

Pela tese em discussão, a permissão só valerá caso sejam preenchidos requisitos de qualificação técnica e idoneidade moral. Continuarão vedadas nomeações para cargos de comissão, postos técnicos ou a troca de favores em que autoridades nomeiam parentes umas das outras. “Não é uma carta de alforria”, disse o ministro Luiz Fux, relator do processo. Mas a ressalva não torna a decisão mais tolerável. O mínimo a exigir do escolhido para qualquer função pública é competência e ficha limpa na Justiça. É justamente nas nomeações de caráter político — para ministérios e secretarias — que o nepotismo precisa ser vedado, já que, nessas funções de confiança, formação e conhecimento técnico não são os requisitos decisivos. E, embora confiança e afinidade sejam imprescindíveis em cargos políticos, é ridículo argumentar que apenas parentes sejam confiáveis e não haja outros quadros qualificados.

A nomeação de parentes tem sido prática corriqueira. Em pelo menos 29 de 154 municípios brasileiros com mais de 200 mil habitantes, prefeitos empregavam familiares — na maioria, o próprio cônjuge —, de acordo com levantamento do GLOBO. Tribunais de Contas estaduais viraram abrigo para parentes de políticos, com cargos vitalícios, bem remunerados e repletos de mordomias. Ainda que os beneficiados sejam capacitados e tenham ficha limpa, o parentesco deveria impedir que pleiteassem vagas. Apesar da afronta aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, o entendimento do STF estipula que tais nomeações não ferem a Súmula Vinculante nº 13, que regula o nepotismo.

O caso analisado agora diz respeito a uma lei de Tupã (SP) permitindo nomear parentes de autoridades como secretário municipal. O julgamento não terminou — portanto, os votos ainda podem mudar. Acompanharam Fux os ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Apenas Flávio Dino divergiu, entendendo que não deveria haver exceções. Faltam votar Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e o presidente do STF, Edson Fachin.

Ainda há tempo de os ministros reverem suas posições. As normas sobre nepotismo deveriam valer para todos. Não importa se o cargo tem natureza política. O Brasil está cheio de quadros qualificados que poderiam dar enorme contribuição ao serviço público, mas que lamentavelmente acabam alijados. Se o STF der aval ao nepotismo, rapidamente secretarias estaduais, municipais e ministérios virarão feudos da família dos políticos. Ganha o velho patrimonialismo, com o interesse público atropelado pelo pessoal.

Milei precisa aproveitar o voto de confiança dos argentinos

Por Folha de S. Paulo

Mandatário tem pela frente desafios enormes na economia, que não autorizam ufanismo nem prepotência

Inflação, que superou 200% em 2023, deve ficar abaixo de 30% em 2025, mas muito do sucesso se deve à valorização insustentável do peso

Quando sua coalizão perdeu por larga margem as eleições da província de Buenos Aires, em setembro, o argentino Javier Milei teve uma atitude que o diferenciou de seus parceiros de direita populista Donald Trump e Jair Bolsonaro (PL). Em vez de vociferar contra fraudes imaginárias nas urnas, ele reconheceu a "clara derrota" e prometeu "corrigir erros políticos".

Milei também fará bem se não se deixar levar por mais ufanismo e prepotência com a vitória um tanto surpreendente no pleito legislativo nacional de domingo (26). Mesmo com o triunfo, o mandatário, dado a desqualificar a oposição e querer atropelar o Parlamento, está longe de uma posição confortável no governo.

Seu partido, A Liberdade Avança (LLA), continuará dependente da aliança com o centro-direitista PRO, do ex-presidente Mauricio Macri, para dispor de cerca de 40% das cadeiras somadas na Câmara dos Deputados e no Senado, uma condição básica de governabilidade. As dificílimas reformas pela frente, porém, exigem mais do que isso.

O prestígio do presidente que se intitula um libertário foi abalado por um escândalo de corrupção que envolve sua irmã e seu advogado. O comparecimento dos eleitores no domingo, abaixo dos 70%, foi o menor desde a redemocratização do país, em 1983.

Na economia, principal campo de batalha de Milei, a Argentina ainda lida com deficiências severas que o Brasil superou nos anos 1990: risco de explosão inflacionária, taxas de câmbio artificialmente controladas pelo governo e incapacidade de pagar dívidas com o mercado externo.

Desde o ano passado, a população padece com doses cavalares de ajustes, sobretudo nas despesas públicas, para reverter a herança desastrosa deixada pelo populismo da esquerda peronista. O remédio amargo, ao menos, trouxe melhorias palpáveis.

Depois de uma previsível recessão, a renda nacional voltou a crescer, embora em ritmo incerto, e a pobreza caiu. A inflação, que superou 200% em 2023, deve fechar este 2025 abaixo de 30%.

Muito do sucesso no controle da carestia, entretanto, está associado à sobrevalorização do peso argentino ante o dólar, que barateia as importações —e, como ensinaram por aqui os primeiros anos do Plano Real, essa estratégia não pode ser mantida por prazo indeterminado.

Com mais compras e menos vendas no comércio internacional, agrava-se a crônica escassez de dólares no país, que tem de recorrer a juros exorbitantes para atrair capital externo. A situação só não é pior devido à ajuda financeira propiciada pelo aliado Trump e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Na metade que resta de seu mandato, Milei será pressionado, pelos credores e pelas circunstâncias, a abandonar o controle artificial da moeda, com riscos para a inflação e sua força política. Até por falta de opções, os argentinos avalizaram a continuidade das reformas liberais.

Todos devem pagar pela preservação da Amazônia

Por Folha de S. Paulo

Incentivo financeiro para reflorestamento no agro é necessário para conter aquecimento global

Medida enfrenta tensão mundial, e gestã petista precisa demonstrar que é capaz de alocar recursos de forma técnica e responsável

Para conter o aquecimento global, a humanidade precisa substituir os métodos que usa para gerar energia —da queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) para os modelos solar, eólico, hidrelétrico, de biomassa e nuclear.

Mas, como tal mudança tecnológica exige uma enorme e custosa adaptação estrutural, trata-se de medida de longo prazo. Deve-se aliá-la a iniciativas que contribuem de forma mais ágil para arrefecer a mudança climática, enquanto o mundo não alcança a plenitude em energia limpa.

Uma delas é o sistema de incentivo financeiro para captura natural de carbono —um fazendeiro, por exemplo, sendo pago por reflorestar uma área devastada, já que a vegetação absorve CO².

No Brasil, cujas emissões de CO² vêm majoritariamente do desmatamento e da agropecuária, essa medida é essencial tanto para preservar florestas e biodiversidade como para enfrentar o efeito estufa. Essencial não só no âmbito doméstico, mas global.

É o que afirma o economista americano Lars Peter Hansen, em entrevista à Folha. Prêmio Nobel de Economia de 2013, ele é coautor de um estudo que revela que o pagamento de US$ 25 (R$ 135) por tonelada de carbono capturado seria economicamente competitivo no Brasil para incentivar fazendeiros a trocar a pecuária pelo reflorestamento.

Segundo Hansen, trata-se de um custo baixo em relação ao do mercado europeu, de cerca de US$ 75 (R$ 405) por tonelada, e menor ainda quando se consideram os impactos da mudança climática. O tema será discutido na COP30, em Belém —Alexandre Scheinkman, um dos autores da pesquisa, é conselheiro da Cúpula do Clima deste ano.

Há grandes desafios, porém. Num mundo imerso em protecionismos e disputas comerciais, incitados sobretudo pelo presidente da nação mais rica do planeta, Donald Trump, acordos nesse sentido parecem improváveis.

Ademais, não basta convencer outros países de que é imperativo apoiar o reflorestamento na amazônia. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa demonstrar que é capaz de alocar recursos de forma técnica, segura e responsável e de promover articulação com agentes da política e do agronegócio sobre o tema.

Na gestão petista, houve redução no desmatamento, de 41,3% entre 2022 e 2024, ante o salto sob Jair Bolsonaro (PL), de 73,4% de 2019 a 2022. Até agora, contudo, apesar do discurso ambientalista, Lula não apresentou um plano robusto e factível para adaptação aos efeitos do aquecimento global, nem para contê-los.

Trump abre espaço para reduzir tarifas do Brasil

Por Valor Econômico

Mas há um longo caminho a percorrer e dificuldades a superar para que o Brasil consiga diminuir barreiras americanas injustificáveis

O presidente Donald Trump abriu espaço para negociar com o Brasil as mais altas tarifas que impôs de todos os países com os quais os Estados Unidos comerciam (ao lado da Índia), 85 dias após taxar em 50% os produtos brasileiros. Em reunião com o presidente Lula em Kuala Lumpur, na Malásia, houve um acordo para que as negociações para a redução das barreiras protecionistas começassem imediatamente. “Foi surpreendentemente boa a reunião que eu tive com Trump. Se depender do Trump e de mim, vai ter acordo”, disse Lula, em sua primeira entrevista após o encontro. Apesar de encontros com autoridades americanas, sempre protelatórios, o início de um entendimento estava travado por falta de autorização do presidente americano ontem. Este primeiro obstáculo caiu no domingo, mas há um longo caminho a percorrer e dificuldades a superar para que o Brasil consiga diminuir barreiras americanas injustificáveis.

O encontro dos dois presidentes marcou um clima radicalmente diferente do de três meses atrás, quando representantes dos EUA faziam questão de ressaltar que a taxação sobre o Brasil tinha motivos políticos porque o país fazia uma perseguição política ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Bolsonaro deixou de fazer parte das conversas bilaterais e ao que tudo indica o assunto tornou-se página virada. As exigências de mudanças de atitude do STF em relação a ele foram deixadas de lado após sua condenação, à qual os EUA não reagiram com a virulência que se previa diante das atitudes políticas tão incisivas em sua defesa. Trump nada tem a ganhar com o apoio intransigente a um ex-presidente golpista derrotado nas urnas e muito a perder com relações interrompidas com a maior economia da América Latina.

O presidente Lula, por seu lado, mesmo após bravatas para valorizar o presente eleitoral que os Bolsonaro lhe deram ao pedir sanções econômicas contra o próprio país, deixou o terreno retórico, manteve-se firme na defesa da soberania nacional onde isso era necessário (contra a interferência externa nas instituições do país) e ateve-se ao terreno comercial. A via das negociações foi então aberta.

Trump, por seu lado, ensaia revisões pragmáticas após a primeira fase dura da imposição de tarifas. Um par de meses pode ter sido suficiente não para ele abdicar das tarifas — realmente acredita que elas são capazes de ressuscitar a indústria americana e lhe dar recursos fiscais para reduzir o déficit público —, mas para calibrá-las em função da pressão de preços sobre os consumidores americanos, que está crescendo.

No mesmo périplo para a reunião da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), no qual reuniu-se com o presidente Lula, Trump celebrou acordos para isentar vários produtos tarifados (19%) da Tailândia, Malásia e Camboja, e do Vietnã (20%). Esse grupo de países exporta quase tanto quanto a China para os EUA e eles são grandes produtores de vestuário, alimentos e produtos eletrônicos, que têm elevado o índice de preços ao consumidor para 3%, distanciando-se da meta do Federal Reserve, o banco central americano.

No mesmo sentido, para Trump tem razão a reaproximação comercial com o Brasil. Primeiro, porque é um dos poucos países com os quais os EUA têm superávit comercial. No ano, o saldo favorável aos EUA foi de US$ 5,1 bilhões. Em serviços, sua vantagem é ainda maior, com saldo de US$ 16,5 bilhões no primeiro semestre do ano, segundo o US Census Bureau. O superávit total americano em 2025 já é superior a US$ 21,5 bilhões e o do ano passado atingiu US$ 23,1 bilhões.

Além disso, o Brasil é o maior fornecedor mundial de carnes e café, produtos para os quais os EUA não têm substitutos à altura para suprir as quantidades que consomem. Após a imposição das barreiras, as exportações brasileiras dos dois produtos não caíram, apenas foram pousar em outros mercados. Já os preços das duas commodities dispararam no mercado americano.

Em troca da retirada seletiva de tarifas, os EUA querem vantagens. Com os países asiáticos, obteve eliminação de tarifas para produtos americanos e exploração e fornecimento de minerais estratégicos. Os EUA podem seguir a mesma rota com o Brasil, propondo parcerias para sua exploração, além de pedir espaço livre para o etanol, taxado aqui em 20%. Há impasse à vista na discussão sobre as redes sociais — as big techs dão sólido apoio a Trump, que tem sido seu porta-voz para tentar impedir qualquer regulação que as atinja ou venham a coibir sua vocação monopolista.

É um ponto o qual o Brasil não pode ceder, embora não haja certeza de que os EUA tampouco condicionem toda a negociação a um acordo sobre este ponto. Trump não fez isso com a União Europeia e pode ter a mesma atitude com o Brasil. O ajuste fino das tarifas por Trump, que atende seus interesses, permite que o Brasil retire parte da sobrecarga tarifária de suas costas no curto prazo. Trump disse que “eles (o Brasil) podem oferecer muito e nós também”, antes da reunião com Lula. Há espaço para entendimento.

O diálogo de Lula e Trump

Por O Estado de S. Paulo

Como resultado da persistência da diplomacia brasileira, Lula estabelece canal direto com Trump e, a despeito das diferenças ideológicas, abre caminho para discutir as sanções contra o Brasil

É uma incógnita se o encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump vai de fato resultar no fim do tarifaço imposto pelos Estados Unidos aos produtos brasileiros, mas o petista, sem dúvida alguma, já tem muito a comemorar.

A tal “química” que Trump mencionou ao encontrar Lula na Assembleia-Geral da ONU, no fim de setembro, e o telefonema de 30 minutos entre os dois chefes de Estado, no início de outubro, evoluíram para uma reunião bilateral de quase uma hora em Kuala Lumpur, da qual participaram equipes de alto nível de ambos os países e na qual o ex-presidente Jair Bolsonaro – cujo julgamento foi o principal pretexto para a adoção de sanções dos EUA contra o Brasil – foi apenas lateralmente mencionado.

De concreto, Lula estabeleceu um canal de diálogo direto com Trump, mérito da diplomacia profissional brasileira, que há meses trabalha com afinco e discrição para reaproximar Brasil e EUA. Já é muita coisa, haja vista o nível de deterioração em que estavam as relações diplomáticas entre os dois países.

Até o último minuto, havia muita tensão sobre em que termos essa reunião se daria e uma certa ansiedade por parte de Lula para que ela se iniciasse de uma vez. Era a chance que o presidente brasileiro queria para dizer diretamente a Trump, olho no olho, que os motivos alegados para punir o Brasil não encontram respaldo na realidade – sobretudo um inexistente déficit comercial dos EUA com o Brasil. Se funcionou, só o tempo irá dizer.

Os registros do encontro entre os dois chefes de Estado, com direito a sorrisos e apertos de mão, evidenciam o clima amistoso no qual o diálogo foi travado. Não se falou apenas de comércio. Lula fez questão de dizer que Bolsonaro teve direito a um julgamento justo, de forma que as sanções aplicadas a autoridades brasileiras eram desarrazoadas.

Trump, por outro lado, demonstrou interesse genuíno na história pessoal de Lula, inclusive sobre o período de 580 dias em que ficou preso. O republicano, que se diz perseguido pelo sistema norte-americano, teria usado o mesmo termo para se referir a Lula, segundo autoridades brasileiras. Trump deu também parabéns ao petista, que completou 80 anos nesta semana, e elogiou seu vigor a repórteres que o acompanhavam no avião oficial da presidência dos EUA.

Bem se sabe que Trump é impetuoso e que toda a boa vontade que demonstrou pode se esvair de uma hora para outra. No fim de semana, ele anunciou o aumento de 10% nas tarifas sobre produtos canadenses, porque se irritou com uma campanha publicitária da província de Ontário que usou trechos de um discurso no qual o ex-presidente Ronald Reagan reconhece os efeitos negativos da imposição de taxas de importação sobre os trabalhadores e a economia dos EUA.

Dito isso, Lula e o governo brasileiro devem continuar na mesa de diálogo com espírito aberto, a despeito das diferenças abissais entre Trump e Lula. As negociações entre as comitivas brasileira e norte-americana já começaram, mas devem durar algumas semanas. Não se sabe o que os EUA pretendem exigir do Brasil em troca da retirada das tarifas, embora se imagine: há uma evidente preocupação dos norte-americanos com a influência da China, atualmente o maior parceiro comercial brasileiro. Mas, historicamente, a diplomacia brasileira tem sabido conduzir a política externa com pragmatismo, equidistância e independência.

Até agora, Lula jogou bem e praticamente parado. De um lado, não precisou ir até o Salão Oval da Casa Branca e arriscar ser humilhado perante o mundo. De outro, sua atitude rendeu frutos internamente, com a recuperação de parte da popularidade que havia perdido.

Na hipótese de tudo dar errado, Lula não poderá mais ser acusado de não ter feito nada para reverter as tarifas; se as negociações derem resultado, terá sido mérito pessoal dele. A postura descontraída do petista na entrevista coletiva concedida após a reunião diz tudo. Enquanto isso, a oposição parece mais perdida do que nunca.

Argentinos votam contra o retrocesso

Por O Estado de S. Paulo

Vitória de Milei nas urnas é excelente notícia: significa que o eleitorado argentino, ainda que descontente com o duro ajuste, rejeita a volta da irresponsabilidade peronista

A Argentina acaba de dar ao presidente Javier Milei uma vitória robusta e surpreendente. As eleições legislativas de meio de mandato confirmaram o governo como a principal força política do país e selaram a derrocada do peronismo, hoje sem liderança, sem narrativa e – ao menos a curto prazo – sem futuro. O eleitorado, cansado de ilusões e de crises recorrentes, transformou o pleito num referendo em favor do ajuste e da responsabilidade – e isso é uma excelente notícia, num continente habituado a se render facilmente à ilusão do populismo irresponsável de esquerda. A Argentina parece finalmente disposta a abandonar o ciclo de populismo e autoengano que a reduziu de potência agrícola a caso clínico de disfunção econômica.

O novo mandato é, antes de tudo, um voto de confiança na coragem. Milei impôs ao país uma terapia de choque: cortes drásticos de gastos, desregulação em larga escala, redução de subsídios e um esforço inédito de consolidação fiscal. A inflação desabou de patamares de 13% ao mês para pouco mais de 2%, o déficit virou superávit e o país, enfim, reencontrou algum equilíbrio. O eleitor reconheceu a honestidade do governo em dizer a verdade e assumir o custo político de um ajuste que muitos preferiram adiar.

Mas a lição do êxito fiscal é também um alerta. O ajuste funcionou porque foi rápido e duro – e porque o governo resistiu às tentações da “heterodoxia gradualista” que desmoralizou administrações anteriores. Agora, porém, é preciso completar o tripé: liberalizar o câmbio, reconstruir reservas e atrair investimento. O peso sobrevalorizado, mantido como âncora para conter preços, já asfixia exportações, alimenta importações e corrói a competitividade. O balão de oxigênio da Casa Branca, com uma linha de swap de US$ 20 bilhões, comprou tempo, não credibilidade. Sem uma flutuação limpa e um regime monetário previsível, a história argentina tende a se repetir.

A tarefa é dupla. Exige coragem econômica e maturidade política. Coragem para desmontar as últimas amarras cambiais e permitir que o mercado defina o valor da moeda, ancorando expectativas num sistema transparente de metas de inflação e acumulação de reservas. Maturidade para transformar a disciplina fiscal em política de Estado, institucionalizar regras de responsabilidade e negociar, com governadores e o centro reformista, as reformas estruturais que faltam: a tributária, a previdenciária e a trabalhista, e o programa de privatizações com marcos regulatórios claros e estáveis.

A Argentina tem, pela primeira vez em décadas, a chance de converter-se de laboratório das piores práticas estatistas em vitrine das melhores políticas liberais. O mundo observa se o país conseguirá consolidar uma nova era de racionalidade fiscal e monetária, capaz de sustentar crescimento, produtividade e redução da pobreza. Investidores e parceiros só voltarão a apostar de verdade quando virem as reformas convertidas em lei e o câmbio livre de manipulações.

Buenos Aires pode aprender com Brasília do final dos anos 1990 – a coragem de flutuar a moeda, estabelecer metas e consolidar o tripé macroeconômico. Mas o Brasil também tem algo a aprender com a Argentina: é possível vencer eleições dizendo verdades duras e governar sem disfarçar as contas. O populismo assistencialista concentra poder político, mas mina o crescimento econômico. O vizinho que ousou ajustar o Estado prova que adiar reformas só torna o remédio mais amargo.

Nada garante que Milei conseguirá sustentar sua revolução. As tentações do atalho – controlar o câmbio, governar por decreto, ceder à retórica de confronto – continuam presentes. O governo precisará substituir o impulso messiânico pela engenharia paciente das coalizões e a reconstrução institucional que o país ainda deve a si mesmo.

Os argentinos concederam a Milei uma segunda chance – e talvez a última – de quebrar a espiral de crises que marcou quase um século de populismo. Se usar o capital político para liberalizar de vez a economia e consolidar um pacto reformista, poderá colocar a Argentina, enfim, no caminho da normalidade e do crescimento sustentado. Caso contrário, o “milagre” voltará a ser mais um parêntese na longa sucessão de promessas fracassadas.

A ‘uberização’ se consolida

Por O Estado de S. Paulo

Brasil terá de encontrar um meio de garantir direitos mínimos sem tolher o dinamismo do mercado

A chamada “uberização”, isto é, o trabalho por meio de aplicativos, cresceu 25,4% no Brasil, numa clara demonstração de força da revolução tecnológica promovida pelos aplicativos de serviços e pelas plataformas digitais. Dados da pesquisa Trabalho por meio de Plataformas Digitais, do IBGE, mostram que o total de trabalhadores nessa modalidade saltou de 1,3 milhão em 2022 para 1,7 milhão em apenas dois anos.

Tal cenário mostra a consolidação desse mercado, o que deve elevar a pressão por regulação das relações de trabalho. Os nostálgicos do tempo em que trabalho era sinônimo de carteira assinada – sobretudo os sindicatos, que ora mínguam – decerto elevarão a pressão por uma regulamentação rígida e ampla de direitos para esses trabalhadores, desconsiderando as características particulares do modelo. Contudo, uma parte significativa dos próprios trabalhadores, em muitos casos, prefere uma solução intermediária, porque teme que o estabelecimento de direitos além do básico (seguro contra acidentes e remuneração mínima por hora, por exemplo) possa se converter em redução de oportunidades.

O fato incontornável, contudo, é que esse mercado se expande de forma veloz e constante justamente porque proporciona aos trabalhadores uma liberdade de que não disporiam se estivessem sob contrato regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Além disso, os ganhos de remuneração imediatos são maiores, porque não há os descontos em folha de pagamento que se verificam para os trabalhadores com carteira assinada.

Por outro lado, esses trabalhadores, na maior parte dos casos, não têm quase nenhum direito, como remuneração mínima, limite de horas ou proteção contra acidentes ou contra condições de trabalho degradantes. Esse é um dos grandes desafios do nosso tempo: conciliar o dinamismo econômico proporcionado pela tecnologia com a construção de uma rede de proteção mínima aos trabalhadores. O mundo está debruçado sobre isso há anos, sem que haja ainda um modelo que se possa considerar plenamente satisfatório e que seja replicável em diferentes realidades nacionais.

Em paralelo, há o desafio de sustentação da Previdência, pois os trabalhadores por aplicativo não são obrigados a contribuir. Trata-se de um problema particularmente grave, no momento em que cada vez mais brasileiros recebem aposentadoria e cada vez menos – sobretudo os mais jovens, maioria absoluta dos trabalhadores por aplicativos – contribuem com a Previdência.

Diante desse quadro, justifica-se todo o debate em torno da regulamentação do trabalho por aplicativo, mas roga-se que o mundo político evite as tradicionais soluções demagógicas, que parecem favorecer os trabalhadores, mas que no final das contas colaboram para prejudicá-los. Não parece ser por acaso que muitos desses trabalhadores sejam especialmente críticos à tutela do Estado sobre sua atividade. Para eles, e para este jornal, Estado bom é aquele que não atrapalha.

Direitos indígenas das florestas às cidades

Por Correio Braziliense

Historicamente, a inércia dos sucessivos governos é um dos fatores que emergem como estímulo às violências praticada

Apesar dos vários fatores que violentam os direitos dos povos originários desde o período colonial, o Censo Demográfico divulgado na última sexta-feira revela um aumento no número de povos e línguas indígenas no Brasil, na última década. Os dados mais recentes indicam que 391 povos indígenas residem no país, totalizando 1.694.836 pessoas e 295 idiomas. No Censo de 2010, os números eram, respectivamente, 305, 896.917 e 274. Não só o crescimento natural das populações, mas a mudança do modelo de coleta de dados feita pelo IBGE e a resistência dos indígenas ante à agressividade dos seus oponentes explicam os resultados obtidos agora.

As maiores populações são as dos povos Tikuna (74.061 pessoas), do Alto Solimões, no Amazonas; Kokama (64.327), no médio Solimões, no Amazonas; e Makuxi (54.446), na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Todos em territórios originais. O Censo também constatou que os povos indígenas não estão somente nas florestas. Chama a atenção o avanço em áreas urbanas: de 324.834 pessoas em 2010 para 844.760 pessoas em 2022. São Paulo é a unidade da Federação com o maior número de etnias, 271. Na sequência, estão Amazonas (259) e Bahia (233). Brasília abriga 167 comunidades e Minas Gerais, 208.

No passado, líderes alegavam que ir para as cidades era importante para entender os "homens brancos" e, assim, aprender a se defender de eventuais agressões. Hoje, a vida nos centros urbanos tem outros objetivos, como se aproximar das unidades de ensino e de saúde, sem necessariamente abandonar a terra de origem. A nova configuração detalhada pelo IBGE evidencia, portanto, que a obrigação do Estado de proteger os povos originários tem uma complexidade ainda maior.

Os ataques são diversos. Intitulada Terra do Meio: da Rio+20 à COP30, a série de reportagens produzida pela jornalista Cristina Ávila e publicada em quatro edições do Correio Braziliense revela o elenco de afrontas e violências a que estão submetidos os povos indígenas em uma área de preservação ambiental na Amazônia e no Pará, entre os rios Xingu e Iriri. Faltam iniciativas e políticas públicas que garantam segurança às populações originárias — realidade que se repete em outros cantos do país.

Historicamente, a inércia dos sucessivos governos é um dos fatores que emergem como estímulo às violências praticadas. As equipes de segurança são acionadas em situações críticas, como ocorreu no território Yanomami, em 2023. O episódio mobilizou as Forças Armadas, equipes de saúde, celebridades, especialistas, e forçou uma atenção especial do governo federal para evitar um genocídio em Roraima. Foi uma ação pontual diante episódio divulgado até no exterior. 

Os direitos constitucionais e humanos dos povos indígenas não somente deveriam ser respeitados durante fatos excepcionais em um Brasil que abriga conferências que tratam dos desafios da humanidade para garantir a vida no planeta. Como guardiões do patrimônio natural, eles têm papel relevante no embate contra o aquecimento climático.

 Os efeitos do encontro de Lula com Trump

Por O Povo (CE)

Aconteceu, enfim, o esperado e necessário encontro presencial entre os presidentes Donald Trump, dos Estados Unidos, e Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil. Os dois conversaram, por cerca de uma hora no último domingo, aproveitando visita de ambos à Malásia e pondo fim a um distanciamento que tem marcado as relações desde a volta de Trump à Casa Branca, em janeiro deste ano de 2025.

Claro que ainda há muito por fazer até que a crise seja dada por superada de maneira definitiva. Nenhuma das medidas punitivas comerciais e políticas impostas ao Brasil pelo Governo Trump, incluindo a aplicação da Lei Magnitsky contra autoridades e até familiares deles, até agora foi oficialmente revista ou anulada. Tudo segue em vigor e à espera de uma normalização nas relações que, hoje, até parece mais próxima.

Em verdade, sabe-se que discussões nesse nível obedecem a um tempo diferente, exigem conversas e tratativas até que resultados efetivos comecem a aparecer. Criar expectativas diferentes faz parte do jogo político, apenas, e é nesse contexto que serviram de animação para o debate das horas que se seguiram ao anúncio de que o encontro acontecera e à divulgação das primeiras imagens.

Importante mesmo é que representantes dos dois países já começaram as conversas como efeito direto do encontro entre Lula e Trump. De ambos os lados partem avaliações positivas em relação ao passo fundamental que se deu no domingo, mas, agora, é preciso que se avance no sentido de obter resultados concretos, superada a fase da inexistência de canais para o diálogo.

A crise é injustificável desde o seu surgimento e, à medida em que avançava, expunha facetas novas do momento crítico da realidade nacional. Parcela de segmentos políticos arrastaram com eles setores da própria sociedade num movimento autofágico que desconsiderou o interesse do próprio Brasil diante da perspectiva, vislumbrada por alguns, de criar dificuldades para um governo do qual se discorda.

Os acontecimentos do domingo, e seus desdobramentos do dia seguinte, indicam um momento que precisa ser aproveitado pela competente área diplomática brasileira. É justo que deixemos nossos diplomatas atuarem, agora, para reverter um quadro que até outro dia se demonstrava mais desfavorável pelo erro de deixarmos que sentimentos políticos prevalecessem.

É de importância menor que o episódio, no seu todo, provoque perdas ou ganhos para quem quer que seja. Trata-se de uma pauta necessária ao País, na perspectiva de seus interesses maiores, independente de colorações políticas ou partidárias, aspecto que desde o início deveria estar considerado no debate pelo lado brasileiro. São importantes os sinais de que isso parece, formalmente, que começa a nos mover. 

 

 

 

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