Voto de confiança em Milei é recado para toda a América Latina
Por O Globo
Apoio ao programa de ajuste fiscal mostra
eleitor consciente de que déficit não deve ser tratado com leniência
A Argentina não pode desperdiçar a oportunidade que seus eleitores deram ao presidente Javier Milei nas eleições do último domingo. O resultado foi um voto de confiança renovado no programa de ajuste fiscal — ambicioso e doloroso, mas necessário — de Milei. Seu êxito não apenas encerraria a sucessão de ciclos de incúria fiscal que amaldiçoa os argentinos, mas também serviria de exemplo a toda a América Latina, em especial ao Brasil, onde déficits públicos têm sido tratados com leniência, alimentando o endividamento de modo irresponsável e pondo em risco qualquer perspectiva de crescimento sustentado e desenvolvimento duradouro.
Contra as projeções e a opinião de analistas,
o partido de Milei, A Liberdade Avança (LLA), obteve 41% dos votos, nove pontos
à frente do bloco peronista e kirchnerista — chegou em primeiro mesmo em
redutos peronistas como a Província de Buenos Aires. Com isso, Milei passará a
contar com 93 dos 257 deputados e 19 dos 72 senadores. É o suficiente para
barrar propostas de gastos, tentativas de suspender decretos ou mesmo pedidos
de impeachment, embora reformas trabalhista ou tributária ainda exijam
negociações. A valorização recorde dos títulos da dívida argentina sugere que a
crise pré-eleitoral ficou para trás.
Em setembro, o cenário era outro. Os
peronistas venceram por mais de 14 pontos eleições locais na Província de
Buenos Aires, despertando o temor de que as legislativas sepultariam o plano de
estabilização. Parte ponderável do pessimismo se deveu aos escândalos de
corrupção envolvendo Milei e sua irmã e braço direito, Karina — acusações que
ainda merecem investigação e punição rigorosa. Diante do noticiário negativo,
nem o programa de socorro do Fundo Monetário Internacional bastou para conter a
fúria do mercado contra o peso. Foi necessário que Milei obtivesse US$ 20 bilhões
com seu aliado ideológico Donald Trump,
além da promessa de mais US$ 20 bilhões do setor privado americano.
Milei chegou ao poder em dezembro de 2023 com
inflação anual de 211% e recessão de mais de 1,5%. Desregulamentou mercados e
enxugou a máquina estatal, fechando repartições e demitindo milhares de
servidores. O déficit fiscal de 4,4% do PIB há dois anos foi reduzido a
praticamente zero. Os resultados não demoraram a aparecer. A inflação no mês
passado foi de 2,1% e, nos últimos 12 meses, 31,8%. A economia voltou a
crescer, e os índices de pobreza refluíram. O desemprego caiu de 7,9% para 7,6%
do primeiro para o segundo trimestre deste ano.
Os obstáculos diante de Milei não são
triviais. As denúncias de corrupção continuarão a assombrá-lo, e a dependência
de Trump é uma fragilidade. Mais que tudo, será essencial articular maioria
sólida no Congresso. A perspectiva política que se desenha agora, contudo, é
bem mais otimista. “O governo entendeu que convém ampliar sua coalizão”,
afirmou o cientista político Andrés Malamud, da Universidade de Lisboa, ao La
Nación.“Seu partido agora detém o capital político necessário para acelerar as
reformas estruturais”, disse à Bloomberg Alejo Czerwonko, diretor do UBS Global
Wealth Management. Ao dar nova chance a Milei, o eleitor demonstra entender a
relevância do ajuste fiscal. E prova que a democracia é o melhor caminho para
resolver os dilemas. São recados que valem para toda a América Latina —
inclusive o Brasil.
Com maioria favorável ao nepotismo, STF
incentiva o patrimonialismo
Por O Globo
Rapidamente secretarias estaduais, municipais e ministérios virarão feudos da família de políticos
É lamentável que o Supremo Tribunal Federal (STF),
guardião da Constituição, esteja prestes a referendar uma das práticas mais
nefastas da administração pública brasileira: a nomeação de parentes. A Corte
formou maioria para autorizá-la em cargos de natureza política no Executivo.
Significa que será possível nomear cônjuges ou parentes até terceiro grau para
funções como ministros de Estado, secretários estaduais ou municipais — é o
nepotismo com chancela do STF.
Pela tese em discussão, a permissão só valerá
caso sejam preenchidos requisitos de qualificação técnica e idoneidade moral.
Continuarão vedadas nomeações para cargos de comissão, postos técnicos ou a
troca de favores em que autoridades nomeiam parentes umas das outras. “Não é
uma carta de alforria”, disse o ministro Luiz Fux,
relator do processo. Mas a ressalva não torna a decisão mais tolerável. O
mínimo a exigir do escolhido para qualquer função pública é competência e ficha
limpa na Justiça. É justamente nas nomeações de caráter político — para
ministérios e secretarias — que o nepotismo precisa ser vedado, já que, nessas
funções de confiança, formação e conhecimento técnico não são os requisitos
decisivos. E, embora confiança e afinidade sejam imprescindíveis em cargos políticos,
é ridículo argumentar que apenas parentes sejam confiáveis e não haja outros
quadros qualificados.
A nomeação de parentes tem sido prática
corriqueira. Em pelo menos 29 de 154 municípios brasileiros com mais de 200 mil
habitantes, prefeitos empregavam familiares — na maioria, o próprio cônjuge —,
de acordo com levantamento do GLOBO. Tribunais de Contas estaduais viraram
abrigo para parentes de políticos, com cargos vitalícios, bem remunerados e
repletos de mordomias. Ainda que os beneficiados sejam capacitados e tenham ficha
limpa, o parentesco deveria impedir que pleiteassem vagas. Apesar da afronta
aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, o
entendimento do STF estipula que tais nomeações não ferem a Súmula Vinculante
nº 13, que regula o nepotismo.
O caso analisado agora diz respeito a uma lei
de Tupã (SP) permitindo nomear parentes de autoridades como secretário
municipal. O julgamento não terminou — portanto, os votos ainda podem mudar.
Acompanharam Fux os ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques, André Mendonça,
Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Apenas Flávio Dino divergiu,
entendendo que não deveria haver exceções. Faltam votar Cármen Lúcia, Gilmar
Mendes e o presidente do STF, Edson Fachin.
Ainda há tempo de os ministros reverem suas posições. As normas sobre nepotismo deveriam valer para todos. Não importa se o cargo tem natureza política. O Brasil está cheio de quadros qualificados que poderiam dar enorme contribuição ao serviço público, mas que lamentavelmente acabam alijados. Se o STF der aval ao nepotismo, rapidamente secretarias estaduais, municipais e ministérios virarão feudos da família dos políticos. Ganha o velho patrimonialismo, com o interesse público atropelado pelo pessoal.
Milei precisa aproveitar o voto de confiança
dos argentinos
Por Folha de S. Paulo
Mandatário tem pela frente desafios enormes
na economia, que não autorizam ufanismo nem prepotência
Inflação, que superou 200% em 2023, deve
ficar abaixo de 30% em 2025, mas muito do sucesso se deve à valorização
insustentável do peso
Quando sua
coalizão perdeu por larga margem as eleições da
província de Buenos Aires, em setembro, o argentino Javier Milei teve
uma atitude que o diferenciou de seus parceiros de direita populista Donald Trump e Jair
Bolsonaro (PL). Em vez de vociferar
contra fraudes imaginárias nas urnas, ele reconheceu a "clara
derrota" e prometeu "corrigir erros políticos".
Milei também fará bem se não se deixar levar
por mais ufanismo e prepotência com a vitória um
tanto surpreendente no pleito legislativo nacional de domingo
(26). Mesmo com o triunfo, o mandatário, dado a desqualificar a oposição e
querer atropelar o Parlamento, está longe de uma posição confortável no
governo.
Seu partido, A Liberdade Avança (LLA),
continuará dependente da aliança com o centro-direitista PRO, do ex-presidente
Mauricio Macri, para dispor de cerca de 40% das cadeiras somadas na Câmara dos
Deputados e no Senado, uma condição básica de governabilidade. As dificílimas
reformas pela frente, porém, exigem mais do que isso.
O prestígio do presidente que se intitula um
libertário foi abalado por
um escândalo de corrupção que envolve sua irmã e seu advogado.
O comparecimento dos eleitores no domingo, abaixo dos 70%, foi o menor desde a
redemocratização do país, em 1983.
Na economia, principal campo de batalha de
Milei, a Argentina ainda
lida com deficiências severas que o Brasil superou nos anos 1990: risco de
explosão inflacionária, taxas de câmbio artificialmente
controladas pelo governo e incapacidade de pagar dívidas com o mercado externo.
Desde o ano passado, a população padece com
doses cavalares de ajustes, sobretudo nas despesas públicas, para reverter a
herança desastrosa deixada pelo populismo da esquerda peronista. O remédio
amargo, ao menos, trouxe melhorias palpáveis.
Depois de uma previsível recessão, a renda
nacional voltou a crescer, embora em ritmo incerto, e a pobreza caiu. A
inflação, que superou 200% em 2023, deve fechar este 2025 abaixo de 30%.
Muito do sucesso no controle da carestia,
entretanto, está associado à sobrevalorização do peso argentino ante o dólar,
que barateia as importações —e, como ensinaram por aqui os primeiros anos do
Plano Real, essa estratégia não pode ser mantida por prazo indeterminado.
Com mais compras e menos vendas no comércio
internacional, agrava-se a crônica escassez de dólares no país, que tem de
recorrer a juros exorbitantes para atrair capital externo. A situação só não é
pior devido à ajuda financeira propiciada pelo aliado Trump e pelo Fundo
Monetário Internacional (FMI).
Na metade que resta de seu mandato, Milei
será pressionado, pelos credores e pelas circunstâncias, a abandonar o controle
artificial da moeda, com riscos para a inflação e sua força política. Até por
falta de opções, os argentinos avalizaram a continuidade das reformas liberais.
Todos devem pagar pela preservação da Amazônia
Por Folha de S. Paulo
Incentivo financeiro para reflorestamento no
agro é necessário para conter aquecimento global
Medida enfrenta tensão mundial, e gestã
petista precisa demonstrar que é capaz de alocar recursos de forma técnica e
responsável
Para conter o aquecimento global, a
humanidade precisa substituir os métodos que usa para gerar energia —da queima
de combustíveis fósseis (petróleo,
carvão e gás natural) para os modelos solar, eólico, hidrelétrico, de biomassa
e nuclear.
Mas, como tal mudança tecnológica exige uma
enorme e custosa adaptação estrutural, trata-se de medida de longo prazo.
Deve-se aliá-la a iniciativas que contribuem de forma mais ágil para arrefecer
a mudança
climática, enquanto o mundo não alcança a plenitude em energia
limpa.
Uma delas é o sistema de incentivo financeiro
para captura natural de carbono —um fazendeiro, por exemplo, sendo pago por
reflorestar uma área devastada, já que a vegetação absorve CO².
No Brasil, cujas emissões de CO² vêm
majoritariamente do desmatamento e
da agropecuária, essa medida é essencial tanto para preservar florestas e
biodiversidade como para enfrentar o efeito estufa. Essencial não só no âmbito
doméstico, mas global.
É o que
afirma o economista americano Lars Peter Hansen, em entrevista à Folha.
Prêmio Nobel de Economia de
2013, ele é coautor de um estudo que revela que o pagamento de US$ 25 (R$ 135)
por tonelada de carbono capturado seria economicamente competitivo no Brasil
para incentivar fazendeiros a trocar a pecuária pelo reflorestamento.
Segundo Hansen, trata-se de um custo baixo em
relação ao do mercado europeu, de cerca de US$ 75 (R$ 405) por tonelada, e
menor ainda quando se consideram os impactos da mudança climática. O tema será
discutido na COP30, em Belém —Alexandre Scheinkman, um dos autores da pesquisa,
é conselheiro da Cúpula do Clima deste ano.
Há grandes desafios, porém. Num mundo imerso
em protecionismos e disputas comerciais, incitados sobretudo pelo presidente da
nação mais rica do planeta, Donald Trump,
acordos nesse sentido parecem improváveis.
Ademais, não basta convencer outros países de
que é imperativo apoiar o reflorestamento na amazônia.
O governo de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
precisa demonstrar que é capaz de alocar recursos de forma técnica, segura e
responsável e de promover articulação com agentes da política e do agronegócio sobre
o tema.
Na gestão petista, houve redução no desmatamento, de 41,3% entre 2022 e 2024, ante o salto sob Jair Bolsonaro (PL), de 73,4% de 2019 a 2022. Até agora, contudo, apesar do discurso ambientalista, Lula não apresentou um plano robusto e factível para adaptação aos efeitos do aquecimento global, nem para contê-los.
Trump abre espaço para reduzir tarifas do
Brasil
Por Valor Econômico
Mas há um longo caminho a percorrer e
dificuldades a superar para que o Brasil consiga diminuir barreiras americanas
injustificáveis
O presidente Donald Trump abriu espaço para
negociar com o Brasil as mais altas tarifas que impôs de todos os países com os
quais os Estados Unidos comerciam (ao lado da Índia), 85 dias após taxar em 50%
os produtos brasileiros. Em reunião com o presidente Lula em Kuala Lumpur, na
Malásia, houve um acordo para que as negociações para a redução das barreiras
protecionistas começassem imediatamente. “Foi surpreendentemente boa a reunião
que eu tive com Trump. Se depender do Trump e de mim, vai ter acordo”, disse
Lula, em sua primeira entrevista após o encontro. Apesar de encontros com
autoridades americanas, sempre protelatórios, o início de um entendimento
estava travado por falta de autorização do presidente americano ontem. Este
primeiro obstáculo caiu no domingo, mas há um longo caminho a percorrer e
dificuldades a superar para que o Brasil consiga diminuir barreiras americanas
injustificáveis.
O encontro dos dois presidentes marcou um
clima radicalmente diferente do de três meses atrás, quando representantes dos
EUA faziam questão de ressaltar que a taxação sobre o Brasil tinha motivos
políticos porque o país fazia uma perseguição política ao ex-presidente Jair
Bolsonaro. Bolsonaro deixou de fazer parte das conversas bilaterais e ao que
tudo indica o assunto tornou-se página virada. As exigências de mudanças de
atitude do STF em relação a ele foram deixadas de lado após sua condenação, à
qual os EUA não reagiram com a virulência que se previa diante das atitudes
políticas tão incisivas em sua defesa. Trump nada tem a ganhar com o apoio
intransigente a um ex-presidente golpista derrotado nas urnas e muito a perder
com relações interrompidas com a maior economia da América Latina.
O presidente Lula, por seu lado, mesmo após
bravatas para valorizar o presente eleitoral que os Bolsonaro lhe deram ao
pedir sanções econômicas contra o próprio país, deixou o terreno retórico,
manteve-se firme na defesa da soberania nacional onde isso era necessário
(contra a interferência externa nas instituições do país) e ateve-se ao terreno
comercial. A via das negociações foi então aberta.
Trump, por seu lado, ensaia revisões
pragmáticas após a primeira fase dura da imposição de tarifas. Um par de meses
pode ter sido suficiente não para ele abdicar das tarifas — realmente acredita
que elas são capazes de ressuscitar a indústria americana e lhe dar recursos
fiscais para reduzir o déficit público —, mas para calibrá-las em função da
pressão de preços sobre os consumidores americanos, que está crescendo.
No mesmo périplo para a reunião da Associação
das Nações do Sudeste Asiático (Asean), no qual reuniu-se com o presidente
Lula, Trump celebrou acordos para isentar vários produtos tarifados (19%) da
Tailândia, Malásia e Camboja, e do Vietnã (20%). Esse grupo de países exporta
quase tanto quanto a China para os EUA e eles são grandes produtores de
vestuário, alimentos e produtos eletrônicos, que têm elevado o índice de preços
ao consumidor para 3%, distanciando-se da meta do Federal Reserve, o banco
central americano.
No mesmo sentido, para Trump tem razão a reaproximação
comercial com o Brasil. Primeiro, porque é um dos poucos países com os quais os
EUA têm superávit comercial. No ano, o saldo favorável aos EUA foi de US$ 5,1
bilhões. Em serviços, sua vantagem é ainda maior, com saldo de US$ 16,5 bilhões
no primeiro semestre do ano, segundo o US Census Bureau. O superávit total
americano em 2025 já é superior a US$ 21,5 bilhões e o do ano passado atingiu
US$ 23,1 bilhões.
Além disso, o Brasil é o maior fornecedor
mundial de carnes e café, produtos para os quais os EUA não têm substitutos à
altura para suprir as quantidades que consomem. Após a imposição das barreiras,
as exportações brasileiras dos dois produtos não caíram, apenas foram pousar em
outros mercados. Já os preços das duas commodities dispararam no mercado
americano.
Em troca da retirada seletiva de tarifas, os
EUA querem vantagens. Com os países asiáticos, obteve eliminação de tarifas
para produtos americanos e exploração e fornecimento de minerais estratégicos.
Os EUA podem seguir a mesma rota com o Brasil, propondo parcerias para sua
exploração, além de pedir espaço livre para o etanol, taxado aqui em 20%. Há
impasse à vista na discussão sobre as redes sociais — as big techs dão sólido
apoio a Trump, que tem sido seu porta-voz para tentar impedir qualquer
regulação que as atinja ou venham a coibir sua vocação monopolista.
É um ponto o qual o Brasil não pode ceder, embora não haja certeza de que os EUA tampouco condicionem toda a negociação a um acordo sobre este ponto. Trump não fez isso com a União Europeia e pode ter a mesma atitude com o Brasil. O ajuste fino das tarifas por Trump, que atende seus interesses, permite que o Brasil retire parte da sobrecarga tarifária de suas costas no curto prazo. Trump disse que “eles (o Brasil) podem oferecer muito e nós também”, antes da reunião com Lula. Há espaço para entendimento.
O diálogo de Lula e Trump
Por O Estado de S. Paulo
Como resultado da persistência da diplomacia
brasileira, Lula estabelece canal direto com Trump e, a despeito das diferenças
ideológicas, abre caminho para discutir as sanções contra o Brasil
É uma incógnita se o encontro entre os
presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump vai de fato resultar no
fim do tarifaço imposto pelos Estados Unidos aos produtos brasileiros, mas o
petista, sem dúvida alguma, já tem muito a comemorar.
A tal “química” que Trump mencionou ao
encontrar Lula na Assembleia-Geral da ONU, no fim de setembro, e o telefonema
de 30 minutos entre os dois chefes de Estado, no início de outubro, evoluíram
para uma reunião bilateral de quase uma hora em Kuala Lumpur, da qual
participaram equipes de alto nível de ambos os países e na qual o ex-presidente
Jair Bolsonaro – cujo julgamento foi o principal pretexto para a adoção de
sanções dos EUA contra o Brasil – foi apenas lateralmente mencionado.
De concreto, Lula estabeleceu um canal de
diálogo direto com Trump, mérito da diplomacia profissional brasileira, que há
meses trabalha com afinco e discrição para reaproximar Brasil e EUA. Já é muita
coisa, haja vista o nível de deterioração em que estavam as relações diplomáticas
entre os dois países.
Até o último minuto, havia muita tensão sobre
em que termos essa reunião se daria e uma certa ansiedade por parte de Lula
para que ela se iniciasse de uma vez. Era a chance que o presidente brasileiro
queria para dizer diretamente a Trump, olho no olho, que os motivos alegados
para punir o Brasil não encontram respaldo na realidade – sobretudo um
inexistente déficit comercial dos EUA com o Brasil. Se funcionou, só o tempo
irá dizer.
Os registros do encontro entre os dois chefes
de Estado, com direito a sorrisos e apertos de mão, evidenciam o clima amistoso
no qual o diálogo foi travado. Não se falou apenas de comércio. Lula fez
questão de dizer que Bolsonaro teve direito a um julgamento justo, de forma que
as sanções aplicadas a autoridades brasileiras eram desarrazoadas.
Trump, por outro lado, demonstrou interesse
genuíno na história pessoal de Lula, inclusive sobre o período de 580 dias em
que ficou preso. O republicano, que se diz perseguido pelo sistema
norte-americano, teria usado o mesmo termo para se referir a Lula, segundo
autoridades brasileiras. Trump deu também parabéns ao petista, que completou 80
anos nesta semana, e elogiou seu vigor a repórteres que o acompanhavam no avião
oficial da presidência dos EUA.
Bem se sabe que Trump é impetuoso e que toda
a boa vontade que demonstrou pode se esvair de uma hora para outra. No fim de
semana, ele anunciou o aumento de 10% nas tarifas sobre produtos canadenses,
porque se irritou com uma campanha publicitária da província de Ontário que
usou trechos de um discurso no qual o ex-presidente Ronald Reagan reconhece os
efeitos negativos da imposição de taxas de importação sobre os trabalhadores e
a economia dos EUA.
Dito isso, Lula e o governo brasileiro devem
continuar na mesa de diálogo com espírito aberto, a despeito das diferenças
abissais entre Trump e Lula. As negociações entre as comitivas brasileira e
norte-americana já começaram, mas devem durar algumas semanas. Não se sabe o
que os EUA pretendem exigir do Brasil em troca da retirada das tarifas, embora
se imagine: há uma evidente preocupação dos norte-americanos com a influência
da China, atualmente o maior parceiro comercial brasileiro. Mas,
historicamente, a diplomacia brasileira tem sabido conduzir a política externa
com pragmatismo, equidistância e independência.
Até agora, Lula jogou bem e praticamente
parado. De um lado, não precisou ir até o Salão Oval da Casa Branca e arriscar
ser humilhado perante o mundo. De outro, sua atitude rendeu frutos
internamente, com a recuperação de parte da popularidade que havia perdido.
Na hipótese de tudo dar errado, Lula não
poderá mais ser acusado de não ter feito nada para reverter as tarifas; se as
negociações derem resultado, terá sido mérito pessoal dele. A postura
descontraída do petista na entrevista coletiva concedida após a reunião diz
tudo. Enquanto isso, a oposição parece mais perdida do que nunca.
Argentinos votam contra o retrocesso
Por O Estado de S. Paulo
Vitória de Milei nas urnas é excelente
notícia: significa que o eleitorado argentino, ainda que descontente com o duro
ajuste, rejeita a volta da irresponsabilidade peronista
A Argentina acaba de dar ao presidente Javier
Milei uma vitória robusta e surpreendente. As eleições legislativas de meio de
mandato confirmaram o governo como a principal força política do país e selaram
a derrocada do peronismo, hoje sem liderança, sem narrativa e – ao menos a
curto prazo – sem futuro. O eleitorado, cansado de ilusões e de crises
recorrentes, transformou o pleito num referendo em favor do ajuste e da
responsabilidade – e isso é uma excelente notícia, num continente habituado a
se render facilmente à ilusão do populismo irresponsável de esquerda. A
Argentina parece finalmente disposta a abandonar o ciclo de populismo e
autoengano que a reduziu de potência agrícola a caso clínico de disfunção
econômica.
O novo mandato é, antes de tudo, um voto de
confiança na coragem. Milei impôs ao país uma terapia de choque: cortes
drásticos de gastos, desregulação em larga escala, redução de subsídios e um
esforço inédito de consolidação fiscal. A inflação desabou de patamares de 13%
ao mês para pouco mais de 2%, o déficit virou superávit e o país, enfim,
reencontrou algum equilíbrio. O eleitor reconheceu a honestidade do governo em
dizer a verdade e assumir o custo político de um ajuste que muitos preferiram
adiar.
Mas a lição do êxito fiscal é também um
alerta. O ajuste funcionou porque foi rápido e duro – e porque o governo
resistiu às tentações da “heterodoxia gradualista” que desmoralizou
administrações anteriores. Agora, porém, é preciso completar o tripé:
liberalizar o câmbio, reconstruir reservas e atrair investimento. O peso
sobrevalorizado, mantido como âncora para conter preços, já asfixia
exportações, alimenta importações e corrói a competitividade. O balão de
oxigênio da Casa Branca, com uma linha de swap de US$ 20 bilhões, comprou
tempo, não credibilidade. Sem uma flutuação limpa e um regime monetário
previsível, a história argentina tende a se repetir.
A tarefa é dupla. Exige coragem econômica e
maturidade política. Coragem para desmontar as últimas amarras cambiais e
permitir que o mercado defina o valor da moeda, ancorando expectativas num
sistema transparente de metas de inflação e acumulação de reservas. Maturidade
para transformar a disciplina fiscal em política de Estado, institucionalizar
regras de responsabilidade e negociar, com governadores e o centro reformista,
as reformas estruturais que faltam: a tributária, a previdenciária e a
trabalhista, e o programa de privatizações com marcos regulatórios claros e
estáveis.
A Argentina tem, pela primeira vez em
décadas, a chance de converter-se de laboratório das piores práticas estatistas
em vitrine das melhores políticas liberais. O mundo observa se o país
conseguirá consolidar uma nova era de racionalidade fiscal e monetária, capaz
de sustentar crescimento, produtividade e redução da pobreza. Investidores e
parceiros só voltarão a apostar de verdade quando virem as reformas convertidas
em lei e o câmbio livre de manipulações.
Buenos Aires pode aprender com Brasília do
final dos anos 1990 – a coragem de flutuar a moeda, estabelecer metas e
consolidar o tripé macroeconômico. Mas o Brasil também tem algo a aprender com
a Argentina: é possível vencer eleições dizendo verdades duras e governar sem
disfarçar as contas. O populismo assistencialista concentra poder político, mas
mina o crescimento econômico. O vizinho que ousou ajustar o Estado prova que
adiar reformas só torna o remédio mais amargo.
Nada garante que Milei conseguirá sustentar
sua revolução. As tentações do atalho – controlar o câmbio, governar por
decreto, ceder à retórica de confronto – continuam presentes. O governo
precisará substituir o impulso messiânico pela engenharia paciente das
coalizões e a reconstrução institucional que o país ainda deve a si mesmo.
Os argentinos concederam a Milei uma segunda
chance – e talvez a última – de quebrar a espiral de crises que marcou quase um
século de populismo. Se usar o capital político para liberalizar de vez a
economia e consolidar um pacto reformista, poderá colocar a Argentina, enfim,
no caminho da normalidade e do crescimento sustentado. Caso contrário, o “milagre”
voltará a ser mais um parêntese na longa sucessão de promessas fracassadas.
A ‘uberização’ se consolida
Por O Estado de S. Paulo
Brasil terá de encontrar um meio de garantir
direitos mínimos sem tolher o dinamismo do mercado
A chamada “uberização”, isto é, o trabalho
por meio de aplicativos, cresceu 25,4% no Brasil, numa clara demonstração de
força da revolução tecnológica promovida pelos aplicativos de serviços e pelas
plataformas digitais. Dados da pesquisa Trabalho por meio de Plataformas
Digitais, do IBGE, mostram que o total de trabalhadores nessa modalidade saltou
de 1,3 milhão em 2022 para 1,7 milhão em apenas dois anos.
Tal cenário mostra a consolidação desse
mercado, o que deve elevar a pressão por regulação das relações de trabalho. Os
nostálgicos do tempo em que trabalho era sinônimo de carteira assinada –
sobretudo os sindicatos, que ora mínguam – decerto elevarão a pressão por uma
regulamentação rígida e ampla de direitos para esses trabalhadores,
desconsiderando as características particulares do modelo. Contudo, uma parte
significativa dos próprios trabalhadores, em muitos casos, prefere uma solução
intermediária, porque teme que o estabelecimento de direitos além do básico
(seguro contra acidentes e remuneração mínima por hora, por exemplo) possa se
converter em redução de oportunidades.
O fato incontornável, contudo, é que esse
mercado se expande de forma veloz e constante justamente porque proporciona aos
trabalhadores uma liberdade de que não disporiam se estivessem sob contrato
regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Além disso, os ganhos de
remuneração imediatos são maiores, porque não há os descontos em folha de
pagamento que se verificam para os trabalhadores com carteira assinada.
Por outro lado, esses trabalhadores, na maior
parte dos casos, não têm quase nenhum direito, como remuneração mínima, limite
de horas ou proteção contra acidentes ou contra condições de trabalho
degradantes. Esse é um dos grandes desafios do nosso tempo: conciliar o dinamismo
econômico proporcionado pela tecnologia com a construção de uma rede de
proteção mínima aos trabalhadores. O mundo está debruçado sobre isso há anos,
sem que haja ainda um modelo que se possa considerar plenamente satisfatório e
que seja replicável em diferentes realidades nacionais.
Em paralelo, há o desafio de sustentação da
Previdência, pois os trabalhadores por aplicativo não são obrigados a
contribuir. Trata-se de um problema particularmente grave, no momento em que
cada vez mais brasileiros recebem aposentadoria e cada vez menos – sobretudo os
mais jovens, maioria absoluta dos trabalhadores por aplicativos – contribuem
com a Previdência.
Diante desse quadro, justifica-se todo o debate em torno da regulamentação do trabalho por aplicativo, mas roga-se que o mundo político evite as tradicionais soluções demagógicas, que parecem favorecer os trabalhadores, mas que no final das contas colaboram para prejudicá-los. Não parece ser por acaso que muitos desses trabalhadores sejam especialmente críticos à tutela do Estado sobre sua atividade. Para eles, e para este jornal, Estado bom é aquele que não atrapalha.
Direitos indígenas das florestas às cidades
Por Correio Braziliense
Historicamente, a inércia dos sucessivos
governos é um dos fatores que emergem como estímulo às violências praticada
Apesar dos vários fatores que violentam os
direitos dos povos originários desde o período colonial, o Censo Demográfico
divulgado na última sexta-feira revela um aumento no número de povos e línguas
indígenas no Brasil, na última década. Os dados mais recentes indicam que 391
povos indígenas residem no país, totalizando 1.694.836 pessoas e 295 idiomas.
No Censo de 2010, os números eram, respectivamente, 305, 896.917 e 274. Não só
o crescimento natural das populações, mas a mudança do modelo de coleta de
dados feita pelo IBGE e a resistência dos indígenas ante à agressividade dos
seus oponentes explicam os resultados obtidos agora.
As maiores populações são as dos povos Tikuna
(74.061 pessoas), do Alto Solimões, no Amazonas; Kokama (64.327), no médio
Solimões, no Amazonas; e Makuxi (54.446), na Terra Indígena Raposa Serra do
Sol, em Roraima. Todos em territórios originais. O Censo também constatou que
os povos indígenas não estão somente nas florestas. Chama a atenção o avanço em
áreas urbanas: de 324.834 pessoas em 2010 para 844.760 pessoas em 2022. São
Paulo é a unidade da Federação com o maior número de etnias, 271. Na sequência,
estão Amazonas (259) e Bahia (233). Brasília abriga 167 comunidades e Minas
Gerais, 208.
No passado, líderes alegavam que ir para as
cidades era importante para entender os "homens brancos" e, assim,
aprender a se defender de eventuais agressões. Hoje, a vida nos centros urbanos
tem outros objetivos, como se aproximar das unidades de ensino e de saúde, sem
necessariamente abandonar a terra de origem. A nova configuração detalhada pelo
IBGE evidencia, portanto, que a obrigação do Estado de proteger os povos
originários tem uma complexidade ainda maior.
Os ataques são diversos. Intitulada Terra do
Meio: da Rio+20 à COP30, a série de reportagens produzida pela jornalista
Cristina Ávila e publicada em quatro edições do Correio Braziliense revela o
elenco de afrontas e violências a que estão submetidos os povos indígenas em
uma área de preservação ambiental na Amazônia e no Pará, entre os rios Xingu e
Iriri. Faltam iniciativas e políticas públicas que garantam segurança às
populações originárias — realidade que se repete em outros cantos do país.
Historicamente, a inércia dos sucessivos
governos é um dos fatores que emergem como estímulo às violências praticadas.
As equipes de segurança são acionadas em situações críticas, como ocorreu no
território Yanomami, em 2023. O episódio mobilizou as Forças Armadas, equipes
de saúde, celebridades, especialistas, e forçou uma atenção especial do governo
federal para evitar um genocídio em Roraima. Foi uma ação pontual diante
episódio divulgado até no exterior.
Os direitos constitucionais e humanos dos povos indígenas não somente deveriam ser respeitados durante fatos excepcionais em um Brasil que abriga conferências que tratam dos desafios da humanidade para garantir a vida no planeta. Como guardiões do patrimônio natural, eles têm papel relevante no embate contra o aquecimento climático.
Os efeitos do encontro de Lula com TrumpPor O Povo (CE)
Aconteceu, enfim, o esperado e necessário
encontro presencial entre os presidentes Donald Trump, dos Estados Unidos, e
Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil. Os dois conversaram, por cerca de uma
hora no último domingo, aproveitando visita de ambos à Malásia e pondo fim a um
distanciamento que tem marcado as relações desde a volta de Trump à Casa
Branca, em janeiro deste ano de 2025.
Claro que ainda há muito por fazer até que a
crise seja dada por superada de maneira definitiva. Nenhuma das medidas
punitivas comerciais e políticas impostas ao Brasil pelo Governo Trump,
incluindo a aplicação da Lei Magnitsky contra autoridades e até familiares
deles, até agora foi oficialmente revista ou anulada. Tudo segue em vigor e à
espera de uma normalização nas relações que, hoje, até parece mais próxima.
Em verdade, sabe-se que discussões nesse
nível obedecem a um tempo diferente, exigem conversas e tratativas até que
resultados efetivos comecem a aparecer. Criar expectativas diferentes faz parte
do jogo político, apenas, e é nesse contexto que serviram de animação para o
debate das horas que se seguiram ao anúncio de que o encontro acontecera e à
divulgação das primeiras imagens.
Importante mesmo é que representantes dos
dois países já começaram as conversas como efeito direto do encontro entre Lula
e Trump. De ambos os lados partem avaliações positivas em relação ao passo
fundamental que se deu no domingo, mas, agora, é preciso que se avance no
sentido de obter resultados concretos, superada a fase da inexistência de canais
para o diálogo.
A crise é injustificável desde o seu
surgimento e, à medida em que avançava, expunha facetas novas do momento
crítico da realidade nacional. Parcela de segmentos políticos arrastaram com
eles setores da própria sociedade num movimento autofágico que desconsiderou o
interesse do próprio Brasil diante da perspectiva, vislumbrada por alguns, de
criar dificuldades para um governo do qual se discorda.
Os acontecimentos do domingo, e seus
desdobramentos do dia seguinte, indicam um momento que precisa ser aproveitado
pela competente área diplomática brasileira. É justo que deixemos nossos
diplomatas atuarem, agora, para reverter um quadro que até outro dia se
demonstrava mais desfavorável pelo erro de deixarmos que sentimentos políticos
prevalecessem.
É de importância menor que o episódio, no seu todo, provoque perdas ou ganhos para quem quer que seja. Trata-se de uma pauta necessária ao País, na perspectiva de seus interesses maiores, independente de colorações políticas ou partidárias, aspecto que desde o início deveria estar considerado no debate pelo lado brasileiro. São importantes os sinais de que isso parece, formalmente, que começa a nos mover.

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