segunda-feira, 6 de outubro de 2025

O silêncio dos generais. Por José Eduardo Agualusa

O Globo

O presidente Donald Trump transformou a Casa Branca num circo romano. A democracia americana virou um deprimente reality show

O silêncio com que generais e almirantes receberam Donald Trump, num encontro inédito, na Base do Corpo de Fuzileiros Navais de Quantico, Virgínia, parece ter surpreendido o próprio orador.

— Nunca tinha entrado numa sala tão silenciosa — confessou Trump, antes de cometer mais um delírio verbal, no qual afirmou pretender usar cidades americanas como “campos de treinamento” para as forças armadas.

O estranho encontro ficou também marcado pelas palavras do secretário da Guerra, Pete Hegseth, que, entre outras bizarrias, se insurgiu contra os generais gordos. A partir de agora, caso Hegseth consiga impor a sua vontade, não haverá mais generais gordos, nem barbudos, nas forças armadas americanas. Também não haverá mulheres.

A História mostra-nos como, tantas vezes, líderes poderosos acabam derrotados, não por inimigos externos, mas pela insidiosa erosão daquilo a que se costuma chamar a seriedade do cargo. A autoridade não reside apenas na força das leis e das armas. Depende também da representação simbólica — gestos, contenção, gravidade. Ao expor-se ao ridículo, degradando esse capital invisível, um chefe de Estado cava seu próprio túmulo político.

“Passa-se sete vezes uma gargalhada em volta de uma instituição e a instituição alui-se”, alertava Eça de Queirós.

O caso do imperador romano Cômodo é um bom exemplo. Filho do imperador Marco Aurélio, que se distinguiu não só nos campos de batalha e na diplomacia, mas também na filosofia — as suas “Meditações” são consideradas essenciais para a compreensão da filosofia estoica —, Cômodo parecia predestinado a uma vida sóbria e sábia. Aconteceu o contrário. Contrariando o exemplo e a filosofia do pai, o jovem imperador entregou-se a todo tipo de excentricidades, vícios e palhaçadas. Fantasiava-se de Hércules; renomeou os meses do calendário romano com os seus próprios títulos e epítetos, e chegou a rebatizar Roma com o nome de Colônia Comodiana. Também gostava de se apresentar nas arenas como gladiador, e, sem surpresa, vencia todos os combates.

Aqueles tristes espetáculos corroíam a dignidade imperial. Não era apenas um homem de quem todos troçavam. Ao rir-se dele, a população escarnecia também do trono de Roma. Para muitos, na aristocracia, e no exército romano, a situação tornou-se intolerável. Os guardas que deviam defendê-lo acabaram asfixiando-o no banho.

A política moderna exige idênticos rituais de responsabilidade. Presidentes podem ser populistas, irônicos, até mesmo brutais — mas convém que não ridicularizem de forma sistemática a função que ocupam.

Donald Trump tem vindo a repetir, em versão contemporânea, a trágica farsa de Cômodo. Transformou a Casa Branca, agora forrada de ouro falso, num circo romano, e os encontros com altos dignatários estrangeiros em combates de gladiadores, nos quais achincalha os adversários, enquanto os seus cortesãos aplaudem. A democracia americana virou um deprimente reality show.

Há quem não consiga rir. O silêncio que Trump enfrentou, na sua reunião com os generais, estava carregado de cólera e de rancor. No lugar dele teria cuidado na hora do banho.

 

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