O Estado de S. Paulo
A nova atitude de Washington para com as Américas cria grandes desafios para a política externa do PT
O ministro da Guerra dos EUA chamou as
Américas de “quintal dos EUA” e o presidente Trump disse que “os países da
região terão de optar entre os EUA e a China”.
No início de seu mandato, o presidente dos EUA ameaçou ocupar o Canal do Panamá e renomeou o Golfo do México como Golfo da América. Nos últimos meses, medidas de força e de favorecimento, como o apoio a Javier Milei, na Argentina, têm indicado o crescente interesse de Washington sobre a região. Na semana passada, três medidas confirmaram a mudança da política e da estratégia dos EUA em relação às Américas.
O anúncio de novas rebaixas tarifárias sobre
produtos agrícolas e pecuários, sem produção ou com pequena produção local,
para reduzir os custos no mercado norte-americano – foram isentos das tarifas
recíprocas (10%), mas continuaram a ser cobradas outras tarifas que incidem
sobre esses produtos. Ao mesmo tempo, foi anunciada a conclusão de acordos
comerciais com a Argentina, Equador, Guatemala e El Salvador. A recente redução
dos 40% de tarifas para 238 produtos brasileiros elimina parcialmente a
discriminação contra o Brasil, mas não afasta a necessidade de negociar os que
ainda estão submetidos àquelas altas tarifas. No caso da Argentina, foi
negociado um amplo acordo de comércio e investimentos, que, em uma primeira
análise, não se choca com as regras do Mercosul.
No recente encontro com Marco Rubio, Mauro
Vieira entregou uma nova proposta para dar início às negociações comerciais.
Segundo informado, Vieira esperava a marcação de data para os encontros
técnicos para o início da semana passada, o que não aconteceu. As últimas
medidas anunciadas por Trump foram determinadas por interesse direto
norte-americano, sem negociação bilateral. Lula insiste em negociar a agenda
comercial das big techs e política (Lei Magnitsky). A prisão de Bolsonaro,
criticada pela embaixada dos EUA, poderá ter impacto nas negociações sobre a
retirada das sanções.
O governo norte-americano anunciou que, em breve, dará início à operação “Lança do Sul”, grande ação militar para combater o narcoterrorismo. O presidente Trump mencionou publicamente que já tinha tomado a decisão sobre o que fazer em relação à Venezuela. O governo norte-americano tem duas opções, tendo em vista a grande mobilização naval e de soldados no Caribe: atacar com mísseis alguns alvos militares ou de narcotraficantes em território venezuelano e colombiano ou executar uma operação de comando para derrubar e sequestrar o presidente Maduro, para o que teriam de contar com a divisão das Forças Armadas venezuelanas e o apoio de parte delas para chegar a Maduro. Além disso, para combater os narcoterroristas, o presidente norte-americano declarou não descartar atacar o México.
A política externa de Washington para a
região reflete as mudanças que estão ocorrendo no mundo e a perspectiva da
criação de áreas de influência entre os EUA, a China e a Rússia. Representa um
reconhecimento de que o domínio da região fortalece a posição global dos EUA e
oferece benefícios como acesso a recursos naturais, posições estratégicas de
segurança e um mercado de 300 milhões de pessoas, além de buscar conter a
crescente presença da China. Ficaram para trás o benign neglect e a retórica da
defesa da democracia e do livre comércio.
A mudança de foco da política externa pode
ser atribuída, em larga medida, à crescente influência de Marco Rubio com ação
ideológica de direita do Departamento de Estado contra os governos de esquerda
na região. Em vista do apoio ostensivo de Washington, cresce o número de países
governados pela direita na América do Sul: Argentina, Paraguai, Equador,
Bolívia e Chile. Os governos de esquerda estão sendo pressionados ou
sancionados por Trump, como Venezuela, Colômbia e Brasil.
Essa nova atitude de Washington para com as
Américas cria grandes desafios para a política externa do PT. Ao longo dos 20
anos em que o partido ocupou o poder no Brasil, os sucessivos governos de Lula
e Dilma sempre manifestaram um forte viés antiamericano, defendendo que a maior
potência global estava em declínio. A busca de aproximação com o que chamam de
Sul Global e com a China caracterizou todo o período de governo petista. A
resistência em estabelecer um canal direto com a Casa Branca nos primeiros dez
meses de governo republicano em Washington é o exemplo mais recente da atitude
em relação aos EUA, apesar dos prejuízos para as empresas nacionais, do agro e
da indústria pela imposição das tarifas mais altas do mundo impostas ao País.
A política em relação ao Brasil não mudou. A
demora na marcação do início das negociações comerciais pode ser um sinal do
que virá pela frente.
Até o final do governo Lula em 2026, o Brasil
estará pressionado por Washington, por sua dependência da China, pela presença
no Brics e pela resistência à intervenção norte-americana em assuntos internos
brasileiros. Isolado na América do Sul, é possível prever que, por muitas
vezes, ocorrerão contradições entre a ideologia do PT e os interesses
nacionais.
Definidos os interesses brasileiros na nova conformação global, o Brasil deveria manter uma posição de equidistância, acima de ideologia ou partidarismo, sem alinhamento com qualquer país ou grupo de países.

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