Valor Econômico
Investimentos bilionários têm sido
inviabilizados por uma Selic e por spreads bancários que a CNI considera ‘bem
acima da dose de remédio necessária para domar a inflação’
Mais de uma vez observou-se neste espaço que
a indústria brasileira jogou contra seus próprios interesses durante décadas ao
fazer lobbies (legítimos) no Congresso Nacional.
Durante um longo período, de 1996 a 2021, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) conseguiu incluir mais de 3 mil projetos no Congresso que teoricamente beneficiariam a indústria, mas que, na prática, colaboraram para a desindustrialização.
Em resumo, a atuação dos industriais reduziu
incentivos produtivos, fortaleceu a abertura comercial ampla e incentivou o
rentismo. Isso porque a indústria adotou a agenda neoliberal globalmente
dominante na época, advinda do “Consenso de Washington”. Contrariar aqueles
princípios, que beneficiavam o setor financeiro, era considerado vergonhoso,
como se fosse negar a lei da gravidade. As ideias eram a favor de reformas,
austeridade fiscal, restrições monetárias, privatizações, redução do tamanho do
Estado, flexibilização das leis trabalhistas e abertura econômica em geral.
A participação da indústria de transformação
no Produto Interno Bruto (PIB), que já vinha em queda desde os anos 1980, caiu
de 17,2% em 1995 para 10,8% em 2024. Há diferentes explicações para essa
desindustrialização brasileira, entre elas o deslocamento mundial de
investimentos para o setor de serviços. Com certeza, porém, a crença quase
dogmática nos princípios neoliberais acelerou o processo.
Com raras exceções, a indústria se calou nos
últimos anos, por exemplo, diante do impiedoso aperto monetário que colocou o
Brasil quase sempre na liderança entre os países com as taxas de juros mais
altas do mundo.
Algo, porém, parece estar mudando. Dias atrás
(13/11), depois que o Banco Central decidiu manter a taxa Selic em 15% ao ano,
o “Sistema Indústria”, incluindo CNI, Sesi, Senai e Iel, publicou no Valor um anúncio em que
mostra claro descontentamento civilizado com a decisão.
A manifestação da CNI foi em um “branded
content”, como a imprensa chama informes publicitários em formato de
reportagem, com o título “Juros altos deixam a indústria brasileira cada vez
menos competitiva”.
Embora cite de passagem o aspecto fiscal, o
informe não adota o rotineiro jargão neoliberal, que atribui a maior
responsabilidade pelas altas taxas de juros à gastança do governo. Observa, na
verdade, que a Selic de 15% está errada, porque a taxa de juros de equilíbrio,
aquela que é suficiente para manter a inflação estável e a economia no pleno
emprego, seria de 11%. Portanto, 4 pontos percentuais abaixo da taxa atual.
O Brasil, lembra a CNI, ocupa o segundo lugar
entre os países que aplicam as maiores taxas de juros reais do mundo (10,3% ao
ano), atrás apenas da Turquia (12,3%). Além disso, ocupa a terceira posição
entre os maiores spreads bancários (31,5%), suplantado apenas por Zimbábue e
Madagascar. Entre os “top ten” nesse quesito, o Brasil está acompanhado também
de Laos, Tajiquistão, Quirguistão, Congo, Sudão do Sul, São Tomé e Príncipe e
Moçambique. Com todo o respeito, nenhum desses países tem um décimo da
relevância econômica/geopolítica brasileira.
A posição do Brasil nesses dois rankings,
além de ser um vexame, tem impacto fulminante para a indústria. Sem ter como
fugir da armadilha dos juros elevados, segundo cálculos da CNI, o setor deixou
de fazer investimentos de R$ 246 bilhões em pouco mais de três anos. Os aportes
foram de R$ 535,9 bilhões e poderiam ter sido de R$ 781,9 bilhões nesse
período.
Investimentos bilionários têm sido
inviabilizados, portanto, por uma Selic e por spreads bancários que a CNI
considera “bem acima da dose de remédio necessária para domar a inflação”, que
está longe de ser o velho e temido dragão - o índice foi de 0,09% em outubro,
enquanto a atividade econômica caiu quase 1% no terceiro trimestre. Em agosto
passado, a taxa de juros média cobrada das empresas pelos bancos estava em
25,2%, 4,2 pontos percentuais acima do nível de agosto de 2024, um mês antes de
começar o ciclo de alta da Selic.
O Banco Central mantém, aparentemente, a
intenção de iniciar o corte dos juros apenas em março. A manutenção da taxa de
15%, observa o BC, seria necessária pelo fato de que as projeções de inflação
do mercado ainda não estão “ancoradas” na meta de 3%. Ontem, em almoço na
Febraban, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, disse que “a gente ainda não
está onde gostaria de estar e, por isso, segue num patamar restritivo”.
Observações como essa têm forte apoio do
mercado financeiro, corroborado durante muito tempo por empresários do setor
produtivo capturados pelo discurso neoliberal. A manifestação da CNI, que não
contesta o remédio monetário, mas sua dosagem, é um fato novo. Como disse ontem
o próprio Galípolo, “em economia, toda decisão tem um ‘mas’”.

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