quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Antes tarde do que mais tarde, por Malu Gaspar

O Globo

A operação da Polícia Federal (PF) que prendeu Daniel Vorcaro e outros dirigentes do Banco Master por falsificar títulos de crédito para encobrir um desvio de R$ 12,2 bilhões do Banco de Brasília, o BRB, foi certeira, mas o Banco Central não precisava ter esperado até que surgisse uma fraude tão grosseira para começar a agir.

As peripécias de Vorcaro são acompanhadas com lupa no mercado já há alguns anos, pelo menos desde 2021, quando seu banco passou a crescer vertiginosamente vendendo títulos que prometiam rendimentos extraordinários aos clientes e pagando comissões fora do comum aos corretores.

O dono do Master também é velho conhecido da Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, onde já fez acordo para pagar multas de R$ 1,2 milhão e respondeu a processos por manipulação dos preços de ativos e operações fraudulentas com debêntures e títulos imobiliários.

Em julho de 2024, técnicos da Caixa Econômica Federal que examinaram os números do Master para opinar sobre a compra de R$ 500 milhões em títulos de renda fixa escreveram num relatório que o modelo de negócios era “de difícil compreensão” e tinha “alto risco de solvência”. Afirmaram, ainda, que o banco dependia de uma “operação complexa de investimentos” em empresas em recuperação judicial, superendividadas, ou de precatórios de difícil recebimento.

Por lei, bancos insolventes — em bom português, quebrados — são passíveis de medidas duras, incluindo a intervenção, pelo Banco Central, que tem o dever de proteger a integridade do sistema financeiro. Ao longo destes anos, porém, o BC e seus diretores não pareciam muito abalados com a picaretagem que se vislumbrava no horizonte. Por falta de aviso é que não foi.

Desde a gestão de Roberto Campos Neto, o Fundo Garantidor de Créditos (FGC), que cobre perdas de até R$ 250 mil em caso de quebra, enviou mais de 38 alertas ao BC sobre os problemas do Master.

Sem contar as dezenas de reuniões e conversas de bastidores com pedidos de providências a Campos Neto, na era Jair Bolsonaro, e a Gabriel Galípolo, no governo Lula.

Em 2023, depois de muita pressão do mercado, o BC criou regras diminuindo a proporção de precatórios e CDBs que os bancos podem acumular. Mas deu até o final de 2025 para o pessoal se enquadrar — uma temeridade, como está demonstrado agora. Desde então, só o passivo do banco mais que dobrou.

O FGC calcula que será necessário desembolsar no mínimo R$ 40 bilhões para compensar as perdas dos investidores. Mas não cobre o rombo dos fundos de pensão de servidores dos estados e municípios que compraram quase R$ 2 bilhões em títulos do Master que virarão pó.

Não é difícil entender a demora do BC em agir. A blindagem de Vorcaro era poderosa, ecumênica e ostensiva. Demonstrava-se em festas milionárias e viagens de jato com políticos e autoridades do governo e do Judiciário, ricos patrocínios a eventos jurídicos, além de contratos generosos com figuras estreladas — como Ricardo Lewandowski, que entre o STF e o Ministério da Justiça passou um ano como conselheiro do Master, ou Guido Mantega, que levou Vorcaro para dar um abraço no presidente Lula no Palácio do Planalto.

Só com “consultorias jurídicas” o banco gastou cerca de R$ 250 milhões em 2024. Entre os contratados estava Viviane Barci de Moraes, mulher de Alexandre de Moraes, que em abril daquele ano foi convidado de honra de um evento jurídico promovido pelo Master em Londres.

A “bancada do Vorcaro” também era famosa em Brasília. Seu líder honorário era o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que também em 2024 propôs aumentar a cobertura do FGC dos atuais R$ 250 mil para R$ 1 milhão. Batizada de “emenda Master”, a iniciativa não colou.

Em março, quando o BRB se ofereceu para comprar 58% do Master e ainda assim manter Vorcaro no controle, num salvamento com o dinheiro do contribuinte brasiliense, o senador Izalci Lucas (PL-DF) fez um pedido de CPI e obteve as assinaturas necessárias, mas desistiu misteriosamente em duas semanas.

O negócio com o BRB também provocou celeuma interna no Banco Central, com uma ala defendendo a transação e outra considerando que apenas transferiria o rombo de um banco privado a um estatal. Mesmo depois de reprovar a compra, continuou a haver impasse sobre a necessidade de intervenção. O decreto de liquidação do Master já estava pronto havia tempos, mas só quando a PF entrou em campo o BC apertou o botão.

A razão da demora não foi outra que não a pressão dos amigos de Vorcaro em Brasília. Os mesmos que, espera-se, sejam investigados a sério e a fundo. Já passou da hora, mas antes tarde do que mais tarde.

 

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